O terror e a lei
Merval Pereira
O governo do Rio está tomando providências em diversas frentes, invadindo várias favelas controladas pela facção criminosa que estaria promovendo esses arrastões, e ao mesmo tempo o governador Sérgio Cabral pediu que a Polícia Rodoviária Federal entrasse em alerta máximo, oficialmente para ajudar no controle das vias expressas como as Linhas Vermelha e Amarela, onde têm acontecido muitos ataques dos bandidos. Na realidade, as autoridades lidam também com uma denúncia de que um caminhão de explosivos estaria sendo desviado para o Rio para atentados, o que configura o caráter terrorista das ações dos últimos dias.
Esse foi um primeiro pedido oficial do governo do Rio ao governo federal, dando a dimensão da gravidade do caso, e o ministro da Justiça ofereceu até mesmo a Força Nacional de Segurança.
Essa ação nos morros é uma reação para demonstrar à facção criminosa que não haverá recuo no combate ao crime organizado.
Além da ação terrorista coordenada para acuar as autoridades, há também a bandidagem que, expulsa dos morros, está no asfalto tentando reverter seus prejuízos.
Seria de se esperar que esse tipo de crime aumentasse nas ruas da cidade, e que muitos desses criminosos fossem para outras cidades do interior do estado, onde o índice de criminalidade tem crescido.
Inclusive porque a tática do governo é avisar com antecedência que vai invadir este ou aquele morro, dando tempo para os bandidos saírem sem resistir à chegada da polícia, para evitar um banho de sangue e colocar em risco os moradores.
Isso porque a ideia principal das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) não é acabar com o tráfico de drogas, mas sim acabar com o domínio dos bandidos sobre o território das favelas.
Interessa mais a essa política liberar as favelas para os cidadãos do que propriamente impedir o tráfico e prender os traficantes.
Mas a única coisa a fazer é continuar na estratégia de ir avançando no domínio do território ocupado pelos bandidos.
Sucessivos governos deixaram esses criminosos tomarem conta das favelas da cidade e agora para alcançar uma pacificação desses territórios é preciso devolver ao estado o chamado “monopólio da força” onde os criminosos o exercem.
O Ministério da Justiça ofereceu também vagas em presídios federais para que sejam transferidos bandidos que continuam mandando ordens de dentro dos presídios estaduais, mas, se as ameaças continuarem, será preciso a ajuda das Forças Armadas.
A tendência natural do governo, qualquer governo, é tentar reduzir o tamanho da ameaça, e é por isso que o secretário de Segurança José Beltrame, que está fazendo um excelente trabalho, diz que essas ações são feitas por uma facção criminosa pequena que não se conforma com a perda de espaço para suas ações nos morros da cidade.
Pode ser, mas o que estamos vendo são ações coordenadas, como se fossem treinadas com o objetivo único de causar impacto na população.
Os métodos são de ataques terroristas, com táticas de guerrilha. Tudo indica que são pessoas treinadas, muitos indícios de que há ex-soldados cooptados pelos traficantes.
Naquele episódio da tomada do Hotel InterContinental, em São Conrado, os filmes mostravam movimentos dos bandidos muito organizados, com claro preparo militar.
“Devido à existência do controle territorial armado por narcotraficantes e milícias, a retomada definitiva, com a retirada das armas, é uma questão estratégica e não tática”, afirma um trabalho da Casa das Garças, um instituto de estudos do Rio, já abordado pela coluna, sobre as favelas do Rio.
O trabalho chegou à conclusão de que “o Estado e a sociedade civil estão presentes nas favelas. A ausência do Estado ocorre apenas em uma função: o policiamento ostensivo. Porém, esse é o ponto primordial para que todos os demais direitos e equipamentos sejam acessados”.
O estudo indica como ações prioritárias após a “retomada definitiva e a pacificação”, entre outras, a formalização dos negócios e a regularização da situação fundiária e do habite-se.
O mesmo grupo prepara-se agora para analisar as experiências de regularização de títulos em diversos países. No Rio, há uma ação bem-sucedida do Instituto Atlântico dando títulos de propriedade à comunidade do Cantagalo, um morro incrustado entre Copacabana e Ipanema.
O economista Sérgio Besserman, que já foi presidente do IBGE, também acha, como já registramos aqui na coluna, que o principal serviço público que o estado está deixando de oferecer as populações dessas comunidades é a segurança, “não a segurança de não ter crime, de não ter tráfico, mas a segurança de a pessoa poder andar livremente”.
Concordando com o objetivo básico das UPPs, Besserman acha que, “se vai ter tráfico em Botafogo, em Copacabana, no Recreio, combatam o tráfico com inteligência. Mas a rua, a praça, o poder têm que ser do povo, através do estado”.
Se a situação chegar ao ponto de o governo estadual ter de pedir a intervenção das Forças Armadas, haverá uma nova situação, isso porque o Exército ganhou poder de polícia para ações urbanas em recente reforma do sistema de defesa nacional, mas não está claro se ele pode exercê-lo nas cidades ou apenas nas fronteiras, no combate ao contrabando de armas e drogas.
A atuação das Forças Armadas nos conflitos urbanos sempre foi um tema polêmico, e, embora seja cada vez maior a certeza de que as tropas brasileiras estão preparadas para agir em favelas do Rio de Janeiro, depois da experiência de campo nas favelas de Porto Príncipe, há ainda dúvidas sobre até que ponto elas poderiam atuar na repressão ao crime organizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário