Fã de Guns N'Roses e Pink Floyd, o padre Reginaldo Manzotti, que já cantou com o grupo Exaltasamba, lota missas em SP e diz que quase largou o seminário por uma grande paixão
Cerca de 2.000 pessoas lotam o Santuário São Judas Tadeu, no bairro do Jabaquara, em São Paulo, em uma missa numa sexta à noite. Bancos e corredores estão ocupados enquanto um sacerdote paranaense, de uma paróquia de Curitiba, conduz a celebração.
Na trilha dos padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti, 43, é cantor e já vendeu mais de 800 mil cópias de sete CDs e dois DVDs. Gravou o terceiro no mês passado, na igreja da Candelária, no Rio. Vendeu também 800 mil exemplares dos seis livros que escreveu. Seus discos são distribuídos pela Som Livre, braço musical da Globo, o que lhe garante espaço nos intervalos comerciais da rede. Ele cantou ainda com o grupo de pagode Exaltasamba no DVD de 20 anos da banda.
Uma vez por mês, o padre desembarca na capital paulista para celebrar missa na igreja de São Judas. Ele dirige duas rádios e duas emissoras de televisão no Paraná e apresenta programas retransmitidos para todo o país. Em São Paulo, está no ar em dois canais abertos: Gazeta e RedeTV!. A primeira exibe sua atração, "Sinais do Sagrado", no início da madrugada, horário tradicionalmente ocupado por igrejas evangélicas. "Eu tenho sérios problemas com uma teologia barata, pregações equivocadas e um curandeirismo que está havendo", diz ao repórter Diógenes Campanha.
"Você não pode educar com uma fé superficial. Porque o capeta tá ganhando espaço." É uma crítica aos pregadores que culpam o demônio pelos insucessos dos fiéis e à transmissão de exorcismos por pastores na TV. "Tudo é o capeta. E a cruz do redentor, não tem força?"
Alguns fiéis exibem, na missa, camisetas com a foto do padre. "Eu era eminentemente contra isso. Mandava recolher." Mudou de ideia após conversar com um teólogo "muito inteligente".
"Ele me disse: 'Já parou pra pensar que o M antes era Maria e agora é McDonald's?. É a inversão dos símbolos. Louve a Deus que tem uma camiseta com a foto de um padre e não um dragão, uma banda de rock aloprada'." O padre faz uma ressalva ao relembrar a história: "Apesar de eu não ser contra o rock. Gosto de Guns N'Roses, de Pink Floyd". Ganha um DVD do Guns de Gabriel Araujo, 12, que auxilia na organização da missa em São Judas.
"Você vai ser padre?", pergunta Manzotti ao garoto. "Se Deus quiser", responde o menino, que diz ajudar também nas celebrações do padre Marcelo Rossi. "Não sai do caminho e se cuida, caboclo." A idade de Gabriel é a mesma que Manzotti tinha quando entrou para o seminário. Nascido em Paraíso do Norte, noroeste do Paraná, caçula dos seis filhos de um comerciário que beneficiava arroz e soja e de uma dona de casa, ele diz que teve "o estalo" influenciado por "um padre que me marcou muito" e por ter estudado em um colégio de freiras vicentinas.
No seminário, trocou as "regalias" de casa por um regime disciplinado estabelecido por padres alemães. Andava um quilômetro para ir à escola, só podia assistir ao "Jornal Nacional" e tinha que fazer anotações em uma caderneta para comentar as notícias. E enfrentou a chegada da puberdade.
"Claro que entrei em crise, porque você vive o despertar da sua sexualidade. De repente, começa a pensar: 'Será que eu não quero casar?'. Crises sérias foram três." Uma delas, já em Curitiba, para onde se mudou para cursar filosofia, antes de se ordenar padre. "Tive uma grande paixão, avassaladora, a ponto de eu pensar em sair do seminário. Mas não daria frutos, e depois a gente entrou num consenso." Diz que não chegaram sequer a namorar. "Não no conceito que você tem de namoro. No coração, era; mas efetivamente, não."
O padre diz que a sexualidade faz parte do sacerdócio. "A igreja, inclusive, não aceita ninguém assexuado. O importante é como você canaliza, lida com a sexualidade." Conta que evita ter "amizade muito estreita" com mulheres e que só visita casais se os dois estiverem em casa.
"Você olha uma mulher, acha bonito. Oxe, Deus deu os olhos pra quê? Viu? Tá. Mas entre você achar bonita e pedir o telefone, passar mensagens, descobrir o e-mail... Aí já é alimentar fantasias, emoções que vão te tirar do caminho."
Antes da missa em São Judas, uma assessora tira da mala a bagagem do sacerdote: um terço, a Bíblia, os trajes para a celebração e uma toalha branca com o nome "pe. Reginaldo" bordado.
Quando celebra missas país afora, ele normalmente não leva banda, apenas sua assessoria de imprensa. "Sempre viajo com dois: um homem e uma mulher." Questionado sobre o motivo, devolve: "Por quê? Por quê?". O repórter pergunta se é porque "as pessoas falam" e ele assente com a cabeça.
O padre não vê relação entre o celibato e a existência de homossexuais nos quadros da igreja. "Se fosse assim, a igreja seria a única entidade que teria homossexuais, e sabemos que não é. No seminário se cuida muito para que o celibato não seja um lugar de fuga para a homossexualidade. A igreja é cada vez mais rigorosa com isso."
Considera a homossexualidade um tema "em aberto" e "delicado". "Eu acredito que não é um assunto em que você possa dizer 'estão todos condenados, vão todos pro inferno'. Acho que vamos ter muitas surpresas no céu." E compara a questão a um pêndulo. "Da repressão, estamos indo para o outro extremo, uma liberalidade. Eles mesmos [os gays] estão se dando conta de que há exageros, não precisa ser assim. Acredito que vamos caminhar para um equilíbrio."
Nenhum comentário:
Postar um comentário