quarta-feira, novembro 24, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Lógica da escolha 
Miriam Leitão 

O Globo - 24/11/2010

Alexandre Tombini tem várias qualidades, mas não está sendo escolhido por elas e sim pela suposição de que será dócil ao comando da Fazenda. Com Miriam Belchior no Planejamento e Guido Mantega na Fazenda, o PT fica forte no governo e, dentro do PT, o que está sendo fortalecido é a turma dos gastadores. O problema é que a inflação está subindo.

O importante não é o nome do presidente do Banco Central, mas sim o princípio da autonomia da instituição. E ela não está garantida, apesar das declarações da presidente eleita, Dilma Rousseff, feitas até agora. Tombini está sendo escolhido na expectativa de que com uma diretoria de funcionários públicos, sem economistas de fora, possa ser fácil executar a ideia de uma coordenação entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central.

Tombini é elogiado por ex-dirigentes do Banco Central e por seus colegas: fez uma carreira brilhante e diversificada que foi da fiscalização ao departamento de pesquisas, e ao de normas. Passou três anos no FMI sob o comando de um dos melhores quadros da burocracia brasileira, Murilo Portugal. Mas o que pesou foi o pressuposto de que ele não exigirá respeito à autonomia. Com a inflação subindo e o cenário internacional se complicando, mais cedo do que se imagina o dilema vai se colocar para o governo Dilma.

Henrique Meirelles e, antes dele, Armínio Fraga, administraram com autonomia de fato a política monetária durante os três mandatos em que vigora o regime de metas de inflação. Não existe meia autonomia. Não existe coordenação possível entre Fazenda e Banco Central porque cada um tem que fazer o seu papel. O BC defende a moeda; a Fazenda defende o Tesouro da pressão dos ministérios gastadores - às vezes em aliança com o Planejamento -; e os ministérios setoriais pressionam por mais gastos. Cada um segundo a sua natureza.

Guido Mantega nos últimos dois anos inverteu a natureza da Fazenda e foi o que mais incentivou o aumento de gastos. A racionalidade fiscal tinha algum apoio no ministro Paulo Bernardo. O Banco Central decide por um colegiado do qual há muito tempo Tombini participa, mas tinha a liderança de Henrique Meirelles. Com isso, enfrentou e venceu várias brigas na hora de aplicar o amargo remédio da elevação dos juros diante dos riscos inflacionários.

Guido Mantega não só permaneceu, mas sua equipe está sendo fortalecida. Pelo menos, um dos seus subordinados, Nelson Barbosa, pode ser ministro também. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, responsável direto pelas manobras contábeis que tornaram pouco confiáveis os indicadores de superávit primário, foi convidado por Mantega a permanecer. Miriam Belchior é o PAC no Planejamento, com todo o expansionismo fiscal que o plano significou até hoje, incluindo-se alguns projetos de alto risco de estouro das previsões de custo como trem bala e Belo Monte. O risco fiscal subiu muito com as nomeações feitas até agora para o novo governo.

Apesar dos desmentidos, muito convenientes para a equipe de formação do novo governo, Meirelles foi convidado inicialmente a ficar e a conversa ficou inconclusa. Até que houve a reação furiosa de Dilma Rousseff ao pressuposto da autonomia do BC. O relevante é que se a autonomia estivesse implícita nem Meirelles a reclamaria, nem essa conversa provocaria fúria na presidente eleita, Dilma Rousseff.

Mesmo que venha a dizer que manterá a autonomia e o status ministerial do BC, o que a presidente gostaria era de mudar a forma de operação da equipe. Mas não será possível ao novo governo submeter o BC à Fazenda por um motivo com a qual não se negocia: a realidade. A inflação está subindo forte. O IPCA-15 de ontem foi mais alto do que a mais alta expectativa: 0,86%.

A inflação de serviços está em 7,4%. Nos IGPs, a inflação saiu de -2% para quase 10% em doze meses. Há uma conjugação de fatores: preços de alimentos, pressão de cotações de commodities, contratos reajustados pelos IGPs e demanda aquecida. Num relatório da MB Associados analisando cada produto, a maioria tem pressão de alta. Sobram arroz e leite com tendência de queda. Com a demanda aquecida, inflação alta, gastos em expansão e crise externa, qualquer erro cobrará um preço alto do novo governo.

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