Nem oito nem oitenta
JOSUÉ GOMES DA SILVA
FOLHA DE SP - 04/09/11
Não se pode desqualificar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, ao reduzir a taxa básica de juros em 0,5%.
Não é lógico o que afirmaram alguns analistas de mercado, de que o órgão cedeu às pressões do governo. Afinal de contas, o BC é uma instituição que integra o governo e, como tal, é saudável que atue em sinergia, mas sem abrir mão de suas atribuições.
O BC ausculta os setores financeiro e produtivo, empresários, trabalhadores, acadêmicos em permanente e legítimo diálogo. Nem por isso se deixa pressionar por qualquer interlocutor. No passado, esses segmentos tiveram assento no Copom, como ainda acontece em outros países.
Ninguém pode dizer que a decisão do BC foi errada. Somente o futuro dirá. O "mercado" não tem o monopólio da verdade, muito menos acerta previsões com tal frequência que o coloque acima do bem e do mal. Portanto, tenham cautela os que se pautam pelas suas opiniões.
Muitos fatores justificam a baixa nos juros. A economia tem mostrado sinais de desaquecimento, o mundo passa por nova onda de crises, o crescimento previsto para 2011 e 2012 sofreu significativa redução. O governo aumentou o superavit fiscal primário, abrindo espaço para um reivindicado reequilíbrio entre as políticas monetária e fiscal.
Ainda assim, temos uma das maiores taxas de juros do planeta. O argumento favorável à manutenção desse status é a inflação que, de fato, gira acima do centro da meta. É fácil perceber como esse "dragão" afeta nossas vidas, pois ninguém quer ter o salário nem sequer chamuscado pelo seu hálito quente.
Ao contrário, o impacto dos juros altos em nosso cotidiano é bem menos perceptível, mas estimula o ingresso de capital especulativo, reduz a expansão do PIB, diminui a oferta de emprego e a geração de renda.
Como se não bastasse, drena recursos que poderiam ser aplicados na melhoria de educação, saúde, segurança, infraestrutura, saneamento básico e habitação. A redução de 0,5% na Selic significa cerca de R$ 7 bilhões por ano a menos nos juros pagos pelo governo, o que daria para construir cerca de 200 mil casas populares.
Outros instrumentos podem conter a inflação, não só o conservadorismo da alta dos juros. Medidas macroprudenciais têm sido usadas e seus resultados devem ser considerados. Nesse contexto, a política fiscal é parte das alternativas, e também está sendo usada.
Assim, não parece pertinente criticar a decisão do Copom quanto à redução da Selic. O órgão levou em conta o complexo cenário mundial, seu prolongamento em 2012 e possíveis reflexos no Brasil.
Tratou-se de uma medida de caráter técnico, feita com responsabilidade.
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