VALOR ECONÔMICO - 25/06
A crise no Paraguai deu nova dimensão à reunião de cúpula do combalido Mercosul, no próximo fim de semana. Há poucos dias, era a China que prometia ser a grande novidade no encontro, por ter apresentado uma proposta - convenientemente mantida sob sigilo, até agora - de acordo de livre comércio com o bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Curiosamente, a Argentina insistiu para levar a proposta da China à cúpula, talvez pela falta de agenda que justifique o encontro de presidentes.
Com a crise no Paraguai, é a reação dos governos do Cone Sul à situação do país vizinho, a ser tomada nesta semana, que dominará o encontro. Embora o governo brasileiro insista que o que está em jogo não é a blindagem do mandato do presidente paraguaio, mas a defesa de processos democráticos na sucessão de poder entre os países do continente, a confirmação da saída de Fernando Lugo, decidida pelo Senado, priva o Brasil de uma peça importante no jogo geopolítico regional.
Lugo, um bispo afastado da Igreja Católica com incontrolável compulsão aos pecados da carne (são pelo menos dois os filhos reconhecidos na Justiça), é, porém, até prova em contrário, honesto em matéria de dinheiro, coisa rara pelas redondezas. Realizou também uma gestão responsável no governo e, mais importante, o Brasil contava com Lugo como aliado nas disputas dentro da Unasul - em matéria de finanças e decisões nos órgãos multilaterais.
Confusão paraguaia salva a reunião do bloco da quase irrelevância
Pertencente ao grupo mais à esquerda (com Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e, agora, Peru), o paraguaio deposto muitas vezes fortalecia posições mais moderadas em matéria econômica, do Brasil e dos governos conservadores do Chile e da Colômbia.
A ascensão ao poder do vice-presidente liberal Frederico Franco cria enorme mal-estar, já que seria ele, teoricamente, a representar o Paraguai na cúpula dos chefes de Estado, em Mendoza.
De forma bizarra, a confusão paraguaia salva a reunião do Mercosul da quase irrelevância. Nos últimos meses, os argentinos tentavam apontar alguma medida de destaque para marcar a reunião do Mercosul sob a presidência do país. A Argentina mudou toda a representação do país no Mercosul para ajustá-la ao mergulho protecionista pilotado pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, e abandonou qualquer ação de fortalecimento do bloco nos últimos meses. Não tinha muito o que levar a Mendoza nesta semana.
Contra a resistência do governo brasileiro, os argentinos insistiram em incluir na agenda da cúpula o acordo proposto pelos chineses, que sugere medidas capazes de conduzir a um acordo de livre comércio com o bloco. O Brasil, que, durante a Rio+20, anunciou um importante acordo com os chineses para fortalecer mutuamente as respectivas reservas em moeda estrangeira, trabalhou nos bastidores para esvaziar a proposta para o Mercosul, na correta avaliação de que nem a Argentina tem interesse em facilitar agora a entrada de mercadorias chinesas na região, nem aceitaria as condições que a China costuma incluir em projetos de investimento como os previstos no documento entregue ao bloco.
"Inconveniente" foi como uma autoridade brasileira classificou, em conversa reservada, o acordo proposto pela China. Há interesse pela aproximação com os chineses, forte até, mas em tratativas bilaterais, ou em outras esferas, como no acordo dos Brics (Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul) para reforço mútuo de reservas internacionais, alardeado durante a reunião do G-20, no México, e complementado pelo anúncio, na Rio+20, de acordo entre brasileiros e chineses para permitir uso compartilhado das respectivas reservas em moeda estrangeira, contra emergências.
Paraguai e Uruguai animaram-se com a perspectiva de abrir-se aos chineses, fazendo lembrar os tempos em que os dois sócios menores do Mercosul excitavam-se com a perspectiva de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, na Área de Livre Comércio das Américas.
A discussão sobre China no Mercosul serve para mostrar que, mesmo desacreditado, o bloco entra no cálculo estratégico de atores importantes, ainda que nem sempre da maneira como desejaria o governo brasileiro.
Será, por todos os motivos, inédita essa próxima reunião do Mercosul, que também receberá uma Dilma Rousseff aparentemente mais empolgada com o papel de estadista internacional. Dilma vem de uma semana em que patrocinou uma instantânea reunião da Unasul contra a crise no Paraguai; forçou, com palavras duras, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, a retratar-se de críticas que havia feito ao documento final da Rio+20; fechou acordo financeiro com China; e até quis enquadrar uma ministra da Dinamarca, com quem se desentendeu na conferência do Rio. Parece estar tomando mais gosto pela política externa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário