O ESTADÃO - 02/04/12
O tema protecionismo continua a dominar o noticiário. Está aberta a temporada de caça à desoneração fiscal, alegadamente para compensar a apreciação cambial. As grandes vinícolas brasileiras querem se proteger da concorrência dos vinhos importados por meio de salvaguardas, a despeito de seu mercado ter crescido 7% em 2011. Os produtores de cebola pressionam por medidas de defesa comercial. O setor de toalhas de mesa e banho reporta déficit setorial que deve ser debelado. Proeminente colunista-empresário siderúrgico assevera que "o governo tem condições para, sem constrangimentos, dar apoio irrestrito a setores em que a vocação industrial brasileira é indiscutível, como agronegócios em geral, energia renovável, calçados, têxteis, móveis e siderurgia (!)". A tradução, em bom português, é "quero mais". Digna de Oliver Twist, só que agora muito bem alimentado.
Nunca antes neste país se cultuou de forma mais rudimentar a ideia estapafúrdia de superávits comerciais setoriais. Danem-se as vantagens comparativas. O objetivo parece ser assegurar superávit em todos os setores.
A despeito das medidas protecionistas já adotadas, com destaque para o aumento discriminatório do IPI sobre autos importados, a presidente Dilma Rousseff afirmou, em entrevista recente, que não se trata de protecionismo, mas de barreiras momentâneas de natureza defensiva, em resposta a políticas desestabilizadoras das grandes economias. Os únicos parcos consolos foram a afirmação de que não se pretende voltar aos velhos tempos da reserva de mercado da informática e alguma hesitação quanto à política de assegurar alto conteúdo nacional dos equipamentos demandados pela Petrobrás.
A insistência, em Brasília, de que as dificuldades competitivas enfrentadas pela indústria são devidas preponderantemente a fatores externos tem levado o Brasil a ventilar em foros internacionais, de forma seletiva, a adoção de medidas corretivas. Na semana passada foi discutida em Genebra, em seminário na OMC realizado por iniciativa do governo brasileiro, a relação entre políticas cambiais e comércio. O Brasil defende a criação de mecanismos tarifários compensatórios para enfrentar distorções competitivas motivadas por políticas cambiais adotadas por parceiros comerciais. Trata-se de objetivo irrealista por várias razões. Tradicionalmente, a OMC tem tratado de questões cambiais apenas de forma marginal, sempre fazendo referência ao papel central do FMI. Embora haja relação entre comércio e finanças, a divisão de trabalho na agenda de instituições internacionais faz sentido. Depois do abandono do regime de taxas cambiais fixas, foram realizadas as rodadas Tóquio e Uruguai, baseadas na negociação de listas tarifárias consolidadas. Emperrar a pauta das negociações da OMC coma discussão de medidas automáticas de compensação de variações cambiais seria assegurar a ausência de avanços concretos por um longo período. Mesmo sem essa complexidade adicional, não se registra grande sucesso nas negociações comerciais multilaterais desde meados da década de 90.
A credibilidade das propostas cambiais brasileiras na OMC é certamente afetada pela timidez com que o assunto é tratado em outros foros, especialmente quando envolvem relações com a China. Em contraste com a brabeza metafórica dirigida a Washington e, em menor medida, a Bruxelas, a fala com os chineses tem sido em tombem mais manso, embora seja a concorrência chinesa que afeta a indústria brasileira.
Não é apenas câmbio valorizado que erode a competitividade da indústria. É cômodo para o governo privilegiar o câmbio porque ajuda a transferir a culpa ao estrangeiro. De formações tributárias, carência de inovação, infraestrutura calamitosa, inépcia na condução de projetos públicos, tudo isso tem que ver com vícios genuinamente nacionais. Os "espíritos animais" - pobre Keynes - de que falou a presidente estão notoriamente ausentes quando se trata de atividades que não envolvam extração de vantagens do Estado. Mesmo a questão cambial não pode ser analisada só sob o prisma da entrada de capitais especulativos. A taxa de juros brasileira reflete a persistente incapacidade de o governo equacionar o desequilíbrio estrutural das contas públicas.
O governo vem privilegiando a retórica: em Brasília, na reunião com a cúpula empresarial; em Genebra, na OMC; e em Nova Délhi, na reunião dos Brics.A reunião dos Brics é, talvez, a que melhor se justifique como reserva de posição quanto ao futuro, embora a relação assimétrica com a China seja preocupante.
Ao convescote com lideranças empresariais aplica-se implacavelmente a máxima do Barão de Itararé: de onde menos se espera, é dali mesmo que não sai nada. Mais graves são as consequências da iniciativa genebrina, pois compromete ainda mais a reputação acumulada pelo Brasil nas vitórias na solução de controvérsias sobre algodão e açúcar, bem como com o seu papel construtivo na tentativa de concluir a Rodada Doha.Será completamente ingênuo esperar que o governo reverta a situação atual e instile um pouco de bom senso e competência na formulação de sua política comercial? É triste constatar que sim.
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