segunda-feira, fevereiro 08, 2010

RICARDO NOBLAT

Idiota imperfeito

O GLOBO - 98/02/10


esta altura, por tudo que se sabe, é quase irresistível a tentação de chamar de corrupto o governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal.

Ele foi apontado pela Polícia Federal como “chefe de uma organização criminosa” responsável pelo mensalão do DEM. Mas a polícia diz o que quer, escreve o que quer e não vai presa. No meu caso

Nunca fui preso pelo que escrevi.

Muito do que escrevi foi censurado na época da ditadura militar de 64. Quanto a ser processado, o depoente reconhece que foi mais de uma dezena de vezes. Condenado? Só uma — e por negligência do meu advogado. Paguei R$ 20 mil como forma de reparar a honra de um ex-deputado distrital de Brasília preso mais tarde por grilagem de terra.

Outro dia, Arruda distribuiu nota afirmando que me processará por que eu o acusara de oferecer R$ 4 milhões para cada deputado disposto a votar contra seu impeachment.

Leu errado. Publiquei no blog que a oferta partiu do “esquema interessado” em mantê-lo no cargo.

Fazem parte do “esquema” empresários de Brasília que lucraram milhões com obras superfaturadas. Acho até que Arruda não sabia...

Se cedesse à tentação de taxálo de corrupto seria processado na hora. Como só cabe à Justiça resolver essa parada — se quiser e quando quiser —, por ora prefiro me referir a Arruda como um idiota. Um rematado idiota.

Ou melhor: um idiota imperfeito.

Idiota é quem comete uma burrice por descuido ou ignorância. O imperfeito idiota comete a burrice porque se julga inteligente demais, esperto demais.

Logo depois de se eleger governador em 2006, Arruda soube que havia sido filmado recebendo dinheiro vivo durante a campanha. Quem lhe contou? Durval Barbosa, o autor do filme, responsável pelo pagamento de despesas da campanha de Arruda. Na ocasião, Durval se desculpou: “Eu tenho de me defender...”.

O filme permaneceria inédito se ele ganhasse um cargo no futuro governo.

Não um cargo qualquer.

Mas um com direito a foro privilegiado. Durval coleciona processos desde o governo de Joaquim Roriz, seu mentor. Quem tem foro privilegiado costuma escapar mais facilmente de condenações.

Daí... Daí que Arruda nomeou Durval secretário de Relações Institucionais.

E ao invés de isolá-lo em seguida, deixou-o cuidar do pagamento do mensalão.

Durval passou então a filmar todo mundo.

Em setembro último, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitou mais um processo contra Durval. Arruda prometera dar um jeito para que o processo fosse recusado. Sentindo-se traído, Durval abriu sua filmoteca, sacou de lá 30 vídeos e estragou para sempre a vida de Arruda. Foi a primeira idiotice cometida pelo governador — confiar em quem o chantageara antes e estocava munição para detoná-lo.

A segunda monumental idiotice: tentar se entender com o jornalista Edson Sombra, o amigo de Durval que mais o incentivou a despachar Arruda para o inferno. Sombra diz que Arruda lhe ofereceu R$ 3 milhões.

Em troca, ele deveria desqualificar os vídeos dizendo que foram adulterados.

Arruda alega que foi procurado por Sombra atrás de favores, e que se recusou a atendê-lo.

Ambas as versões podem conter furos — mas a de Arruda é uma peneira. O deputado Geraldo Naves (DEM) confirma que visitou Sombra a pedido de Arruda.

Confirma também que entregou a Sombra um bilhete escrito por Arruda onde ele suplica a certa altura: “Quero ajuda”. Weligton Moraes, secretário de Comunicação do governo, confirma que Arruda e Sombra conversaram por telefone.

Que Arruda aja como um idiota imperfeito é problema dele. Mas que queira nos fazer de idiotas, alto lá! Primeiro o dinheiro filmado com ele era para a compra de panetones. Agora, tudo não passou de mais uma armação de Durval. Foi o sobrinho e secretário-particular de Arruda que providenciou o dinheiro entregue a Sombra. Corrupção, não, mas idiotice é crime imprescritível.

Só por isso Arruda merecia estar preso.

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