Desafios na gestão
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 27/03/11
Um dos pontos fundamentais da discussão política nos últimos anos, principalmente durante as campanhas presidenciais, tem sido o antagonismo entre o "choque de gestão", que defende um Estado menos inchado, e por isso mais ágil, com indicadores que meçam sua eficiência, e o Estado forte, que estende seus tentáculos em todas as direções.
A presidente Dilma Rousseff passou a campanha eleitoral garantindo que não faria nenhum ajuste fiscal, que seria desnecessário. Mas, nos primeiros dias de governo, já anunciou um inevitável corte de gastos, além de ter criado uma comissão coordenada pelo empresário Jorge Gerdau para introduzir no governo o sistema de gestão por metas.
É justamente o caminho sugerido pelo trabalho conjunto do cientista político Fernando Abrucio, o coordenador do programa "Estado para resultados" do governo de Minas Gerais, Tadeu Barreto, e o diretor da Macroplan, Gustavo Morelli, em um dos capítulos do livro "2022 Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário", que está sendo lançado na próxima quinta-feira no Rio.
Os autores apresentam uma agenda para o aperfeiçoamento da gestão pública no país, com o objetivo de corrigir fragilidades históricas ainda perceptíveis, de modo a conseguir que o Brasil possa crescer mais rapidamente de forma sustentável.
Complementando as análises dos cenários possíveis para o futuro do país, abrangendo os próximos 11 anos, quando o Brasil completará 200 anos de independência, o livro "2022 Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário", organizado pelos economistas Fábio Giambiagi , do BNDES, e Claudio Porto, da consultoria Macroplan, dedica esse capítulo inteiramente à questão da gestão pública, destacando a importância central de políticas públicas competentes para a superação de uma série de desafios nacionais.
Para os organizadores da obra, não há dúvidas de que alguns dos velhos dilemas e problemas da economia brasileira estão presentes no cenário atual e precisam ser enfrentados.
O Brasil, segundo Giambiagi, "se encontra em plena transição, de uma situação ainda com problemas próprios de países emergentes, para outra que poderá alcançar uma maior abertura e inserção global da nossa economia".
Os autores destacam que a evolução recente da gestão pública tem marcos muito positivos, como a reforma da gestão pública de 1995, o PPA de 2000-2003 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Os avanços da agenda de gestão pública no governo Lula ocorreram de forma fragmentada, segundo os autores. Enquanto bons resultados foram alcançados na gestão do Bolsa Família e com a criação de fóruns de discussão das prioridades governamentais, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e as conferências setoriais, "não houve diretrizes gerais para toda a administração pública".
Um dos maiores retrocessos, na minha opinião, ocorreu na gestão da máquina do Estado, e não é à toa que os autores sugerem uma maior profissionalização do serviço público, com intercambio de talentos com o setor privado - "para oxigenar a administração pública" -, intensificação dos processos de avaliação de desempenho e a redução de cargos comissionados.
O caso da interferência do governo na direção da Vale, forçando a demissão do seu presidente, Roger Agnelli, por suposto desentrosamento entre os planos da companhia privada e os objetivos econômicos estratégicos do governo, mostra que, ao contrário, é o governo que quer interferir nas empresas privadas.
Outra questão grave é o aparelhamento da máquina estatal com indicações políticas, com a vergonhosa divisão de cargos entre os partidos da base aliada, especialmente PT e PMDB.
Segundo Abrucio "não é possível ter, em pleno século XXI, mais de 20 mil cargos comissionados na administração pública direta e múltiplas indicações políticas nas empresas públicas e nos fundos de pensão. O montante de indicações de livre provimento por parte do Executivo não encontra paralelo em nenhum país desenvolvido, abrindo brechas para ineficiência e corrupção".
O desafio, dizem os autores, está em avançar nos resultados com os mesmos recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, sendo a inovação na gestão um elemento fundamental para produzir impactos positivos.
Entre algumas inovações que poderiam ser assimiladas para a melhoria da gestão pública no Brasil, estão a disseminação do modelo da administração pública por metas e indicadores, "uma inovação que ainda tem uso restrito e é de pequena assimilação junto à classe política", assim como a forte expansão do chamado "governo eletrônico".
Os autores recomendam ainda a efetivação de parcerias público privadas. Nesse aspecto, o governo parece ter acordado para a impossibilidade de realizar sozinho as obras de infraestrutura nas estradas, aeroportos e portos do país, necessárias não apenas para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, mas também para o desenvolvimento sustentável da economia.
A atuação conjunta, ou o repasse de tarefas ao setor privado, pode ser uma maneira de fortalecer a ação governamental, em vez de enfraquecê-la, analisam os autores do artigo sobre gestão pública. "É preciso superar o debate privatismo versus estatismo".
Já Claudio Porto adverte que a possibilidade de um futuro otimista ou desastroso pode ser sintetizada em um conceito: gestão estratégica. "Uma década é tempo suficiente para que certas políticas amadureçam e apresentem resultados", afirma. E isso requer uma concertação entre as principais lideranças públicas e privadas do país em torno de uma visão estratégica de longo prazo para o país.
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