Crescimento ou inflação?
ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 04/09/11
A redução da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central surpreendeu o mercado que esperava algo, sim, mas não 0,50 ponto porcentual de uma só vez, pelo menos agora. A interpretação dos analistas foi muito clara, a prioridade agora é evitar que a economia cresça menos do que os 3,5% e até mesmo 3% que já se fala com mais frequência em Brasília. A inflação preocupa, sim, mas o risco de desaceleração é forte, com desemprego preocupando mais ainda.
Os dados do IBGE, divulgados nesta sexta-feira, confirmam isso. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre, menos que os 1,2% do primeiro trimestre e apenas 3,2% nos últimos 12 meses. E não há sinais de que essa retração se reverta nos dois trimestres finais do ano.
Havia muita dúvida no mercado em torno da decisão do BC. Precipitada, afirmavam alguns, imprudente acrescentavam outros, houve influência do governo que teme recessão, concluíam terceiros. No mercado internacional, a decisão foi vista como ousada.
É aqui, não lá fora. O argumento de que a decisão foi adotada por causa dos desdobramentos da crise externa não convenceu porque a turbulência persiste, mas não se agravou nas últimas semanas. Para a maior parte dos analistas foi a desaceleração do crescimento interno e não do externo que motivou o BB a antecipar-se e agir. O desafio não é que o mundo está crescendo menos, mais a economia brasileira está recuando mais do que se esperava e não seria prudente esperar. O fantasma de 2008 não convenceu. Para o respeitadíssimo Affonso Celso Pastore, em artigo de sexta-feira no Estado, surpreendeu o BC ter se espantado com o fantasma de 2008, admitindo que sem uma queda significativa dos juros a desaceleração pode ser maior. O mundo vive uma desaceleração, sim, mas até aqui muito diferente do que ocorreu após a queda do Lehman Brothers, afirma ele, que usa a expressão "crise externa", entre aspas. Pastore, e para a maior parte dos economistas que analisaram a decisão do BC, o maior problema está aqui, não lá fora.
Para o governo, crescer menos de 3% é inaceitável. E tudo indica que o BC tende a seguir a política do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) que não tem como meta apenas administrar a inflação, mas cooperar com o crescimento econômico. Para ele, um PIB de apenas 1,6% este ano é inadmissível; para nós, 3.5%, ou menos, também.
Mas fazer o quê? Ajuste fiscal para reduzir a pressão sobre a demanda e juros mais atraentes para compensar. É a busca de um equilíbrio instável que se inicia agora com o anúncio do aumento do superávit primário do governo e a redução dos juros do BC. Tudo levando a um crescimento menor, sim, nada mais de 5% ou 6% previstos no início do ano, mas nada menos que 3%.
Foi assim que os agentes econômicos, mercado financeiro e empresas, interpretaram as últimas ações do Banco Central e do governo. Uma espécie de acordo tácito entre você gasta menos e eu ajudo mais em busca de um equilíbrio ao qual se tenta chegar.
Mas e a inflação? Mas a equação não fecha, dizem economistas como Affonso Celso Pastore. Esqueceram a inflação que vinha sendo combatida pela alta das taxas de juros. A fórmula menos juros, menos gastos deixa uma variável, a inflação que passa do teto de 6,5%. Tudo indica que se decidiu tentar administrá-la por algum tempo apesar dos riscos. Como a economia vinha do desacelerando, a inflação deveria recuar também. Mas não é isso que está acontecendo. Há fatores internos como oferta menor e demanda aquecida e externos, as commodities entre outros, pressionando os preços internos. Basta ver o que acontece com o álcool, a cana-de-açúcar e outros produtos agropecuários. É evidente a contaminação interna pelos preços externos das matérias-primas.
Inflação resiste. O novo ( será?) desafio é a inflação. O IPCA mostra ainda muita rigidez em torno da banda de tolerância de 6,5%, afirma Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú . Motivos: aumento da renda animada pelos reajustes de salários - e, agora, o novo salário mínimo - e a robustez do mercado de trabalho, sustentando pressões de demanda, não atendida pelo aumento da oferta. Para ele, "um cenário que não vai se alterar rapidamente".
O que existe é um fato, juro menor, e uma promessa, política fiscal menos expansionista. Affonso Celso Pastore não esconde o ceticismo quanto às metas de inflação. Já eram. Toni Volponi, chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, vai mais longe: foi para o espaço. O novo dilema é impedir que se cresça menos sem pressionar a inflação - que, tudo indica, deixou de ser prioridade maior, pelo menos por enquanto.
Goldfajn e Pastore admitem que vai ser difícil conter o consumo das famílias, que mesmo com a desaceleração econômica, aumentou 5,7% no semestre e 6,2% nos últimos 12 meses. Há um recuo, mas o aumento da demanda permanece e será estimulado agora ainda mais com os reajustes salariais bem acima da inflação, os mais de 2 milhões de empregos que estão sendo criados e a formalização no mercado de trabalho. Um desafio que o governo parece preferir enfrentar só mais adiante. Agora, a linha de atuação segue o Fed que não só administra a inflação, mas também fica atento à economia, estimulando-a quando preciso.
É o que Fed, e até mesmo o banco central da China, vem fazendo até agora e o Banco Central Europeu (BCE), não. Aumentou o juro mesmo com risco de recessão e crescimento de 0,1%.
Nenhum comentário:
Postar um comentário