Futricas público-privadas
VINÍCIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/03/11
INTEGRANTES do governo Dilma Rousseff têm batido muito papo e até boca com gente do setor privado. Mas fala pouco com o público, e fala pouco em público.
Não se trata de saudade da logorreia destrambelhada de Lula, que, no entanto, falava também em público e para o público, ainda que disparates. Mas de observar que tem faltado clareza de programas, metas, normas de conduta e de políticas e começa a sobrar intriga demais. Parte delas, reconheça-se, "restos a pagar" do governo luliano.
Há ou havia intriga e disputa de espaço de poder entre a Casa Civil de Antonio Palocci e o Ministério da Fazenda de Guido Mantega. O atrito direto, ou mediado por frituras e notinhas na imprensa, arrefeceu depois do chamado de Dilma Rousseff, faz dez dias.
Mas reapareceu na disputa por cadeiras da direção da Caixa Econômica Federal. Mantega, pelos indícios, procura reservar a direção a nomes de carreira do banco. A Casa Civil, em parte com carta branca da presidente, procura preservar os interesses da aliança política com o PMDB, com que muita gente esquisita pode parar no comando de um dos quatro maiores bancos comerciais do país.
Por falar em CEF, há o risco de que a taxa de interferência política na nomeação de diretores do banco seja maior que a da época de Lula. Por falar em política e empresa, o governo envolveu-se em esquisitíssima intervenção no comando da Vale. A bem da verdade, a direção da Vale também gosta muito de fazer política, quando interessa, inclusive agora, recorrendo a políticos do governo à oposição -pois a Vale tem interesses políticos regionais também.
Dizer apenas que ocorre uma interferência indevida do governo na administração de uma empresa, uma das duas maiores do país, é, porém, chorumela mercadista farisaica. As grandes empresas brasileiras no final das contas adoram uma intervenção federal, em particular na forma de empréstimos subsidiados, sociedades e apoios à formação de oligopólios. O problema maior mesmo é saber o que o governo quer ao bulir com a Vale.
Roger Agnelli, presidente da empresa, virou desafeto de Lula quando a Vale deu de cortar empregos e investimentos em meio à crise de 2008. Mas a intervenção de agora não pode ser apenas vendeta. E está a cargo de um ministro de Estado, Mantega, da Fazenda.
A questão da Vale não é um único "resto a pagar" das intrusões governistas da era Lula. Mas demonstra o gosto continuado do governo pela negociação nada transparente de "parcerias público-privadas", para dizê-lo de modo sarcástico.
O governo ainda negocia, por exemplo, a arrumação de um negócio malfeito, o leilão da hidrelétrica de Belo Monte -o Grupo Bertin, sem grana, saiu do negócio. Deve entrar a Vale. Ou a Vale e alguma outra grande empresa. Estão fazendo contas para ver se vale a pena. Mas o governo está a "observar" o caso.
Coisa parecida acontece com o trem-bala fantasma de Dilma. Desde que começaram as tratativas oficiais a fim de leiloar a concessão do trem-bala, há intervenção do governo na formação dos consórcios, afora a batelada de subsídios concedidos para que ela fique de pé.
O meio de campo está embaralhado. E segredoso demais.
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