segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Como afastar investimentos - CLÁUDIO J. D. SALES

O ESTADO DE S. PAULO - 18/02

Os episódios ao redor do processo de reno­vação de concessões do setor elétrico im­plementado pela Medida Provi­sória (MP) 579/2012 - converti­da na Lei n.° 12.783/2013 - mar­cam o descompasso entre o dis­curso de atrair investimentos no setor e a prática. Foram documentados vários episódios que deram péssimos sinais a quem planeja investir e, principalmen­te, a quem já provou que acredita no Brasil e já investiu bilhões de reais.

Improviso, desrespeito a ri­tuais regulatórios, cálculos e re­gras sem referências técnicas só­lidas e, mais recentemente, con­flitos e contradições dentro do próprio governo federal colo­cam sob suspeita a clareza e a de­terminação do governo em ga­rantir o ambiente para que os in­vestimentos no setor elétrico aconteçam.

E que não paire nenhuma duvi­da: tais investimentos terão de contar com intensa participação privada porque o populismo tari­fário imposto pelo governo às es­tatais sob seu controle asfixiou a capacidade de geração de caixa da Eletrobrás. Para um pais que precisa garantir energia para seu crescimento econômico, é difí­cil entender até quando o setor será vencido por interferências políticas que vêm destruindo a capacidade de investimento das empresas.

Durante anos, o governo disse que a renovação de concessões do setor elétrico não requeria pressa, mas, paradoxalmente, emitiu uma medida provisória elaborada a portas fechadas e sem audiência pública, ritual consagrado no setor elétrico e que tem sido adotado mesmo pa­ra decisões muito menos relevan­tes. Além do diálogo tratorado, prazos irrealistas para a análise dos parlamentares e das empre­sas, 431 emendas a MP 579 no Congresso Nacional (também tratoradas pelos aliados do go­verno) e tarifas definidas com ba­se em notas técnicas que nem se­quer foram aprovadas pela dire­toria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Além do processo impositivo, o conteúdo foi uma demonstra­ção perfeita de como afastar in­vestimentos: tarifas artificial­mente baixas e indenizações que desconsideravam, sem ne­nhuma justificativa técnica, in­vestimentos em melhorias reali­zados após a entrada em opera­ção comercial das usinas hidre­létricas e que não reconheciam investimentos em instalações de transmissão realizados antes de 2000.

O improviso continuou até o final, e apenas em 29 de novem­bro - um dia útil antes do fim do prazo para a assinatura dos aditi­vos contratuais - o governo re­verteu (via nova medida provisó­ria) tais exciusões arbitrárias, e sem sustentação técnica ou eco­nômica. Também admitiu erros em cálculos iniciais e corrigiu (via Portaria Interministerial MME/MF 602) o valor da indeni­zação de diversas hidrelétricas.

Até o último dia o governo pressionou as empresas a aceita­rem os termos propostos, inclu­sive com ameaças do diretor-geral da Aneel - que vestiu sem pu­dores a camisa do governo, es­quecendo-se de que sua função de Estado o obriga a se distanciar de pressões de governo para se blindar de interferências políti­cas - na linha de que empresas que não aceitassem a prorroga­ção antecipada nas condições propostas poderiam vir a ser bar­radas do processo licitatório a ser realizado posteriormente.

Como se os episódios acima não bastassem para revelar o ti­po de vaivém que não pode exis­tir num setor de infraestrutura, agora, e após a assinatura dos adi­tivos dos contratos de conces­são, a insegurança retorna: a Receita Federal tem indicado que pretende tributar as indeniza­ções com a incidência de Impos­to de Renda/Contribuição So­cial sobre o Lucro Líquido (CSLL) e PlS-Cofins, em contra­dição com a prática regulatória e com o que foi acordado com o Ministério de Minas e Energia, pasta que precisa garantir inves­timentos para a expansão da oferta de energia.

Após os desgastantes meses de tramitação da MP 579, as em­presas já se preparavam para um novo ciclo de planejamento cheio de desafios em razão dos abalos na geração de caixa. A ameaça tributária acima - que não foi incorporada as simula­ções feitas para subsidiar a aceita­ção dos termos de renovação - desconfigura o perfil econômico dos contratos, porque as indeni­zações calculadas não considera­ram a incidência de tais tributos.

Se o governo federal insistir nessa tributação, a única forma de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro original é in­crementar as receitas indeniza- tórias para compensar a tributa­ção não prevista inicialmente.

As indenizações representam o pagamento por investimentos passados ainda não integralmen­te remunerados. Se tais indeniza­ções forem tributadas, reduz-se o valor delas, configurando expropriação de investimentos - um sinal nada animador para quem pensa em investir no País. Além disso, a agenda arrecadatória não fazia parte dos objetivos tão propagados pelo governo e pela própria presidente da Repú­blica com a MP 579: baixar tarifas e garantir investimentos, afas­tando o fantasma do raciona­mento de energia.

O governo precisa decidir qual é a sua prioridade: um aumento momentâneo da arrecadação ou a construção de um ambiente ins­titucional capaz de atrair investi­mentos de longo prazo.

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