O ESTADO DE S. PAULO - 18/02
A constatação, pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, de que assentamentos de trabalhadores sem-terra feitos pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) transformaram-se em "quase favelas rurais" é contundente, mas também de uma exatidão acima de qualquer dúvida. Como não podia deixar de ser, ela provocou duras críticas dos principais interessados no aumento do ritmo desses assentamentos. Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), retrucou que a expressão é o mero reconhecimento de que o governo Dilma Rousseff não os apoia. "O termo favela rural é extremamente pejorativo e irresponsável", disse Willian Clementino, secretário de Política Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Este acrescentou que a vida dos assentados não é fácil, mas eles não podem ser comparados com favelados, pois, ao se tornarem donos das terras, deixam de depender de programas sociais desde que tenham acesso à assistência técnica e crédito de produção.
A redução do ritmo da desapropriação de terras para servirem de assentamento a sem-terra é óbvia: de acordo com o Incra, nos dois primeiros anos de governo, o ex-presidente tucano Fernando Henrique assentou 105 mil famílias. Tendo recebido o apoio dos movimentos sociais à sua eleição, seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, ultrapassou essa marca, tendo assentado em igual período de gestão 117,5 mil. Até agora, o governo Dilma está mantendo uma média de 22.552 famílias assentadas por ano, mais ou menos um terço da média dos dois governos anteriores: 67.588 no primeiro e 76.761 no segundo. Esta queda acompanhou a diminuição do número de invasões: em 2012, a Ouvidoria Agrária Nacional registrou 176 invasões de terra no País. Durante os dez anos sob Lula e Dilma, 2.344 propriedades rurais foram invadidas, um total inferior às 2.462 nos oito anos da gestão tucana.
Encarregado pela chefe de tratar com os movimentos sociais, o ministro Carvalho reconheceu o aumento de tensão no setor por causa da redução do índice de assentados na segunda metade do segundo governo Lula e na primeira do governo Dilma. "Há, de fato, uma questão muito séria: nós não podemos fazer mais assentamentos em terras que não têm condições de permitir o desenvolvimento de uma agricultura que tenha viabilidade naquela região", disse ele. A constatação é confirmada pelo especialista José Maria Silveira, da Unicamp. Segundo ele, o governo enfrenta o problema da valorização da terra, motivada pela rentabilidade crescente da agricultura. A maioria dos assentamentos fica nas Regiões Norte e Nordeste, onde a má qualidade do solo e do clima dificultam o cultivo. "No Ceará, no lugar de explorar babaçu, assentados cortaram as árvores para vender para construção civil, porque não conseguiam explorar de forma sustentável. Muitos assentados desmatam e criam gado, porque é mais fácil vender um animal", explicou o professor.
"Só terra não resolve o problema. A desapropriação é um grande passo, mas precisa ser acompanhada de um conjunto de medidas, de infraestrutura e assistência técnica e compra da produção", reclamou Conceição, do MST. Ainda que ele tenha razão, a tarefa de segurar o homem na terra, principalmente o jovem, é hercúlea, se não impossível, para o governo enfrentar. No Rio Grande do Sul, onde a terra é mais fértil que no Norte e no Nordeste, o Incra calcula que 70% dos descendentes de assentados não ficam no campo. O MST e a Contag exigem medidas urgentes para evitar o esvaziamento da força de trabalho. Seria remar contra uma maré poderosa: de 2000 a 2010, segundo o IBGE, a população rural brasileira diminuiu 6% e a urbana cresceu 17%.
O freio determinado por Dilma para criar assentamentos, reconhecido pelo ministro Carvalho, obedece à lógica mais racional. Em vez de criar novos assentamentos, é preferível adotar programas de desenvolvimento agrícola para os existentes e incentivar o agronegócio, que está longe de ser uma "ilusão", como Conceição, do MST, diz que é.
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