Sai do armário, Sócrates!
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 16/09/11
Assumir responsabilidade social acaba saindo mais barato do que varrer lixo para baixo do tapete
TRAÇO TÃO característico, quem acha que tem a perder se preocupa sobremaneira em manter saúde e aparência.
Nestes dias, Paulo Maluf não andou, enxutérrimo, aproveitando a comemoração de seus 80 anos na Sala São Paulo para dar dicas sobre forma física?
Como se a Justiça norte-americana não andasse atrás dele da mesma forma que um dia caçou Al Capone, Maluf entreteve o governador Alckmin com anedotas sobre seu bem-estar.
Quando Geraldão lembrou que, na época do Covas, Maluf lhe receitou pílulas caseiras, o ex-prefeito sacou do bolso uma caixinha contendo várias cápsulas. "Essa é de óleo de peixe de águas frias. Essa, de alho. As outras são para afinar o sangue, essa para as juntas. Essa é a fórmula de chegar aos 80 anos com saúde de 30."
É extraordinário que o governador não tenha se animado a interromper relato tão rico para perguntar ao anfitrião quem estava pagando pelo cachê do pianista da noite, o importante Arnaldo Cohen, ou para indagar aos seus botões o que a mais alta autoridade do Estado estava fazendo na festa de alguém que tem os bens bloqueados pela Justiça.
O que vem ao caso aqui hoje é o zelo com a saúde, então eu deixo de lado o regabofe do Maluf e me ponho a pensar no que anima o Sarney a continuar hidratando, aparando e colorindo aquele bigodão. Pois é, sempre o Sarney. Quem manda virar símbolo feito o rinoceronte Cacareco?
Enquanto isso, um atleta como o Sócrates, que deveria viver desfrutando de glórias, esteve em coma induzido depois de desperdiçar uma vida brilhante.
Não faz o menor sentido uma pessoa tão gentil se perder desta forma. Se ainda estivéssemos falando do Garrincha, que viveu a cilada de pertencer a uma geração que encarava o alcoolismo como loucura.
Mas estamos tratando do ultra-articulado, superesclarecido doutor Sócrates da hipermoderna democracia corintiana. Como podemos aceitar uma tragédia destas?
A doença do alcoolismo é traiçoeira e não basta ser esclarecido para combatê-la. Vi uma entrevista de Sócrates na TV em que ele dizia que tinha sido alcoólatra, mas que havia superado o problema.
Pareceu-me cena de filme do Buñuel.
Até entendo querer dispor da vida, mas que tipo de mensagem estará enviando aos bebedores problemáticos que o admiram? Como pode o sujeito com 30 anos de balcão de bar não saber que, uma vez alcoólatra, será sempre alcoólatra? Sócrates lembra o Roberto Carlos. Sujeito é deficiente físico e, em vez de sair do armário e mostrar que diversidade é OK, fica escondendo a perna mecânica e ainda chega ao cúmulo de processar quem ousa falar dela. Pelo amor de Deus, senhores! Desse jeito, até o Maluf vai parecer mais progressista!
Nestes dias, a Ambev lançou uma megacampanha para desencorajar menores a comprar e a ingerir bebidas alcoólicas. Eu estava na plateia e cheguei a me emocionar quando vi o Sófocles, irmão do Sócrates, subir ao palco para falar do projeto social do Raí. Você pode dizer que é malandragem da indústria, alegar que eu fui seduzida ou que sou uma capadócia. Eu responderei que assumir o custo da responsabilidade social acaba saindo mais barato do que varrer o lixo para baixo do tapete. A indústria do cigarro está aí para não me deixar mentir. Só falta agora que os ídolos se animem a sair do armário.
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