Mais bem contada
O GLOBO - 20/11/09
Perto de mim, alguém reclama: “Por que tanto destaque para história velha? Já não se sabia há muito tempo que esse Rubens Paiva foi morto na cadeia?” É, sabia-se, sim. Mas não com os detalhes aparentemente incontestáveis expostos num documentário exibido ontem num festival de cinema em Brasília.
A família de Paiva há muito tempo descobriu que ele fora torturado e morto pelo DOI-Codi, órgão militar de repressão. Mas o cineasta Jorge Oliveira obteve arrasador depoimento de Marival Chaves, que serviu no DOICodi como sargento do Exército.
Segundo contou Marival, sem constrangimento algum, Paiva foi morto com uma injeção de matar cavalos — e seu corpo foi esquartejado.
Essa era a rotina do DOI-Codi. Com o dado agravante — como se algo possa tornar o episódio mais macabro — de que os agentes faziam apostas sobre quantos pedaços seriam produzidos pelos esquartejamentos.
Há, sim, motivos para relembrar, com esses detalhes todos, a tragédia do deputado. As Forças Armadas de hoje não têm o que temer com a revelação dos crimes cometidos naquele tempo, em nome do combate a movimentos e pessoas que se opunham ao regime.
As fardas são as mesmas, mas estão a serviço de ideias e métodos de ação radicalmente diferentes daqueles do regime militar.
Quando o país começou a voltar para a democracia — num projeto orquestrado e conduzido pelos próprios militares — houve, como se sabe e também lembra o ex-agente Chaves, um esforço para eliminar registros e outras provas de torturas e assassinatos de presos.
A tentativa foi bem-sucedida em parte; só em parte. Os detalhes sobre o caso de Rubens Paiva — um civil, é bom lembrar, sem ligações sabidas ou provadas com grupos empenhados em ações violentas contra o regime — mostram como é difícil engavetar a verdade. E há muito tempo, vale a pena registrar, não há registro de esforços nesse sentido.
De qualquer forma, os dados macabros sobre a morte de um deputado há quase 40 anos são importantes pela simples razão de que tornam o registro daqueles tempos mais completos.
E a História do Brasil sempre ganha — principalmente quanto às lições que produz — quando fica um pouco mais bem contada.
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