terça-feira, novembro 13, 2012

Povos indígenas e o setor elétrico - CLÁUDIO J. D. SALES

O ESTADÃO - 13/11


O Brasil tem nos rios sua principal fonte de geração de energia elétrica. De todo o potencial hidrelétrico brasileiro, de 250 mil MW de potência, 30% foram aproveitados. O maior potencial disponível está na bacia do Rio Amazonas (100 mil MW), do qual 17% já foram explorados. No entanto, explorar o potencial hidrelétrico da bacia do Amazonas representará um grande desafio, porque metade dos aproveitamentos potenciais interfere em unidades de conservação ou terras indígenas. No Brasil existem 505 terras indígenas, que cobrem uma extensão de 106,7 milhões de hectares e representam 12,5% do território nacional. Nessas terras, cuja maior parte se encontra na Amazônia Legal, vivem 58% da população indígena. Estamos falando de uma população de 897 mil pessoas, divididas entre 305 povos que falam 274 línguas diferentes. Dos 19.673 MW de potência adicional de energia elétrica previstos no Plano Decenal de Energia para serem viabilizados no período 2017-2021, 16.089 MW(82%) interferem em terras indígenas. Isso mostra a complexidade de explorar o potencial hidráulico na Amazônia, tendo em vista a falta de definições e a pouca experiência sobre este tema no Brasil.

Portanto, o planejamento e a construção de hidrelétricas precisarão incorporar a avaliação das interferências de tais usinas em terras indígenas e propor alternativas para reduzir esse impacto. A Constituição brasileira de 1988 prevê que o aproveitamento dos potenciais hidráulicos em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas. Passados 24 anos, o Congresso não regulamentou o artigo 231 da Constituição, que define essa necessidade. Esta regulamentação deverá estabelecer quando, como e quem deverá ser ouvido no processo de consulta. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, define alguns critérios para a consulta aos povos indígenas, mas ainda está longe de estabelecer como ela deverá ser feita. Assim, a atual falta de regulamentação do artigo 231 da Constituição provoca insegurança jurídica tanto para os povos indígenas quanto para os empreendedores que desenvolverão o projeto.

Não fica claro como deve ser feita a consulta, em que momento e para quais povos indígenas, abrindo, desta forma, uma possibilidade para o Ministério Pú-blico contestar de forma subjetiva a regularidade do processo de licenciamento ambiental. Como não há regulamentação objetiva sobre as regras, as audiências públicas dos empreendimentos realizadas por ocasião do licenciamento ambiental são questionadas. Só para ficar no exemplo mais recente, o Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal de Santarém que suspenda o licenciamento ambiental das usinas do Rio Tapajós, alegando a falta de consulta aos povos indígenas. Para reduzir a insegurança jurídica e o risco na implantação de boa parte dos projetos hidrelétricos que sustentarão o crescimento do Brasil, é necessária a regulamentação imediata do artigo 231 da Constituição.

Ela deve definir como serão ouvidas as comunidades afetadas, em que fase do projeto a consulta será realizada e quais serão os critérios objetivos para estabelecer quais povos indígenas devem participar dessa consulta. Além disso, é fundamental discutir a redistribuição dos recursos da Compensação Financeira por Uso do Recurso Hídrico (CFURH), passando parte da receita de Estados e municípios para os povos indígenas na região dos empreendimentos hidrelétricos e definindo programas de saúde, educação e geração de renda onde esses recursos devem ser aplicados para melhorar a condição de vida desses povos e evitar o desvio de recursos para outras finalidades. Manter uma relação aberta e transparente entre o setor elétrico e os povos indígenas é essencial para que se garanta a expansão do setor sem incertezas no processo e com a melhoria da qualidade social e ambiental.

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