O NOTICIÁRIO sobre as enchentes que têm assolado São Paulo nos últimos meses, embora intenso e, em geral, bastante esclarecedor, tem alimentado alguns mitos, que precisam ser apontados. Vamos tratar aqui de três deles. O primeiro garante que as cheias se devem à falta de piscinões previstos em plano diretor elaborado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee). Outro atribui as enchentes ao aumento da vazão das represas. Um terceiro assegura que a limpeza e a canalização de córregos têm agravado as inundações. O Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê foi elaborado pelo Daee em 1998, contendo ações para o problema da drenagem na região metropolitana até o ano de 2020. Ele previa, entre outras coisas, a implantação de piscinões em toda a região, de forma a conter a vazão despejada no Tietê nas cheias. O governo do Estado já entregou, desde então, 26 piscinões, dos quais 6 na gestão José Serra. Outros quatro estão em obras. Somados aos 19 feitos pelas prefeituras, são 45 piscinões em operação, que podem acumular mais de 8 milhões de metros cúbicos de água -60% da capacidade prevista para 2020. Assim, quando se afirma que a execução do plano é baixa, como fez esta Folha, erra-se duplamente: ao omitir que as metas são para 2020 e ao fazer um cálculo enganoso, baseado no número de piscinões, e não na sua capacidade total. O efeito da vazão das represas operadas pela Sabesp também tem sido abordado equivocadamente, nesse caso por razões político-eleitorais. Essas represas existem para armazenar água e garantir o abastecimento de milhões de pessoas. Cumprem também um papel fundamental no controle das cheias, retendo boa parte da água que recebem. Elas são operadas conforme normas da Agência Nacional de Águas (ANA), órgão federal, e do Daee, do Estado, que determinam, por exemplo, o nível a partir do qual se deve liberar a água acumulada, por meio da abertura de comportas ou naturalmente, por um vertedouro. Isso é necessário para garantir a segurança de suas estruturas, evitando que as barragens se rompam. A água liberada nessas situações é insuficiente, por si só, para causar grandes inundações: a vazão dos afluentes do rio tem impacto bem maior. Em Atibaia, a cheia de 13/12 ocorreu quando a represa operava normalmente, sem verter água. Chega-se a dizer que a Sabesp deveria ter se antecipado às chuvas, iniciando o descarregamento de água em meados do ano passado, de forma a evitar o excesso de capacidade atual. Mas liberar a água de uma represa com níveis normais é uma medida irresponsável: implica o risco real de afetar o abastecimento de milhões de pessoas. A própria região de Atibaia já sofreu e reclamou da estiagem em anos anteriores. Outro mito -este uma aberração muito especial, propagada com base em declarações de uma suposta "especialista" em hidrologia- é o de que o programa Córrego Limpo teria aumentado as enchentes, como afirmou reportagem desta Folha no dia 29/1. Ora, procurou-se estabelecer uma relação causal sem nem mesmo citar a causa principal e inequívoca das enchentes: o volume recorde de chuvas na capital nos últimos meses. Com ou sem as obras, haveria o risco de mais inundações. Omitiu-se, por outro lado, que a regularização de 42 córregos foi uma conquista enorme: não há mais esgoto a céu aberto, moradias de risco foram removidas e os bairros receberam equipamentos urbanos. Embora seu objetivo não seja a prevenção das cheias, essas obras amenizam os seus efeitos, devido à redução da erosão das margens, remoção de lixo e implantação de áreas verdes e pisos permeáveis. Em São Paulo, a construção de piscinões segue acelerada: em 14/1, foi inaugurado o piscinão Sharp, o segundo maior do Brasil -infelizmente não noticiado pela imprensa. O investimento no desassoreamento do Tietê só aumentou: entre 2007 e 2009, foi, em média, de R$ 53,7 milhões -62,7% superior a 2006-, e será duplicado neste ano. O parque Várzeas do Tietê, que já está em obras e terá 75 km de extensão, ajudará a recuperar a várzea do rio e preservar áreas verdes. Isso sem falar nas ações de emergência, garantindo apoio técnico e verbas adicionais para que as prefeituras possam identificar e remover moradias de risco, limpar córregos e conter encostas. Sem tudo isso, as consequências dessas chuvas atípicas -as maiores em 70 anos- seriam bem piores.
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