Continuidade e continuísmo no BC
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/11/10
Provável nomeação de Tombini para o comando do BC indica que Dilma, em parte, segue linha de Lula 2
A MUITO PROVÁVEL nomeação de Alexandre Tombini para o comando do Banco Central deve desarmar pelo menos o burburinho de cunho algo histérico a respeito do atropelamento da autoridade monetária no governo Dilma Rousseff, coisa que era dada como certa pelos porta-vozes mais estridentes do "mercado", tanto os formais como os informais.
Porém, caso confirmada, a indicação não deixa de ser um sinal a respeito do que a presidente eleita pretende em relação ao BC. Tombini era dado como sucessor de Henrique Meirelles desde pelo menos o ano passado, quando o atual presidente do Banco Central discutia seu destino na política partidária. De certo modo, Tombini é um sinal de continuidade da política monetária.
Mas de qual política monetária?
Tombini ganhou projeção no BC no segundo governo Lula, quando se tornou praticamente o "segundo" de Meirelles. Teve, pois, o aval do presidente do BC, mas não apenas. Sua ascensão foi em parte resultante do conflito que se inflamava, entre o BC e o Ministério da Fazenda comandado por Guido Mantega.
Na transição do primeiro para o segundo reinado de Meirelles, saíram do BC nomes como Afonso Bevilaqua, diretor de Política Econômica, tido como "radical", "ortodoxo", conservador" ou o insulto que se prefira. Bevilaqua tinha convicções fortes, sempre foi incisivo na expressão de suas ideias e era, francamente, detestado na Fazenda. Dentro do próprio BC, entrou em conflito com Tombini, também de personalidade forte, que seria menos "conservador" em relação a juros do que Bevilaqua. A Fazenda fez de Tombini seu aliado. O processo de mudança ganhou força em 2007.
No início de seu segundo governo, Lula tentou pacificar as relações entre BC e Fazenda, ou pelo menos quis aparar arestas. Mantega, na Fazenda, baixou o tom das críticas e passou a lidar melhor com Meirel- les, com quem, afinal, sempre teve boas relações pessoais. Meirelles, discretamente, foi mudando a diretoria do BC, substituindo quadros mais "duros" por nomes mais "pragmáticos". Com as saídas de Mário Torós e, recente, de Mário Mesquita , a transição se completou.
O Banco Central se tornou mais "heterodoxo"? Não, isso é obviamente besteira. Tornou-se menos "técnico"? Não, embora a direção conte com menos quadros acadêmicos. Tornou-se mais "pombo", "tolerante" com a inflação? É o que parte dos economistas de bancos, consultorias e do "mercado" em geral diz. O zum-zum-zum cresce em meio à polêmica sobre a necessidade de um novo ciclo de alta de juros. O mercado acredita que o BC "errou" ao interromper a alta da Selic, pois a trégua da inflação em meados do ano era apenas passageira.
A atual direção do BC parece de fato mais pragmática, mais inclinada a observar os sinais concretos dos preços, entre outros, do que afeita a acreditar em estimativas teóricas e conservadoras. Pelo menos, é o que parece até aqui.
Mas Tombini é um economista sério, bem formado; apesar de parecer tímido, é muito opinionado, assertivo e, nem é preciso dizê-lo, não gosta de inflação. E não parece nada inclinado a tolerar influência indevida na administração da política monetária. Isto é, na autonomia do BC, pelo menos no sentido que a palavra autonomia teve nos anos Lula, em especial no segundo mandato.
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