domingo, dezembro 18, 2011

Suspeita de fraude na Caixa pode causar perda de R$ 1 bi


FOLHA DE SP - 18/12/11

Pane em sistemas de informática ajudou corretora a lucrar negociando títulos. Fundos de pensão e outros investidores que compraram papéis pagaram preços acima do valor de mercado


natuza nery
DIMMI AMORA
DE BRASÍLIA
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO




Segundo maior banco estatal do país, a Caixa Econômica Federal está no centro de uma série de transações financeiras suspeitas que podem gerar perdas de R$ 1 bilhão para os cofres públicos.

Graças a uma omissão misteriosa ocorrida na própria Caixa, uma corretora carioca chamada Tetto vendeu papéis da dívida pública de baixo ou nenhum valor por preços acima do mercado.

Entre os compradores, há empresas e pelo menos um fundo de pensão estatal.

No período em que foram realizadas as transações, de setembro de 2008 a agosto de 2009, o sistema de informática da Caixa responsável por informações relativas aos papéis ficou fora do ar.



O banco público classificou a pane como "erro", atribuindo-o a uma empresa de informática terceirizada.

Ou seja, foi como se um carro tivesse sido vendido sem que o vendedor informasse que ele tinha multas justamente no momento em que o sistema do Detran estava fora do ar.

O que sumiu do sistema correspondia a R$ 1 bilhão que deveria ser descontado do valor dos papéis (veja quadro nesta página).

Como os papéis eram garantidos por um fundo do governo, se todos os compradores forem à Justiça cobrar tudo o que gastaram, a União terá de arcar com o R$ 1 bilhão. Um dos compradores já se manifestou nesse sentido.

Diante do episódio, o banco acionou a Polícia Federal e entrou com um processo na Justiça acusando a Tetto de vender "gato por lebre". A Folha teve acesso aos autos da ação judicial sigilosa.

Tanto um dos compradores -o fundo de previdência complementar Postalis, dos funcionários dos Correios- como o setor da Caixa responsável pela falha eram controlados, na época, por dirigentes indicados pelo PMDB.

O departamento onde ocorreu o problema é vinculado à vice-presidência de Loterias e Fundos de Governo, hoje no centro de uma disputa entre PT e PMDB, os dois partidos que controlam os principais postos no banco.

Na época em que essas transações foram feitas, o vice-presidente de Loterias e Fundos era o atual ministro Moreira Franco, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.

Seu substituto, Fábio Cleto, é apadrinhado do PMDB do Rio e tem a recondução ao Conselho Curador do FGTS ameaçada por pressão do PT.

MICO
O problema com os papéis não era desconhecido do mercado. Eles são originários de uma outra fraude cometida pela Tetto em 2004, que resultou em prejuízo de R$ 700 milhões ao Estado do Rio, segundo a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), xerife do mercado financeiro.

Em 2008, um mês após o apagão no sistema da Caixa, a corretora começou a negociar os papéis. No período de um ano, vendeu todos os seus contratos "micados", segundo narrou a Caixa na ação.

No mercado financeiro, esses papéis são classificados como de "altíssimo risco".

"Vou falar em tese: se, de fato, ficar provado que essa corretora tinha plena ciência das características [do papel] e, ainda assim, as omitiu do comprador obtendo lucro fácil em cima disso, em tese pode ter havido estelionato", afirmou o advogado Jair Jaloreto, especialista em crimes financeiros. "Em tese também, a corretora pode alegar em sua defesa que as compradoras sabiam do preço real".

A Caixa diz que outro fundo de pensão estatal controlado pelo PMDB participou das negociações, o Real Grandeza, dos empregados de Furnas. Mas o fundo diz que os papéis que comprou não têm relação com as fraudes.

Os bancos Bradesco, Santander e BRB e outros investidores também compraram papéis da Tetto na época em que os sistemas da Caixa ficaram fora do ar.

O Postalis pagou à vista pelos papéis comprados da Tetto, mas permitiu que a corretora os administrasse.

Ou seja, o fundo não tem os papéis registrados em seu nome e a Tetto pôde vender novamente os mesmos títulos para outros compradores, segundo o processo.

Em junho de 2011, quase três anos após a operação com a Tetto, o Postalis encaminhou ofício à Caixa onde afirma ter sido lesado pelo banco e pela própria Tetto. O banco abriu uma sindicância.

No período do apagão no sistema da Caixa, cerca de 12 mil créditos imobiliários foram negociados, quase 90% deles pela Tetto. 

Caixa diz que houve erro em seu sistema e investiga o caso
Corretora que vendeu os títulos no mercado atribui ao banco estatal os problemas com os papéis que negociou
DE BRASÍLIA

A Gestora de Recebíveis Tetto, que comercializou créditos imobiliários de baixo ou nenhum valor no mercado, atribuiu os problemas dos papéis à Caixa Econômica Federal. A empresa disse que obedece "às autoridades envolvidas, inclusive a Caixa e suas informações".

E complementa: "Se houvesse erro, não seríamos capazes de emitir os créditos. E nós não acreditamos que uma instituição idônea como a Caixa tenha cometido erros ao fornecer uma informação que nos levasse a esse tipo de situação".

A Caixa informou, por meio de sua assessoria, que instaurou sindicância para apurar o que chama de erro provocado pela empresa que presta serviços de informática. Também iniciou processo interno para punir os eventuais responsáveis.

O banco entende que os vendedores sabiam que os créditos eram problemáticos.

A instituição financeira disse que, pela legislação, "não vende nem participa" das negociações de contratos imobiliários e que a Tetto "comercializou diversos créditos por meio de instrumentos particulares, dos quais a Caixa não participa".

O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, defendeu os investimentos feitos e afirma que estuda entrar com ação judicial contra a Caixa para "preservar o patrimônio dos seus participantes".

O fundo afirma que tinha conhecimento do processo da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) contra a corretora carioca Tetto antes da compra, mas informa que ele "não tem vinculação com o atual problema".

De acordo com nota da instituição, seu presidente Alexej Predtechesnky "se tornou presidente do Postalis por indicação técnica da bancada do PMDB no Senado Federal". Predtechesnky foi sócio do filho do senador Edison Lobão (PMDB-MA).

O ministro de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco (PMDB), responsável pela área da Caixa na qual houve o apagão no sistema, disse que só soube do problema depois que saiu do banco.

"Meu cargo era de natureza decisória, e este problema não teria chegado a mim", disse Moreira Franco.

No processo, a Caixa também responsabiliza a corretora ASM, mas a Justiça considerou os indícios insuficientes. A ASM informou que pretende colaborar com a Caixa em suas apurações.

O BRB, um dos compradores dos títulos de baixo ou nenhum valor, informou que abriu um processo administrativo para investigar as compras de títulos. Santander, Bradesco e o fundo de investimento Aymoré não responderam.

O BNY Mellon informou que é administrador dos fundos que adquiriram os papéis da Tetto e, nessa posição, não é responsável por decidir quais investimentos são feitos. Esse papel, disse, cabe aos gestores do fundo.

A Vision, outra empresa apontada pela Caixa, informou que administra lotes que não tiveram problemas.

O Real Grandeza, apontado pela Caixa como comprador, afirmou que não adquiriu papéis com problemas e que fez um investimento num fundo da ASM em 2006 e os mantêm em sua carteira. 

Dono da Tetto é acusado de fraude no Rio de Janeiro
do enviado ao rio
de brasília

O médico e empresário Eugênio Pacelli Marques de Almeida Holanda, 48, dono da corretora Tetto, é alvo de investigação que levou à maior multa já aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários.

A CVM cobrou de Holanda R$ 65,5 milhões em 2010. A decisão, contudo, está suspensa desde o ano passado por ordem judicial.

Ele foi acusado de irregularidades na cessão de créditos imobiliários do governo do Rio. Para a CVM, o governo foi levado a erro, pois os papéis valiam muito mais.

Um ano antes, Holanda recebeu a mais alta distinção da Câmara Municipal do Rio, a Medalha Pedro Ernesto, por sugestão da vereadora Nereide Pedregal (PDT).

A assessoria de Nereide informou que a indicação partiu de Kathia Kozlowski, ex-candidata a vice-prefeita do Rio na chapa do senador Marcelo Crivella (PR), em 2004, e "ex-assessora do governador" Anthony Garotinho.

Holanda não deu entrevista, falando apenas por meio da assessoria de imprensa da Tetto sobre o caso da Caixa.

Segundo o currículo entregue à Câmara, Holanda é médico formado pela Universidade Federal da Paraíba.

Ele enfrenta uma disputa pelo controle de R$ 207 milhões gerados pela venda de créditos imobiliários supostamente "micados".

Eduardo Saad, um ex-executivo da Merrill Lynch, banco de investimentos dos EUA, alega que foi enganado por Holanda, que é defendido por um dos mais bem remunerados advogados do Rio, Sérgio Bermudes. Ele diz na ação que a acusação contra Holanda é "pura invencionice".

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