Brasil não precisa quebrar contratos
RODOLFO LANDIM
FOLHA DE SP - 16/09/11
O discurso 'nunca vi tanta ilegalidade' só é aplicável se for contra o Estado; contra o contribuinte, é perdoável
Desde o ano passado, o Brasil vive algumas indefinições no setor do petróleo que certamente afetarão seu futuro. Os leilões das áreas para exploração vêm sendo adiados por seguidas vezes, e a parte do marco regulatório que disporá sobre a carga de impostos incidente nos futuros contratos do pré-sal continua sem conclusão.
Mas pelo menos até recentemente não se ouvia falar de quebra dos contratos já celebrados entre a ANP e as companhias operadoras. Esse tema é ainda mais delicado não só pelos efeitos nefastos que a ameaça traz para o valor e a saúde financeira das petroleiras brasileiras, notadamente a Petrobras, como para a credibilidade do país perante os investidores de todo o mundo.
A discussão do novo marco regulatório do pré-sal incluiu o debate sobre a fórmula de divisão dos tributos a serem arrecadados. Mas o governo federal acabou perdendo o controle da situação e, em meio às negociações, as bancadas no Congresso dos Estados não produtores aprovaram uma lei que redistribuía o valor dos royalties hoje arrecadados, de acordo com os critérios do fundo de participação, sem privilegiar os Estados e os municípios produtores.
A decisão, que chegou a levar o governador do Rio de Janeiro às lágrimas em março do ano passado, contou também com o justo repúdio de representantes de São Paulo e do Espírito Santo, Estados igualmente punidos com a medida.
Afinal, tanto pelo lado moral como legal, a decisão foi altamente questionável, inclusive tendo a lei sido vetada pelo ex-presidente Lula. A alegação era a de que ela não poderia alterar o que já estava em vigor, e as modificações somente seriam válidas para áreas que ainda viessem a ser licitadas pela ANP.
Além disso, caso fosse aplicada, a lei causaria desequilíbrio econômico-financeiro ao Rio de Janeiro. O Congresso deverá voltar a apreciar o assunto até o final da primeira semana de outubro, e a ameaça de que o veto presidencial seja derrubado continua pairando no ar. Até agora não se chegou a nenhum acordo quanto à repartição dos recursos atualmente arrecadados. Recentemente, foi iniciada uma articulação política liderada pelo governador do Rio de Janeiro para a aprovação de uma medida que aumente a carga de tributos sobre a produção de petróleo através da majoração da participação especial, taxação aplicável a campos com grandes produções.
Alega-se que, para isso, não seria necessário modificar nenhuma lei, já que as faixas de contribuição de participação especial foram estabelecidas por decreto presidencial.
Bastaria então modificar o decreto e, de forma simples, mais recursos poderiam ser arrecadados e destinados a sanar a insaciável ganância dos Estados não produtores.
Salta aos olhos de quem conhece o setor que, caso seja aprovada, a medida se transformará numa indiscutível quebra dos contratos de concessão já assinados, além de colocar uma enorme interrogação, pelo menos na mente dos agentes dessa indústria, sobre o que mais poderá ocorrer no futuro.
Isso porque no anexo 6, parte integrante dos referidos contratos que dispõem sobre Participações Governamentais, é dito que "o concessionário pagará participação especial no montante definido no decreto nº 2.705, de 3 de agosto de 1988."
Nunca é demais lembrar também que a resolução nº 6, de 8 de novembro de 2007, do Conselho Nacional de Política Energética, que iniciou toda a discussão sobre o novo marco regulatório do pré-sal, estabeleceu, em seu artigo 3º, "determinar a rigorosa observação dos direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, relativos às áreas concedidas ou arrematadas em leilões da ANP"; o artigo 4º definiu, como diretriz, o respeito aos contratos em vigor.
É curioso que a ideia tenha partido logo do Rio de Janeiro, pois pode parecer que o discurso "nunca vi tanta ilegalidade" só é aplicável se for contra o Estado; caso seja contra o contribuinte, é perdoável.
A sociedade brasileira precisa continuar a evoluir e seus representantes devem olhar para a frente em vez de buscar suas soluções nos que estão ao lado ou olhando para o espelho retrovisor.
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