REVISTA VEJA
Foi a gota d’água. Levou uma nota zero, uma semana de suspensão, e ficou com a fama, na escola e na família, de achar que tudo está "implícito“. Para piorar, foi forçado a ler em voz alta para a classe a composição do primeiro da classe, um certo Pascoal Palumbo, a qual começava com as seguintes sublimes palavras: "Caro amigo, a você que tem a fortuna de conhecer o idioma de Armínio, já que seu nascimento se deu "ao pé do Quarnaro, que a Itália fecha e seus limites banha", como disse o Divino Poeta que está a cavaleiro de duas eras, se bem que nas veias lhe corra latino sangue gentil; a você, caro amigo, peço vênia se, roubando um pouco de seu tempo, que é tanto mais precioso porque o perder tempo a quem mais sabe mais desgosta, apelo à sua bem conhecida cortesia para um favor de não pequena monta“.
Os anos passam e eis que um dia o antigo aluno rebelde recebe uma carta de Estrasburgo escrita em alemão (a Alsácia, na juventude de Pitigrilli, era alemã). O jeito era pedir a um amigo para traduzi-la. Escreveu-lhe: "Caro amigo, peço-lhe que traduza esta carta. Felicidades”. Arrependeu-se. Voltou- lhe o terror do zero, da suspensão, do xingamento de "respondão”, da fama do "implícito”. Veio-lhe ao mesmo tempo à lembrança a redação de Pascoal Palumbo, que por sorte ainda conservava entre velhos guardados. Copiou todos os seus catorze robustos parágrafos. O segundo dizia: "Esta manhã me achava ainda sonolento, tendo demorado um tanto no rescaldo do tálamo, quando — quem é, quem não é? — toc, toc. toc. bateram à minha porta e me entregaram... adivinha o quê? Uma carta que, pelo selo berlinês, compreendi que vinha da Alemanha”. Seguiam-se alusões a Goethe e Schiller, mais Dante e Shakespeare, reminiscências da vida de Catão. Sócrates e Plutarco, uma citação em latim (“Nil volentibus arduum”), e promessas de no futuro aprender alemão e "compreender também as belezas dos monumentos literários dessa nação tão culta, sem no entanto descurar da Itália, que. como cultura, a ninguém se pospõe".
Passam-se os dias, e nenhuma resposta. Que teria havido? O missivista resolve ir em pessoa ao escritório do amigo, onde fica então sabendo do ocorrido. O amigo pegou a carta, leu algumas linhas do princípio, pulou para o fim, voltou para o meio, perguntou-se, "Que diz ele? Que quer?”, e afinal a jogou ao lixo. Quando soube, agora de viva voz, o que ao fim e ao cabo ela continha, disse: "Mas era tão simples. Por que não escreveu: ‘Caro amigo, peço que traduza esta carta em italiano“?”
Já se adivinha a moral desta história. Os ministros do Supremo Tribunal estão há mais de três meses julgando o processo do mensalão. O caso é complexo e os réus são muitos, mas a demora também se deve aos votos longuíssimos, tantas vezes repetitivos, outras inchados de erudição e de retórica. O novo presidente, Joaquim Barbosa, provou ser homem destemido: que tal encarar a causa do voto enxuto e direto? O coabitante deste espaço, J.R. Guzzo, propôs na semana passada que os ministros falassem o português corrente no Brasil. Se além disso o fizessem de maneira concisa o lucro seria em dobro. O ministro Joaquim Barbosa terá uma passagem inesquecível pela presidência da Corte se, dada a máxima vênia aceitar o duplo desafio que, unida, esta página, com a humildade devida, mas também com os melhores sentimentos, lhe propõe.
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