REVISTA VEJA
A maioria dessa publicidade, para não dizer toda, trata o contribuinte como um perfeito bobo alegre, pronto a acreditar em qualquer coisa que lhe dizem. Ainda recentemente, em São Paulo, o cidadão podia ver na TV, pago com o seu dinheiro, um anúncio do governo do estado que começava com a imagem de uma vaca, filmada de ré; a câmera se deslocava, então, para mostrar o que deveria ser uma rija lavradora, entregue à sua labuta de tirar, às 5 da manhã, o leite nosso de todo dia. Mas o que aparece é uma graça de garota, com umas botas de cano alto que poderiam ter saído de uma loja Hermes, jeans de grife e sob a luz do meio-dia, com as mãos a distância segurando as tetas do bicho. Ela diz, aí, que sua grande alegria na vida é saber que o leite tirado com o seu trabalho é distribuído pelo governo para crianças pobres etc. A única coisa real, no anúncio todo, é a vaca. Não há inocente aqui; todos os políticos, sem nenhuma exceção, fazem o mesmo quando estão no governo. Nesse assunto, ninguém critica ninguém, no conforto geral de saber que delitos coletivos nunca são realmente condenados. É assim que permanece viva, cada vez mais, a publicidade oficial — uma aberração só vista no Brasil. Dá para imaginar o governo da Itália, por exemplo, gastando fortunas na mídia para dizer "Itália — um país para todos"? Ou algo assim: "Prefeitura de Londres — antes não tinha, agora tem"? Não dá. O funcionário que sugerisse uma coisa dessas seria provavelmente encaminhado a uma instituição psiquiátrica.
Neste momento, com a campanha eleitoral, a coisa pega fogo. No ano passado, só o governo federal gastou mais de 3 bilhões de reais em "comunicação", entre publicidade e patrocínios. Juntando a isso estados e prefeituras, o volume de gastos entra em mares nunca dantes navegados. Os políticos alegam que é pouco, diante do total de quase 90 bilhões aplicados no mercado publicitário brasileiro em 2011. Pode ser, mas o dinheiro não é deles — é do cidadão, e está sendo jogado no lixo para pagar os elogios que fazem a si próprios. Sua desculpa é que os governantes têm o dever de "informar a população" e "prestar contas" de como estão aplicando o orçamento. É uma piada. Não informam coisa nenhuma, e, na hora de prestar contas de verdade, fazem justamente o contrário: desligam a chave geral para deixar tudo o mais escuro possível.
Os órgãos de comunicação, sem dúvida, se beneficiam da publicidade oficial; nenhum deles é uma santa casa de misericórdia, e todos têm de pagar suas despesas. Mas a imprensa de verdade vive do apoio do seu público e dos anúncios privados que ele atrai, e não de verbas publicitárias do governo. Seu único mandamento, nessa história toda, é manter a própria independência. E os que não mantiverem? Problema deles. Veículos que, em troca de anúncios, só publicam o que interessa ao governo, e escondem tudo o que não interessa, têm de resolver isso com os seus leitores, ouvintes e espectadores; se eles desconfiarem que estão sendo enganados, podem ir embora. O certo, no fim de todas as contas, é que o governo não deveria pagar um único tostão para a mídia publicar sua propaganda. Eis aí mais uma coisa que nos separa, por exemplo, de um país como a Alemanha, onde publicidade oficial não existe. É que a Alemanha, coitada, é apenas a Alemanha. Já o Brasil é o Brasil — aqui há dinheiro de sobra para o governo jogar pela janela. Somos um país onde a população é riquíssima.
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