O tribunal racial da UnB
O Globo - 20/11/2009 |
Você já ouviu falar de Tribunal Racial? Só na Alemanha, nos tempos de Hitler? E no Brasil? Pois saiba que em Brasília, a poucos metros da Corte Constitucional, a UnB resolveu instalar uma Comissão Racial, de composição secreta, que, com base em critérios secretos, define quem é branco e quem é negro no Brasil. Desnecessário comentar sobre o verdadeiro massacre ao princípio da igualdade, da razoabilidade e da dignidade da humana. Em pleno século XXI, o item 7, e subitens, do Edital n o02/2009 do vestibular Cespe/UnB ressuscitou os ideais nazistas, hitlerianos, de que é possível decidir, objetivamente, a que raça a pessoa pertence. Em outras palavras: será constitucional que uma comissão composta por pessoas arbitrariamente escolhidas pelo Cespe diga a que raça alguém pertence? Quais são os critérios utilizados? Em um país altamente miscigenado, como o Brasil, saber quem é ou não negro vai muito além do fenótipo. Após a Nigéria, somos o país com maior carga genética africana do mundo! Nesse sentido, importa mencionar a recente pesquisa de ancestralidade genômica realizada em líderes negros brasileiros pelo geneticista Sérgio Pena. Na ocasião, observou-se que a aparência de uma pessoa diz muito pouco em relação à ancestralidade. O sambista Neguinho da BeijaFlor, por exemplo, possui 67,1% de ascendência europeia. A mesma coisa pode ser afirmada em relação à ginasta Daiane dos Santos e à atriz Ildi Silva, nas quais a ascendência europeia é maior do que a africana. Assim, no Brasil, há brancos na aparência que são africanos na ancestralidade. E há negros, na aparência, que são europeus na ascendência! O professor Sérgio Pena, no estudo denominado Retrato Molecular do Brasil, chegou à conclusão de que, além dos 44% dos indivíduos autodeclarados pretos e pardos, existem no Brasil mais 30% de afrodescendentes, dentre aqueles que se declararam brancos, por conterem no DNA a ancestralidade africana, principalmente a materna (a medicina comprova a história de miscigenação precoce). Nessa linha, infinitos são os questionamentos possíveis em relação aos critérios segregatórios (se é que existe algum critério) de definição racial utilizados pela tal comissão. Por exemplo: quantos por cento de ancestralidade africana fazem alguém ser considerado negro? E se a pessoa for africana na ancestralidade, mas branca na aparência, e nunca tiver sofrido preconceito e/ou discriminação, isso faz com que ela também possa ser beneficiária da medida? E se o indivíduo negro estrangeiro tiver acabado de chegar ao Brasil para aqui ser residente, ele também pode ser beneficiário da política? E se o negro não descender de escravos, terá direito? E o branco na aparência que comprovar descender de negros escravos, poderá ter acesso privilegiado? E o negro que descender de negros que possuíram escravos, também poderá ser beneficiário? Por outro lado, admitir que uma “Banca Racial” decida quem é negro no Brasil, utilizando-se de critérios arbitrários e ilegítimos, lastreada em perguntas do tipo “Você já namorou um negro?”; “Você já participou de passeatas em favor da causa negra?”, é totalmente ofensivo a os princípios da igualdade, moralidade, publicidade e autonomia universitária. A questão que se levanta não é superficial: se não se pode definir objetivamente os verdadeiros beneficiários de determinada política pública, então sua eficácia será nula e meramente simbólica. De fato, a estupidez humana parece não encontrar limites. |
3 comentários:
A Dra. Está certíssima.
Dou-lhe meus parabéns pela clareza de pensamento e pela defesa dos direitos dos excluídos, sejam pretos, brancos, amarelos, etc...
As cotas devem existir sim, para aqueles que vivem em uma situaçao social difícil, sejam de que cor o forem !
Fiz minha monografia sobre ações afirmativas, e lí o livro da procuradora Roberta Fragoso, e, sinceramente, a posição mais coerente é a afirmada por essa jovem jurista.
Acentuar a cor para a obtenção de alguma vantagem é tão hediondo quanto evidenciá-la para justificar qualquer aberração ou atrocidade em razão disso.
Que o STF saiba separar o jóio do trigo e permitir as Ações Afirmativas por um critério diferenciador objetivo.
Não vejo problemas com a implementação da proposta do governo.
Não é o ideal, nem o definitivo, mas é o mais facilmente aplicável.
É um começo significativo, para uma questão importante que aguardou séculos por alguma providência eficaz.
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