A namoradinha
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/11/10
RIO DE JANEIRO - Passando outro dia pelos fundos de um hospital em Botafogo -uma longa parede branca-, vi a pichação: ELEIÇÃO NÃO! REVOLUÇÃO SIM! Assim mesmo, em caixa alta e com exclamações, como se o autor a estivesse gritando para as massas, do alto de uma sacada ou de um tanque. Em baixo, a assinatura, também em maiúsculas: FRENTE REVOLUCIONÁRIA.
Ao ler isto, enterneci-me quase a ponto de derreter. Primeiro, porque -tão raro!- eram frases da língua portuguesa: "Eleição, não; revolução, sim!". (Eu teria sido mais generoso do que ele nas vírgulas, mas isto não o desabona.) Há tempos não vejo alguém usar as paredes para dizer alguma coisa. O que mais vejo, ou só vejo, são os garranchos incompreensíveis desses ágrafos que picham as alturas mais absurdas dos prédios para compensar sua carência sexual.
Mas não neste caso. O autor da pichação em Botafogo tem o que dizer. Ele não se iludiu com a recente eleição presidencial, nem mesmo com a vitória de Dilma Rousseff. Está convencido de que, como Lula, Dilma fará toda espécie de acordo com as abomináveis elites. E, no seu ardor, ele quer soluções imediatas para a miséria, a fome, os monopólios, o FMI, a questão agrária, o proletariado.
Pela natureza da pichação, vê-se que é alguém muito jovem, nascido talvez nos anos 90, quando já não tínhamos a ditadura, a luta armada, as prisões, a tortura, o exílio. Desde então, tem sido uma delícia ser jovem no Brasil. Mas ele não pode esperar. É a revolução ou nada.
Intrigou-me a assinatura: Frente Revolucionária. Haverá, hoje, tantos grupos revolucionários que já precisam se fundir numa frente? Acho que não, tudo parece tão calmo, não? Tenho um palpite. Esta feroz e desconhecida Frente Revolucionária é um grupúsculo -composto do pichador e de sua linda namoradinha, que ele ainda está tentando impressionar.
Um comentário:
achei o máximo a frase no muro! aqui em Salvador também vi uma dessas! Revolução já!
Postar um comentário