A Fiocruz precisa tomar a vacina da licitação
ELIO GASPARI
O GLOBO - 04/09/11
Contrato da informática foi suspenso temporariamente, mas o negócio continua com um forte cheiro de Dnit
A FIOCRUZ PRECISA de uma vacina para se proteger contra a bactéria "menigococus criminalis brasiliensis". Sua diretoria resolveu suspender, temporariamente, o contrato de até R$ 365 milhões assinado sem licitação com a empresa portuguesa Alert para informatizar seus serviços e, sobretudo, para a operação, sabe-se lá quando, do banco de dados do Cartão SUS. É pouco.
(Estava errada a informação aqui publicada na semana passada segundo a qual o contrato atenderia apenas duas unidades da Fiocruz. Estava errada também outra informação, publicada em janeiro, segundo a qual o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, nada contrataria para o Cartão SUS sem licitação pública. Ele mudou de ideia, para pior.)
O contrato da Fiocruz com a Alert tem um forte cheiro de Dnit. Não só porque não houve licitação, como também porque o faturamento mundial da empresa em 2010 foi de 47 milhões (R$ 107 milhões), valor bastante inferior ao contrato firmado. Se isso fosse pouco, entre os argumentos usados para justificar a escolha da Alert estava o de que ela tinha uma certificação do renomado IHE, o "Integrated the Healthcare Enterprise". Em seu sítio na internet o IHE roga que seu santo nome não seja usado como fator de "certificação" ou "validação" de empresas ou programas.
Se um cidadão for convidado pela gloriosa Fiocruz para tomar uma vacina, a tradição e o bom senso recomendam que aceite a sugestão. Se convidarem essa mesma pessoa para servir de testemunha num contrato como o da Alert, ela deve fugir como se estivesse diante da peste. Jogaram a credibilidade da fundação na briga de cobras que acompanha a discussão do software do Cartão SUS.
Os sábios da Fiocruz e do Ministério da Saúde suspenderam o contrato e estão pesquisando modalidades de transparência, legitimação e consulta para avaliar o negócio. Querem tratar o doente com curativos, quando o melhor remédio contra o "menigococus criminalis brasiliensis" é a velha e boa vacina da licitação pública. Quem quiser disputa, e quem ganhar leva.
TREM-BALA
Para a crônica dos fracassos do projeto do trem-bala. Até julho passado, quando o governo desistiu do leilão de sua concessão, informava-se que o principal consórcio interessado no negócio era formado por empresas coreanas.
Parolagem. O consórcio coreano implodiu meses antes. Seu executivo mais qualificado já retornara a Seul.
MASMORRA CAPIXABA
As masmorras do governo do Espírito Santo fazem história. O Ministério Público Federal vem perdendo todas as paradas para resolver o problema das más condições da penitenciária de Barra de São Francisco. Sua população, projetada para 106 presos, passou de 274 em 2008 para 364 em 2010, ou 1,09 metro quadrado por pessoa. Uma perícia da Polícia Federal concluiu que o presídio "não possuía, em suas unidades celulares, condições mínimas de salubridade para a existência humana". Aos pedidos de informações o governo do Estado responde com lero-leros, às solicitações de providências, com silêncio.
O Ministério Público Federal pediu à Justiça que suspenda a remessa de presos para Barra de São Francisco e que a União fiscalize o seu descongestionamento. A juíza da 1ª Vara Federal de Colatina negou o pedido e lembrou que "a concretização de todos os direitos fundamentais e sociais esbarra nas limitações materiais do Estado".
Desse jeito, a penitenciária ficará na mesma, mas surgiu um perigo: que alguém proponha a criação de um novo imposto para financiar (em tese) as masmorras nacionais. Até porque os doutores que mandam em Barra de São Francisco sustentam que "se comparada a outras unidades" ela se encontra "em situação favorável".
UM LIXO DE FAXINA
O melhor retrato da postura do PT diante de toda e qualquer faxina foi conseguido na noite de terça-feira pelo repórter fotográfico Ailton de Freitas.
Ele mostrou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), paternal e sorridente, cumprimentando a deputada Jaqueline Roriz durante a sessão em que ela viria a ser consagrada pelos seus pares.
Vaccarezza e a doutora Dilma informam que o governo precisa de um novo imposto para financiar a saúde. Durante a campanha eleitoral ela dizia o contrário.
Eremildo, o Idiota, entendeu os recados: a faxina será feita no bolso da choldra.
MÁS MARQUETAGENS
Ao insinuar a responsabilidade do condutor (morto) do bondinho de Santa Teresa pelo desastre que matou cinco pessoas e feriu 57, o doutor Julio Lopes, secretário de Transportes do governador Sérgio Cabral, reciclou um velho ditado segundo o qual "tudo na vida é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro".
Na linguagem dos administradores de crises, "em governo marqueteiro, a desgraça é do passageiro e a culpa é do motorneiro".
Dias depois da sentença do secretário, o governador admitiu que a oficina de reparo dos bondes está sucateada, mas o doutor Lopes voltou a pontificar: "Nós investimos recursos significativos, mas não no montante que se poderá investir agora, em função dessa trágica ocorrência". Transformou desgraça em estímulo ao investimento.
(Em julho passado os doutores Lopes e Cabral levaram a doutora Dilma para a inauguração do teleférico do Alemão. Havia o teleférico, mas não havia o serviço.)
A "BOLA DE CRISTAL" PARA O VOTO AMERICANO
Faltam 14 meses para a eleição americana. Aqui vai um refresco para quem pretende acompanhá-la fora do universo das superstições. É o site de Larry Sabato, um professor da Universidade de Virgínia que estuda o comportamento do eleitorado e tem uma enorme coragem, pois em 2002 criou uma newsletter eletrônica (grátis como o ar) chamada "Sabato's Crystal Ball" ("A Bola de Cristal de Sabato"). Infelizmente, está em inglês.
Sabato acertou todos os principais resultados eleitorais, com uma precisão que passou a casa dos 90%. Ele sustenta que não se deve projetar 2012 a partir do resultado da eleição do ano passado, quando os republicanos trituraram os democratas. A razão é matemática. O eleitorado que vai às eleições intermediárias é diferente, e menor, do que aquele que vai às presidenciais. Em 2008 Obama teve 69,5 milhões de votos. Em 2010 os republicanos ganharam a maioria na Câmara com 44,6 milhões de votos.
O nome do jogo numa eleição presidencial é o comparecimento. De uma maneira geral, em qualquer eleição, comparecem 40% dos eleitores. Quando a Casa Branca está em jogo, podem comparecer mais 20%. Os outros 40% simplesmente não vão votar. Em 2008 Obama conseguiu atrair mais eleitores democratas e sobretudo jovens.
Está na rede um artigo do professor Andrew Hacker publicado pelo "The New York Review of Books", intitulado "The Next Election: The Surprising Reality" ("A Próxima Eleição: A Surpreendente Realidade"). É coisa fina.
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