Obama, Líbia e Brasil
ANDREA MURTA
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/03/11
Preocupado com a Líbia, Barack Obama antecipou a volta de sua viagem à América Latina na última quarta-feira e encontrou a Casa Branca trancada. Literalmente. A imprensa local adorou a imagem do presidente tentando abrir a porta e se ver sem as chaves.
Nesse caso, o desconforto passou rápido. Mas não vai acontecer o mesmo com a intervenção militar que Obama ajudou a lançar no país norte-africano.
É uma das ofensivas mais indefinidas de que se tem notícia. Mesmo com os acordos recentes na Otan (aliança militar ocidental), não está claro quem está no comando, qual o objetivo, por quanto tempo a missão vai durar ou -o mais importante- qual é a definição de sucesso.
A aliança, a seu lado, vem alargando a confusão. Em crise de identidade desde sua criação, há mais de 60 anos, mal havia resolvido a liderança da zona de exclusão aérea ("no-fly zone") e já discutia ampliar a operação.
Falam em uma intervenção de semanas. Talvez seja verdade, se considerada com otimismo apenas a parte militar. Mas fica cada vez mais difícil vislumbrar a permanência do ditador Muammar Gaddafi no país, e derrubá-lo significa transformar toda a estrutura de poder local.
Daí, semanas viram anos. Ainda não há alternativa viável a Gaddafi. E terminar a ação com o que um dia foi a Líbia transformada em territórios autônomos governados por alianças tribais não seria lá muito palatável para o resto do mundo: além da preocupação com a abertura de uma porta a extremistas, o país servia até pouco tempo de barreira à imigração ilegal para a Europa. Perguntem à Itália se ela quer ver a região sem controle.
E a história não está do lado da Otan ou dos Estados Unidos quando o assunto é mudança de regime (sim, é disso que estão falando).
Se Bósnia e Kosovo não são exemplos palpitantes de progresso, que dirão Iraque e Afeganistão. São experiências diferentes da atual em quase tudo, mas lembram o quanto é difícil reconstruir um governo.
Enquanto isso, Obama não escapa da pecha esquisita de um Nobel da Paz antiguerra do Iraque que enfiou seu país em outra ação militar.
Um "post" no Facebook citado pela revista "The Economist" faz uma brincadeira mordaz com o que diria a Casa Branca hoje: "Pedimos desculpas pelo hiato não planejado nos bombardeios ao Oriente Médio. O serviço normal já foi restabelecido".
Por tudo isso, estrategicamente, foi um erro deixar a Líbia ofuscar a viagem do democrata à América Latina, me disse um analista local. "Daqui a dez anos, o Brasil será mais importante que o Reino Unido. E a Líbia... bem, a Líbia vai ser um monte de areia."
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