sábado, maio 21, 2011

WALTER CENEVIVA - O salseiro da lei


O salseiro da lei
WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/05/11

Se não adotarmos cautelas severas na reforma dos códigos, logo criaremos novas questões na Justiça

É NORMAL que o Congresso aprove códigos com a cooperação de juristas dos setores envolvidos. Recebidas as propostas, deputados e senadores têm liberdade de introduzir emendas de sua escolha.
O exemplo do Código de Processo Civil, cuja comissão encarregada de elaborar o anteprojeto foi presidida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, está nessa etapa de avaliação.
Para dar uma ideia ao leitor das dificuldades encontradas, contei mais de 60 leis esparsas, incluindo assuntos processuais civis, no meio de outras leis editadas desde 1973, quando a codificação atual foi enviada pelo general Garrastazu Médici ao Congresso Federal para aprovação.
Mesmo assim, algumas partes da codificação anterior tiveram de ser aproveitadas.
É necessária, para os mesmos fins, a consolidação constitucional, pois o texto da Carta de 1988 sofreu tantas emendas que hoje não guarda a necessária homogeneidade com a estrutura originária.
Os 250 artigos da Constituição brasileira, além dos 97 dispositivos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foram às minúcias no regramento essencial dentro de nosso Direito.
As novas leis exigirão de seus autores as cautelas próprias do respeito a essa realidade superior, com suas normas e seus princípios.
Temos sempre presente a imprescindibilidade de que cada norma legal seja fiel não só ao texto da Constituição como também aos princípios que ele enuncia, desde seus quatro primeiros artigos definindo os fundamentos do Estado democrático de Direito, nele previstos, com a vocação latino-americana do Brasil.
A constitucionalidade de cada dispositivo a ser incluído nos códigos terá sua validade condicionada a uma Carta modificada por mais de seis dezenas de emendas, circunstância que tornará mais complexa a aferição de cada uma delas sobre o conjunto normativo, além das divisões e subdivisões a partir dos artigos na formal original.
Dou um exemplo. Do primeiro artigo da Constituição até o 135, no espaço que vai dos direitos fundamentais e sociais até as funções essenciais da Justiça, as quais incluem a advocacia, há mais de mil divisões e subdivisões do texto aprovado em 1988.
Muitas delas foram alteradas desde que publicadas pela primeira vez, em outubro daquele ano.
Os dados aqui reunidos pretendem mostrar que, se não adotarmos cautelas severas na reforma dos códigos, logo estaremos a suscitar questões novas nos tribunais, antes que estes tenham resolvido por inteiro problemas enfrentados nos quase 23 anos de vigência da atual Constituição do Brasil.
As pretendidas reformas -muito necessárias- não serão bem-sucedidas sem o ajuste com a estrutura na qual produzirão seus efeitos, apenas embaraçando o trabalho de as interpretar.
Será um salseiro, no significado que a língua portuguesa do Brasil lhe deu, ou seja, de confusão grave, discussão inútil.
As atualizações das leis são imprescindíveis, com muitos espaços abertos nas normas relativas ao comércio interno e externo, bem como para a adequação das novidades criadas pelos novos meios de comunicação e para a preservação dos meios tradicionais.
Em termos de liberdade de informação, mais do que em muitos dos outros, a sociedade deve estar atenta. Os salseiros são terreno ideal para os que se esforçam pela obstrução das liberdades.

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