segunda-feira, novembro 26, 2012

A concessão é pública, e não política - ADRIANO PIRES


O ESTADÃO - 26/11


O governo precisa, com urgência, entender que as concessões ligadas a serviços de infraestrutura são públicas, e não políticas. Nossas autoridades governamentais não têm tido esse entendimento e, com isso, aumenta o risco regulatório, os melhores investidores privados são afastados e se perpetuam no País serviços de infraestrutura de baixa qualidade, comprometendo a competitividade dos produtos brasileiros e penalizando toda a sociedade.

Os exemplos estão presentes nos diferentes setores da infraestrutura e isso é muito grave no momento em que o governo anuncia pacotes para concessão de ferrovias, rodovias e aeroportos e quando o País está diante de dois grandes eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada.

No setor de petróleo, depois do anúncio da descoberta do pré-sal, o governo resolveu que o modelo de concessão não atendia mais à nova realidade do setor. Diante disso, em 2010, o Congresso Nacional aprovou o modelo de partilha e o setor de petróleo passou, então, a conviver com dois modelos jurídicos. O problema é que a verdadeira razão de implantar o modelo de partilha não foi pelo critério técnico, e, sim, pelo político.

O modelo da concessão cumpriu o seu papel, atraindo um grande número de empresas privadas para os leilões de blocos de petróleo, e tinha totais condições de atender ao pré-sal. Na realidade, o pré-sal constituiu-se no elemento de que o governo precisava para fechar o mercado brasileiro, voltando a se utilizar da bandeira O Petróleo é Nosso e, com isso, politizando as decisões do setor.

Desde o anúncio da descoberta do pré-sal não se realizam leilões de petróleo no Brasil e a Petrobrás passou a ter um tratamento privilegiado, tendo 30% do "capex" (investimento) de todos os campos que vierem a ser leiloados no modelo da partilha e o monopólio na operação desses campos. Com isso, o Brasil deixou de ser uma rota dos grandes investimentos das principais empresas petrolíferas do mundo. Em 2012, as chamadas empresas majors do petróleo (ExxonMobil, Shell, Chevron, BP, Total e Conoco) deverão investir algo em torno de US$ 100 bilhões, e quase nada desse valor no mercado brasileiro.

O pré-sal, que poderia ter colocado o País na posição de grande receptor de investimentos da indústria do petróleo, gerando empregos, beneficiando a indústria local e a própria Petrobrás, até agora foi muito mais uma maldição do que uma benesse, em particular para a Petrobrás.

No setor de energia elétrica, a Medida Provisória (MP) 579 pode ser considerada a terceira mudança no marco regulatório do setor elétrico desde 1995, o que, por si só, já introduz um elevado nível de incertezas para os agentes do setor. A medida, anunciada de forma autoritária e unilateral, condicionou a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia ao aceite de condições impostas pelo Ministério de Minas e Energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sem que houvesse qualquer tipo de discussão prévia. Com isso, foram definidas tarifas e indenizações por ativos amortizados muito aquém do esperado pelo mercado, causando enormes perdas nos valores das empresas e proporcionando grandes prejuízos aos acionistas. Antes mesmo que o Congresso decida se vai promover alguma alteração na MP 579, o governo quer que as empresas se manifestem se vão ou não aderir à sua proposta.

Esse açodamento do governo, aliado ao fato de que aceitar a proposta de antecipar a concessão de 2015 para 2013 significará enormes perdas para os acionistas, está fazendo com que a maioria das empresas não concorde com a renovação, em mais uma demonstração de que os critérios utilizados não foram razoáveis. A forma atabalhoada da condução do processo poderá levar a inúmeras disputas judiciais, uma vez que, além da insatisfação com as indenizações e tarifas, algumas empresas, como a Cemig, alegam que têm usinas que teriam direito a mais uma renovação.

Os desmandos do governo federal tanto no setor de petróleo quanto no setor elétrico mostram que nossas autoridades governamentais não entendem, ou não querem entender, que a concessão é pública, e não política. Não por coincidência, as mudanças no marco regulatório do setor de petróleo e do setor elétrico foram anunciadas em anos eleitorais, às vésperas do pleito. Esse tipo de postura do governo acaba sendo interpretado pelo mercado e pelos investidores como uma volta a um modelo mais estatizante, remetendo a comparações com o que atualmente ocorre na Argentina.

Ao logo da década de 1990, o Brasil foi muitas vezes comparado à Argentina. Havia o chamado "efeito Orloff", baseado na propaganda de uma bebida que dizia "eu sou você amanhã", ou seja, o Brasil acabava por trilhar os caminhos da Argentina. O "efeito Orloff" desapareceu, uma vez que o Brasil passou a ter uma política econômica que ganhou a confiabilidade dos investidores, oferecendo estabilidade jurídica, regulatória e respeitando as regras de mercado. Se começarmos a abrir mão do tripé segurança jurídica, estabilidade regulatória e respeito às regras de mercado, corremos o risco de voltarmos a ser a Argentina amanhã.


2 comentários:

L. F. Bensimon disse...

Excelente o artigo publicado por Adriano Pires no Estadão.

Comecei minha carreira na indústria do petróleo em 1980, na Petrobras; tive o privilegio de ser um dos precursores da indústria offshore no Brasil e da chamada tecnologia de ponta de “aguas profundas”. Imigrei para os EUA há mais de 20 anos, mas sempre me mantive atualizado sobre a indústria Brasileira e, inclusive, estive a trabalho no Brasil para algumas das IOCs inúmeras vezes ao longo desses anos.

Nos anos de 2005/06, em particular, estive no Brasil pela Kerr-McGee/Anadarko para o desenvolvimento do campo de Peregrino, juntamente com a Statoil. Nessa época era visível o desenvolvimento incrível ocorrido na indústria de petróleo no Brasil desde a criação da Lei do Petróleo em 98. A pujança e sinergia da indústria eram notáveis. Praticamente todas as empresas de serviço internacionais estavam presentes no país, sobretudo em Macaé. Organizações de classe, como a ONIP, por exemplo, e o IBP, haviam implementado programas sérios e exemplares de treinamento e capacitação da indústria nacional para atender a demanda crescente das empresas estrangeiras que corriam em massa para o Brasil. Eu particularmente tive o privilegio de participar diretamente de alguns desses programas. O ambiente na indústria era positivo, empreendedor e cooperativo, mesmo entre as ditas operadoras estrangeiras. Em termos de dinamismo da indústria, trabalhar na indústria do petróleo no Brasil, na época, era como estar em Houston, nos EUA; em Aberdeen, na Escócia; ou em Stavanger, na Noruega.

A finais de 97, 443,840Km2 de áreas exploratórias haviam sido concedidas a 141 operadoras, gerando uma receita direta para o pais de R$3.84 bilhões somente em bônus pagos a ANP, sem contar o investimento feito por essas empresas na exploração e desenvolvimentos dessas áreas. A produção de petróleo do país passou de 307.000bpd em finais de 1997, para 660.000bpd em 2009. O sucesso do processo licitatório brasileiro estava devidamente atestado.

Infelizmente, com diz a cultura popular, “não tem mal que dure para sempre nem bem que nunca se acabe”, com a suspenção da oitava rodada de licitações pela ANP e posterior confisco pelo governo Brasileiro dos blocos legalmente obtidos pelas operadoras estrangeiras, esse dinamismo cessou. Pior ainda, as mudanças grotescas e mal enjambradas feitas pelo governo Lula na Lei do Petróleo no final do seu governo; e todo o processo casuístico, arbitrário e flagrantemente inconstitucional engendrado pelo governo para a dita “capitalização” da Petrobras, transformaram um ambiente progressista, e empreendedor em um ambiente de instabilidade jurídica e institucional a exemplo do que já vinha acontecendo na Venezuela, de Chaves, na Bolívia, de Morales, no Equador, de Correa, e na Argentina, dos Kirchner.

Hoje, com o clima de incertezas que paira sobre a indústria do petróleo no Brasil, e depois de seis longos anos sem a realização de uma rodada licitatória, a atenção das empresas estrangeiras se tem voltado a outros países, sobretudo na África, Ásia e até mesmo na América do Norte. Em artigo publicado no ultimo dia 12, a empresa de noticias Reuters, de Londres, afirma que, depois do acidente com o poço da BP no Golfo do México, em 2010, a indústria de petróleo americana voltou a crescer a passos largos e que os Estados Unidos devem ultrapassar a Arábia Saudita como o maior produtor de petróleo do mundo antes mesmo de 2020. Curiosamente, em Agosto deste ano, o “Bureau of Energy Management” dos Estados Unidos, publicou um calendário antecipando os períodos quando serão realizadas as próximas 15 rodadas licitatórias de blocos exploratórios, somente no Golfo do México, e somente entre os anos de 2012 e 2017 (uma média de três rodadas por ano). Por ai, quem sabe, se possa avaliar os efeitos de uma política bem estruturada e progressista em comparação com uma retrógrada e arbitraria.

L. F. Bensimon disse...

*Errata: No terceiro paragrafo do meu comentario acima, leia-se por favor "A finais de 2007..." e nao "A finais de 97..."