FOLHA DE SP - 12/11
Para alguns países, a recuperação pode ser dolorosa
Há poucos meses, a crise do euro estava nas manchetes. Temia-se que a moeda única fosse desmoronar, que o sul da Europa quebrasse por ser incapaz de contrair empréstimos a juros razoáveis, que houvesse uma recessão mundial.
Agora, num grau surpreendente, parece haver a percepção de que a situação europeia está controlada. Isso é verdade se a única preocupação for com o pagamento das dívidas. Mas é falso se você adotar uma perspectiva mais ampla.
O Banco Central Europeu tem poderes para emitir dinheiro, e foi isso que ele afinal fez. Mas, na verdade, a questão era -e continua sendo- se os países periféricos podem se transformar em economias de sucesso permanecendo na zona do euro.
"As ações do BCE e de outros formuladores de políticas na Europa tiveram, em geral, o efeito de preencher grandes lacunas financeiras no financiamento soberano e na banca da periferia", escreveu recentemente Bob Prince, da Bridgewater Associates. "Mas essas ações fizeram relativamente pouco para resolver os desequilíbrios competitivos entre essas economias."
Os bancos hesitam em conceder empréstimos.
O relatório do BCE sobre o crédito, em setembro, mostrou um declínio recorde de 1,4% em relação ao ano anterior nos empréstimos com saldo devedor entre empresas privadas e indivíduos na zona do euro.
Se os países periféricos simplesmente tivessem câmbio fixo, em vez de uma moeda comum, eles poderiam ter desvalorizado sua moeda há muito tempo, a receita normal para países em apuros financeiros. Junte-se a isso medidas de austeridade, e a recuperação pode ser surpreendentemente rápida, já que as exportações disparam, e as importações despencam.
Tal qual está, o processo certamente será longo, doloroso e sem garantia de sucesso.
"A União Europeia tem capacidade para colocar suas coisas em ordem, se tiver a determinação política para tal", disse Richard Lambert, chanceler da universidade britânica Warwick, ex-editor do "Financial Times" e ex-diretor do Banco Central, num recente discurso na Universidade de Nova York. "Essa é uma crise que tem a ver com os desequilíbrios econômicos dentro da zona do euro, mais do que com as falhas geológicas em relação ao resto do mundo."
Eis um ponto que vale a pena recordar. A zona do euro como um todo tem deficits inferiores aos dos EUA. Se ela fosse um só país, poderia haver reportagens sobre regiões deprimidas, mas não se falaria em colapso.
Mas ela não é um país. A união política não vai ocorrer. Tampouco haverá facilidade de movimentação de trabalhadores pela Europa.
A Irlanda costuma ser retratada como a história de sucesso da periferia, o que, de certa forma, ela é mesmo. Os custos trabalhistas caíram, e o país parece mais preparado para competir no mercado mundial. A Irlanda fez isso com deflação, cortando salários nos setores públicos e privados, reduzindo os benefícios para os desempregados e elevando a idade de aposentadoria. Seu setor exportador está crescendo e -algo raro na periferia- suas importações também.
Esses sacrifícios foram o preço de uma bolha imobiliária que devastou os bancos do país e depois o governo, quando este tentou amparar os bancos.
Uma razão que deixa os americanos dúbios sobre a perspectiva de sobrevivência do euro é que é difícil imaginarmos alguém aceitando esse remédio quando a simples adoção de uma nova moeda (a ser rapidamente desvalorizada) parece tão menos dolorosa.
Mas o euro nunca foi uma criação primordialmente econômica. As razões políticas para unir a Europa foram (e são) mais importantes. A Grécia, que parece atravessar uma infindável depressão, ainda demonstra forte apoio ao euro. O mesmo vale para as pesquisas na Finlândia, que ficou insatisfeita por precisar apoiar a periferia.
Se os países periféricos permanecerem no euro, eles precisarão de certa maneira alinhar seus custos trabalhistas aos da Alemanha.
Não foram só os países periféricos que tiveram inflação e aumentos dos custos trabalhistas superiores aos da Alemanha na última década, causando um problema de competitividade. Isso vale também para Itália e França. Lambert argumenta que a questão mais importante enfrentada pela Europa é se a França vai domar seu problema de competitividade.
Além disso, a inflação alemã seria um efeito colateral benéfico do fato de as prensas do BCE rodarem a todo vapor.
Em longo prazo, se as economias periféricas não se tornarem competitivas em relação às dos vizinhos, o resultado será, nas palavras de Lambert, "a divisão permanente da Europa em nações credoras e devedoras, com os credores ditando os termos". Isso, diz ele, "não seria politicamente sustentável ao longo do tempo".
A zona do euro não está prestes a desmoronar, mas não está claro se poderá se sustentar a longo prazo.
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