segunda-feira, abril 02, 2012

Jaz insepulto - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 02/04/12


A essa altura, quem são as mais ostensivas vítimas do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), acusado pela Polícia Federal de ser sócio do ex-bicheiro Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos ilegais em Goiás?

Ora, são os 44 senadores estúpidos que hipotecaram solidariedade a ele quando Demóstenes ocupou a tribuna do Senado para jurar inocência.
Reagiram como sempre. E de suas bocas saíram as costumeiras palavras de desagravo com as quais socorrem amiúde colegas em dificuldades.
Foram feitos de bobo por um ator de primeira linha. Tamanho era o seu talento que, ao ser desmascarado, admitiu, aparentando resignação e traindo uma ponta de melancolia:
- Eu não sou mais o Demóstenes.
Qual? O que imaginávamos que existia?
Enganou o distinto público numa atuação soberba como político acima de qualquer suspeita. E também a nós, jornalistas, céticos por obrigação.
Em momento algum nos perguntamos: poderá haver político tão ficha limpa?
Era uma preciosa fonte de informações. E isso basta para amolecer o coração do mais duro entre nós. O mensalão ocorreu nas nossas barbas. E se não fosse Roberto Jefferson...
O Senado é um luxuoso e exclusivo clube freqüentado por 81 privilegiados cidadãos. Todos ali se protegem apesar das diferenças políticas. Todos ali praticam os mesmos crimes.
Os que não praticam sabem quem o faz, mas fingem não ver. Em 188 anos de funcionamento do Senado, somente um senador foi cassado – Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF), acusado de mentir aos seus pares.
Com a experiência de ex-chefe do Ministério Público de Goiás, Demóstenes mentia com engenho e arte. Há pouco, mentiu da tribuna do Senado grosseiramente. É por isso que morreu e sabe disso. Mas ainda jaz insepulto.
Resta-lhe ganhar tempo e torcer para que o acaso faça uma surpresa. Aos que pensam que renunciará ao mandato para abreviar a própria agonia, digo: esqueçam a hipótese.
Se renunciasse, baixaria à sepultura. Pior: na condição de ex-senador, não mais seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ficaria ao alcance de decisões de qualquer juiz da primeira instância.
Demóstenes coleciona inimigos em toda parte. Foram presas 30 pessoas suspeitas de integrar a quadrilha comandada por Cachoeira. Uma vez sem mandato, por que ele não acabaria preso pela mesma razão?
Existe uma boa chance de o STF declarar nulas as provas apresentadas pela polícia contra Demóstenes.
O grampeado foi Cachoeira. Mas o que ele disse ou ouviu de Demóstenes só poderia ser usado contra Demóstenes com a prévia autorização do STF.
Há duas semanas, Demóstenes acalentava a esperança de não ser julgado pelo Senado. O julgamento ali é político. Tem a ver com as idiossincrasias dos senadores.
Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais, comunicou a gente de sua confiança no Congresso que o governo não tinha interesse na cassação do mandato de Demóstenes.
Era preferível continuar convivendo com ele de crista baixa a correr o risco de agitar os ânimos no Senado. Os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) se ofereceram para ajudar Demóstenes. Não deu certo.
Jayme Campos (DEM), senador por Mato Grosso, é o presidente em exercício do Conselho de Ética do Senado.
O PSOL pediu a cassação de Demóstenes. Jayme poderia arquivar o pedido, empurrando o problema com a barriga. Não topou.
Pedro Taques (PDT), outro senador por Mato Grosso, é voto certo pela cassação de Demóstenes. Jayme e ele podem disputar o governo do Estado em 2014. Sabe como é...
Do início da última semana para cá, abriu-se a torneira das revelações capazes de embaraçar Demóstenes ainda mais.
Resultado: a banda sadia do Senado largou-o de mão. E o DEM anunciou que irá expulsá-lo.
Diante disso, fazer o quê?
Então o governo recuou de sua intenção inicial. O PT pediu a cabeça de Demóstenes. E Sarney e Renan deram o caso por perdido.
Cumpram-se os trâmites previstos para tais ocasiões.

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