segunda-feira, fevereiro 18, 2013

As 'quase favelas rurais' - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADO DE S. PAULO - 18/02


A constatação, pelo ministro da Secretaria-Geral da Pre­sidência da Repú­blica, Gilberto Carvalho, de que assentamentos de trabalhado­res sem-terra feitos pelo Institu­to de Colonização e Reforma Agrária (Incra) transformaram-se em "quase favelas rurais" é contundente, mas também de uma exatidão acima de qual­quer dúvida. Como não podia deixar de ser, ela provocou du­ras críticas dos principais interessados no aumento do ritmo desses assentamentos. Alexan­dre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), retrucou que a expressão é o mero reconhecimento de que o governo Dilma Rousseff não os apoia. "O termo favela rural é extre­mamente pejorativo e irrespon­sável", disse Willian Clementino, secretário de Política Agrá­ria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultu­ra (Contag). Este acrescentou que a vida dos assentados não é fácil, mas eles não podem ser comparados com favelados, pois, ao se tornarem donos das terras, deixam de depender de programas sociais desde que te­nham acesso à assistência técni­ca e crédito de produção.

A redução do ritmo da desa­propriação de terras para servi­rem de assentamento a sem-ter­ra é óbvia: de acordo com o In­cra, nos dois primeiros anos de governo, o ex-presidente tuca­no Fernando Henrique assen­tou 105 mil famílias. Tendo re­cebido o apoio dos movimen­tos sociais à sua eleição, seu su­cessor, Luiz Inácio Lula da Sil­va, do PT, ultrapassou essa mar­ca, tendo assentado em igual pe­ríodo de gestão 117,5 mil. Até agora, o governo Dilma está mantendo uma média de 22.552 famílias assentadas por ano, mais ou menos um terço da mé­dia dos dois governos anterio­res: 67.588 no primeiro e 76.761 no segundo. Esta queda acom­panhou a diminuição do núme­ro de invasões: em 2012, a Ouvi­doria Agrária Nacional regis­trou 176 invasões de terra no País. Durante os dez anos sob Lula e Dilma, 2.344 proprieda­des rurais foram invadidas, um total inferior às 2.462 nos oito anos da gestão tucana.

Encarregado pela chefe de tratar com os movimentos so­ciais, o ministro Carvalho reco­nheceu o aumento de tensão no setor por causa da redução do índice de assentados na se­gunda metade do segundo go­verno Lula e na primeira do go­verno Dilma. "Há, de fato, uma questão muito séria: nós não po­demos fazer mais assentamen­tos em terras que não têm con­dições de permitir o desenvolvi­mento de uma agricultura que tenha viabilidade naquela re­gião", disse ele. A constatação é confirmada pelo especialista Jo­sé Maria Silveira, da Unicamp. Segundo ele, o governo enfren­ta o problema da valorização da terra, motivada pela rentabilida­de crescente da agricultura. A maioria dos assentamentos fica nas Regiões Norte e Nordeste, onde a má qualidade do solo e do clima dificultam o cultivo. "No Ceará, no lugar de explorar babaçu, assentados cortaram as árvores para vender para cons­trução civil, porque não conse­guiam explorar de forma sus­tentável. Muitos assentados desmatam e criam gado, por­que é mais fácil vender um ani­mal", explicou o professor.

"Só terra não resolve o pro­blema. A desapropriação é um grande passo, mas precisa ser acompanhada de um conjunto de medidas, de infraestrutura e assistência técnica e compra da produção", reclamou Concei­ção, do MST. Ainda que ele te­nha razão, a tarefa de segurar o homem na terra, principalmen­te o jovem, é hercúlea, se não impossível, para o governo en­frentar. No Rio Grande do Sul, onde a terra é mais fértil que no Norte e no Nordeste, o Incra calcula que 70% dos descenden­tes de assentados não ficam no campo. O MST e a Contag exi­gem medidas urgentes para evi­tar o esvaziamento da força de trabalho. Seria remar contra uma maré poderosa: de 2000 a 2010, segundo o IBGE, a popu­lação rural brasileira diminuiu 6% e a urbana cresceu 17%.

O freio determinado por Dil­ma para criar assentamentos, reconhecido pelo ministro Car­valho, obedece à lógica mais ra­cional. Em vez de criar novos assentamentos, é preferível adotar programas de desenvol­vimento agrícola para os exis­tentes e incentivar o agronegócio, que está longe de ser uma "ilusão", como Conceição, do MST, diz que é.

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