O GLOBO - 11/04/12
Recente declaração do ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, dimensiona a exata medida da importância da sessão de hoje na Corte, quando deverá ser julgada, espera-se que em definitivo, a ação em que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pede a legalização do aborto no caso de fetos sem cérebro. Britto, que no próximo dia 19 assume a presidência do STF, observou que o país tinha um encontro marcado com a questão e que o processo "é um divisor de águas no plano da opinião pública, repercute muito no campo da religiosidade, da saúde pública, enfim, é um tema grandioso pelo seu impacto até no modo de conceber a própria vida, a própria sociedade".
Este é o espírito, portanto, com que o plenário da Corte votará o mérito da ação da CNTS - o ânimo de que a sessão de logo mais será a oportunidade de o país superar um histórico impasse: é aceitável, à luz da dignidade humana e do direito inalienável de não submeter a própria vida a riscos, que a mulher, grávida de uma concepção impossível, seja obrigada a carregar no útero um feto que morrerá quase imediatamente após ter sido dado à luz?
Visto pelo viés da ciência, é um falso dilema: a medicina já provou à exaustão que a anencefalia (má-formação do cérebro na gravidez) é incurável, e que são nulas as chances de uma criança assim gerada sobreviver ao parto - isso, quando, como ocorre em não poucos casos, o feto não morre no próprio útero, com evidentes riscos para a saúde da mãe. Ocorre que não se trata de um tema sobre o qual recaia a unanimidade. Há questões, levantadas fora do âmbito da ciência, que conferem ao debate um tom previsivelmente apaixonado, notadamente em função de alegações contra esse tipo de aborto fundadas nos campos da religiosidade, da ética e da moral.
São argumentos advindos de setores que lutam por seus pontos de vista, mas que não podem se sobrepor a dois princípios - o da laicidade do Estado e da comprovação científica da impossibilidade de um feto sobreviver com anencefalia. Eles têm de ser levados em conta numa discussão que se pretenda de fato interessada em resolver uma questão dolorosa sob todos os pontos de vista. Um Estado laico, como o brasileiro, não deve ter as ações ditadas por interesses religiosos. Tem de garantir a liberdade de culto, combater a intolerância religiosa, mas não pode ser levado, por questões de fé, todas respeitáveis, a condenar a interrupção da gravidez nos casos de má-formação craniana. Por sobre toda esta polêmica paira o inescapável argumento científico dado pela medicina em relação aos fetos anencefálicos.
Deve-se, ainda, ter claro que, em última análise, a decisão sobre a contracepção terá de ser, sempre, da mãe. Aprovada a descriminalização desse tipo de aborto, permanece assegurado o princípio de que nenhuma mulher será obrigada a interromper a gravidez contra a própria vontade.
A discussão é tão apaixonada quanto antiga. A questão transita no STF desde 2004, quando a CNTS propôs a ação. A Corte teve o cuidado de convocar audiências públicas e de adiar sessões anteriores de deliberação, para dar mais tempo aos ministros de julgarem com o espírito que Ayres Britto destacou em sua declaração. A decisão, portanto, há de sair embasada na Constituição, por óbvio, na responsabilidade e na sintonização com a realidade do país que têm marcado sentenças do Tribunal.
Este é o espírito, portanto, com que o plenário da Corte votará o mérito da ação da CNTS - o ânimo de que a sessão de logo mais será a oportunidade de o país superar um histórico impasse: é aceitável, à luz da dignidade humana e do direito inalienável de não submeter a própria vida a riscos, que a mulher, grávida de uma concepção impossível, seja obrigada a carregar no útero um feto que morrerá quase imediatamente após ter sido dado à luz?
Visto pelo viés da ciência, é um falso dilema: a medicina já provou à exaustão que a anencefalia (má-formação do cérebro na gravidez) é incurável, e que são nulas as chances de uma criança assim gerada sobreviver ao parto - isso, quando, como ocorre em não poucos casos, o feto não morre no próprio útero, com evidentes riscos para a saúde da mãe. Ocorre que não se trata de um tema sobre o qual recaia a unanimidade. Há questões, levantadas fora do âmbito da ciência, que conferem ao debate um tom previsivelmente apaixonado, notadamente em função de alegações contra esse tipo de aborto fundadas nos campos da religiosidade, da ética e da moral.
São argumentos advindos de setores que lutam por seus pontos de vista, mas que não podem se sobrepor a dois princípios - o da laicidade do Estado e da comprovação científica da impossibilidade de um feto sobreviver com anencefalia. Eles têm de ser levados em conta numa discussão que se pretenda de fato interessada em resolver uma questão dolorosa sob todos os pontos de vista. Um Estado laico, como o brasileiro, não deve ter as ações ditadas por interesses religiosos. Tem de garantir a liberdade de culto, combater a intolerância religiosa, mas não pode ser levado, por questões de fé, todas respeitáveis, a condenar a interrupção da gravidez nos casos de má-formação craniana. Por sobre toda esta polêmica paira o inescapável argumento científico dado pela medicina em relação aos fetos anencefálicos.
Deve-se, ainda, ter claro que, em última análise, a decisão sobre a contracepção terá de ser, sempre, da mãe. Aprovada a descriminalização desse tipo de aborto, permanece assegurado o princípio de que nenhuma mulher será obrigada a interromper a gravidez contra a própria vontade.
A discussão é tão apaixonada quanto antiga. A questão transita no STF desde 2004, quando a CNTS propôs a ação. A Corte teve o cuidado de convocar audiências públicas e de adiar sessões anteriores de deliberação, para dar mais tempo aos ministros de julgarem com o espírito que Ayres Britto destacou em sua declaração. A decisão, portanto, há de sair embasada na Constituição, por óbvio, na responsabilidade e na sintonização com a realidade do país que têm marcado sentenças do Tribunal.
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