O GLOBO - 12/01
Fiquei imaginando como seria bom chegar a cada junho, mês em que nasci, com o cabelo caindo, a pele enrugada, mas podendo me refugiar em casa aguardando a muda
Telefonei um dia para Rubem - o Velho Braga, que hoje faria 100 anos - perguntando-lhe por que tinha feito das amendoeiras uma de suas musas inspiradoras, se nem brasileiras elas eram, mas indianas, como eu acabara de saber. Discutia-se então a revelação de que, das 600 mil árvores existentes no Rio, 84% eram de origem exótica, e apenas 16%, nativas. Daí que a Fundação Parques e Jardins, à medida que as estrangeiras fossem morrendo, iria substituí-las por espécimes da Mata Atlântica. Não se tratava de xenofobia, como podia parecer; era para poupar o ecossistema da cidade, que, segundo os técnicos, se ressentia com a invasão estrangeira. O exotismo no caso era nocivo. Eu sabia que o flamboyant tinha vindo da França, que a casuarina era africana e a palmeira imperial, portuguesa, não era verdade? Não, não era. A primeira é oriunda de Madagascar, a segunda da Austrália e a terceira do Caribe.
Rubem Braga não caía nessas pegadinhas. Não usava as plantas apenas para fazer crônicas poéticas. Era amante e grande conhecedor de sua alma e humores. Não é à toa que plantou um dos mais surpreendentes jardins suspensos da cidade que o filho Roberto e a nora Maria do Carmo fazem questão de manter e cuidar até hoje. Sua resposta foi que as amendoeiras eram "árvores desentoadas". Nunca estão de acordo entre si. Não se vestem nem se despem por igual. Eram como a gente: cada uma envelhecia com a idade, conforme o dia de nascimento - com a vantagem de que a cada ano fenecem, mas também renascem.
A partir de então passei a olhar as amendoeiras de minha rua com inveja. Fiquei imaginando como seria bom chegar a cada junho, mês em que nasci, com o cabelo caindo, a pele enrugada, mas podendo me refugiar em casa aguardando a muda. Um ano depois faria minha rentrée triunfal, novinho em folha, pronto para admirar as mulheres que, segundo Rubem, em janeiro, sob a influência do verão, "sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; começam a dizer uma coisa e param no meio, seus olhos brilham devagar, elas ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho".
Meu sonho não seria a imortalidade. Nada de estender a vida, como muitos desejam. Se eu pudesse escolher, eu preferiria esticar a juventude. Que a existência humana continuasse limitada aos 70/80 anos, tudo bem, mas que, durante o tempo de duração, eu pudesse compartilhar com as amendoeiras de minha rua o milagre da renovação - todos os anos.
Telefonei um dia para Rubem - o Velho Braga, que hoje faria 100 anos - perguntando-lhe por que tinha feito das amendoeiras uma de suas musas inspiradoras, se nem brasileiras elas eram, mas indianas, como eu acabara de saber. Discutia-se então a revelação de que, das 600 mil árvores existentes no Rio, 84% eram de origem exótica, e apenas 16%, nativas. Daí que a Fundação Parques e Jardins, à medida que as estrangeiras fossem morrendo, iria substituí-las por espécimes da Mata Atlântica. Não se tratava de xenofobia, como podia parecer; era para poupar o ecossistema da cidade, que, segundo os técnicos, se ressentia com a invasão estrangeira. O exotismo no caso era nocivo. Eu sabia que o flamboyant tinha vindo da França, que a casuarina era africana e a palmeira imperial, portuguesa, não era verdade? Não, não era. A primeira é oriunda de Madagascar, a segunda da Austrália e a terceira do Caribe.
Rubem Braga não caía nessas pegadinhas. Não usava as plantas apenas para fazer crônicas poéticas. Era amante e grande conhecedor de sua alma e humores. Não é à toa que plantou um dos mais surpreendentes jardins suspensos da cidade que o filho Roberto e a nora Maria do Carmo fazem questão de manter e cuidar até hoje. Sua resposta foi que as amendoeiras eram "árvores desentoadas". Nunca estão de acordo entre si. Não se vestem nem se despem por igual. Eram como a gente: cada uma envelhecia com a idade, conforme o dia de nascimento - com a vantagem de que a cada ano fenecem, mas também renascem.
A partir de então passei a olhar as amendoeiras de minha rua com inveja. Fiquei imaginando como seria bom chegar a cada junho, mês em que nasci, com o cabelo caindo, a pele enrugada, mas podendo me refugiar em casa aguardando a muda. Um ano depois faria minha rentrée triunfal, novinho em folha, pronto para admirar as mulheres que, segundo Rubem, em janeiro, sob a influência do verão, "sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; começam a dizer uma coisa e param no meio, seus olhos brilham devagar, elas ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho".
Meu sonho não seria a imortalidade. Nada de estender a vida, como muitos desejam. Se eu pudesse escolher, eu preferiria esticar a juventude. Que a existência humana continuasse limitada aos 70/80 anos, tudo bem, mas que, durante o tempo de duração, eu pudesse compartilhar com as amendoeiras de minha rua o milagre da renovação - todos os anos.
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