O GLOBO - 13/11
Negar a realidade, perseguir a imprensa, maquiar índices oficiais e não dar a devida importância ao maior protesto popular no país são atitudes típicas do kirchnerismo
O kirchnerismo transformou a verdade oficial na única possível na Argentina. Se os fatos a contrariam, pior para os fatos. E pior para a imprensa profissional que quiser noticiá-los de forma independente. É o que explica a pressão crescente da Casa Rosada contra veículos como “El Clarín”, “La Nación” e “Perfil”. Enquanto isso, os meios que trabalham para a máquina de propaganda kirchnerista recebem milhões de dólares para sustentar a verdade oficial.
Mas, até a verdade oficial, se for inconveniente, é revogada. É o caso do índice de inflação. Como ele subisse mais do que gostaria o governo, este quebrou o termômetro: interveio no Indec, que passou a publicar um índice falso, na faixa dos 10% ao ano, que gera distorções na economia, pois a real ultrapassou os 20%. O FMI revisará em dezembro o caso argentino e pode adotar medidas contra a maquiagem do índice de inflação.
Outra atitude típica da presidente Cristina Kirchner é uma postura autista, tipo “aquí no ha pasado nada”, mesmo diante dos maiores protestos contra o governo desde 2003, os da última quinta em Buenos Aires e em várias das grandes cidades do país. Os participantes do cacerolazo denunciaram a insegurança e a violência, a inflação maquiada, a soberba ante as críticas e o projeto de aliados de reformar a Constituição para abrir caminho à segunda reeleição consecutiva de Cristina.
Ela não se referiu diretamente ao protesto. Falou de um “formidável aparato cultural” que “se estendeu e atuou sobre todos os argentinos para que tivessem ideias distorcidas sobre o país”. Ou seja, disse que todos os que participaram do cacerolazo estavam errados. A exemplo da manifestação anterior, de 13 de setembro, a maioria dos que saíram às ruas na semana passada era de classe média. Mas ela perde apoio em amplas fatias da população. Reeleita em 2011 com 54% dos votos, a viúva de Néstor Kirchner tem aprovação hoje de 30,6%, sendo desaprovada por 60,6%, segundo pesquisa da consultoria Management and Fit.
Enquanto o povo sai às ruas para criticar a incompetência do governo, intelectuais se mobilizam para defender a liberdade de expressão. Na semana passada, cerca de 500 intelectuais argentinos repudiaram “às pressões do governo Kirchner sobre a Justiça” para que aplique contra o Grupo Clarín dispositivos da Lei de Meios que limitam o alcance de grandes grupos de comunicação. Registre-se que o Judiciário argentino é paulatinamente enfraquecido pelo Executivo, numa reprodução do que ocorre em países bolivarianos, como a Venezuela.
Já o Foro Iberoamérica, fundado pelo escritor mexicano Carlos Fuentes e formado por intelectuais, jornalistas e empresários, manifestou sua preocupação diante do “sistemático plano de perseguição” do governo argentino contra donos de meios de comunicação e jornalistas independentes, em geral, e contra os grupos Clarín e La Nación, em particular. Mas a Casa Rosada está em outro mundo.
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