quinta-feira, abril 18, 2019

A crise ignorada por Bolsonaro - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/04

É preciso ser generoso para classificar apenas como medíocre o desempenho econômico do Brasil. E nem a equipe econômica projeta algo além da mediocridade

Travada pela insegurança de empresários e consumidores, a economia cresceu apenas 1,1% nos 12 meses terminados em fevereiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Inicialmente medíocre, esse foi o ritmo de expansão registrado em 2017 e repetido em 2018, os dois primeiros anos depois da recessão. Ainda sem sinal de melhora a curto prazo, o ritmo se manteve no primeiro bimestre, com resultados muito ruins na maior parte das atividades. Nesta altura, no entanto, é preciso ser muito generoso para ainda classificar apenas como medíocre o desempenho econômico do Brasil. Se o presidente Jair Bolsonaro pelo menos mostrasse alguma preocupação diante desse quadro, seria mais fácil acreditar numa rápida mudança. Mas deve sobrar pouco tempo para isso, quando o presidente da República se dedica a intervir na gestão da Petrobrás e a mimar os líderes de uma categoria descontente com as condições de mercado – a dos caminhoneiros (ver o editorial O presidente ‘entendeu’). Quem estará contente?

Mais atenta que seu chefe às precárias condições do País, a equipe econômica estima em apenas 2,2% o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Essa estimativa é pouco melhor que a do mercado, inferior a 2%. Os números conhecidos ou estimados até agora tornam muito difícil projetar um resultado muito melhor que o do ano passado.

Em fevereiro a atividade foi 0,4% inferior à de janeiro, segundo o Monitor do PIBelaborado pela FGV. Construído mensalmente e bastante detalhado, esse indicador tem antecipado com notável aproximação as contas nacionais divulgadas a cada trimestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A queda do PIB em fevereiro reflete o mau desempenho dos três grandes setores produtivos – indústria, agropecuária e serviços. De acordo com as séries do Monitor, houve recuos de 0,4% na agropecuária e de 0,1% na indústria e estabilidade nos serviços, na passagem de janeiro para o mês seguinte. Quando se decompõe o setor industrial, encontram-se um pequeno crescimento (de apenas 0,1%) na indústria de transformação e uma queda de 10,6% na de extração mineral. Este último dado é claramente explicável pelo desastre da Vale em Brumadinho.

Mesmo com um desempenho normal no segmento extrativo, no entanto, o conjunto ainda seria ruim, com números abaixo de medíocres na indústria de transformação e pouca ou nenhuma melhora no emprego e no consumo.

O quadro continua pouco animador quando se consideram períodos mais longos. O resultado é nulo quando se compara o trimestre móvel terminado em fevereiro com o de setembro-outubro-novembro. O confronto com igual trimestre de um ano antes mostra um PIB apenas 1% maior, com aumento de 1,2% na agropecuária e de 1,5% nos serviços e recuo de 0,5% na indústria.

A fraqueza da indústria de transformação, com recuo de 1,1% nesse confronto, é especialmente preocupante. As fábricas são muito importantes para a geração de empregos de qualidade e para a transmissão de estímulos e de tecnologia a outros setores e segmentos de atividade. O presidente, no entanto, tem mostrado pouca sensibilidade a considerações desse tipo e a preocupações com a qualidade do crescimento econômico e do emprego gerado.

Se fosse mais sensível a esse tipo de problema, talvez se dedicasse mais às tarefas necessárias para destravar o consumo, a produção, o investimento e a contratação de mão de obra. Cuidar mais seriamente da aprovação da reforma da Previdência seria uma dessas tarefas. Isso envolveria um interesse maior pela consolidação e pela coordenação de uma base de apoio no Parlamento.

Enquanto o projeto mais urgente do governo continua quase travado na Comissão de Constituição e Justiça, por falta de ação de uma base sólida e minimamente coordenada, pioram as expectativas em relação à economia. Nem a equipe econômica projeta algo além da mediocridade até 2022, fim deste mandato presidencial, como evidenciou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Alguém terá falado sobre esse projeto ao presidente Bolsonaro?

Perdendo a confiança- CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 18/04

Sequência de problemas reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar política econômica tão apoiada


Não está errado dizer que a Petrobras perdeu R$ 32,4 bilhões quando o presidente Bolsonaro suspendeu o reajuste de 5,7% que a estatal anunciara para o preço do diesel.

Mais correto, porém, é dizer que os acionistas da Petrobras perderam todo aquele dinheiro. E não foi apenas por causa dos 5,7%.

Ações caem quando há mais investidores vendendo do que comprando os papéis. E quem vende é porque perdeu confiança. Em geral, só os grandes investidores fazem esses movimentos rápidos. Os outros, entre os quais se incluem quase todos os brasileiros que têm alguma poupança, só podem reclamar ou lamentar. Todos, portanto, perdem dinheiro e confiança.

E quem são os acionistas?

O próprio governo federal, por exemplo. O BNDES tem em sua carteira algo como R$ 40 bilhões em papéis da Petrobras. A Caixa, uns R$ 10 bi. Só aí, portanto, o governo perdeu R$ 4,5 bilhões naquele dia (desvalorização dos papéis de uns 9%).

É dinheiro. Ainda nesta semana, o governo disse que o BNDES vai emprestar R$ 500 milhões para os caminhoneiros comprarem pneus. E que vai procurar no orçamento uns R$ 2 bilhões para arrumar rodovias. Acharia ali na carteira de ações.

Claro que as ações podem recuperar valor — se a Petrobras conseguir reaplicar o aumento do diesel ou se descobrir um baita campo de petróleo ou se o preço internacional do óleo subir — mas a desconfiança permanece.

A versão oficial diz que o presidente Bolsonaro não mandou cancelar o reajuste do diesel. Apenas pediu para suspendê-lo porque estava confuso e queria entender melhor o sistema de preços da Petrobras.

Com todos esses anos de jornalismo, a gente sabe desconfiar de uma versão oficial. E também sabe apurar nos bastidores.

Assim, com boa vontade, podemos fazer duas hipóteses. Primeira, o presidente de fato não entendia o sistema de preços da Petrobras e ficou confuso com o aumento. Segunda, entendia perfeitamente e mandou suspender o aumento porque ficou sabendo da bronca dos caminhoneiros.

Em qualquer caso, é complicado, digamos. Esse assunto dos reajustes da Petrobras não é de hoje. Vem de mais de ano, foi discutido na greve dos caminhoneiros (aliás, apoiada por Bolsonaro) e debatido na campanha eleitoral. Como o presidente poderia não saber?

E se sabia, mandou cancelar o reajuste para, ouvindo as ruas, como disse Paulo Guedes, atender à reivindicação dos caminhoneiros. O que significa que a política econômica liberal tem limites. Até onde?

Tem uma terceira questão: será que o presidente nem desconfiava das consequências de seu ato, a enorme perda de valor da Petrobras?

Acrescente-se ao cenário a confusão na tramitação da reforma da Previdência. Claro que não é um problema grave que a votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tenha sido adiada para a próxima terça-feira. Mas, caramba, como os líderes governistas não conseguem administrar uma votação que não é das mais difíceis?

Tudo considerado, as expectativas estão piorando. Estavam bastante elevadas logo após a eleição de Bolsonaro e subiram ainda mais quando se formou a equipe de Paulo Guedes. Mais ainda com as juras de reformas macro e micro e privatizações em massa, além de autonomia das estatais e agências.

Aí surgem os “pequenos” problemas. Algumas péssimas escolhas ministeriais, brigalhada dentro do governo, lideranças ineficientes no Congresso, caneladas nos políticos, os da velha e da nova, ataques a Rodrigo Maia, o grande defensor das reformas econômicas, o caso Petrobras, as derrotas na Câmara.

Tudo coisa que pode ser consertada, mas a sequência certamente reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar a política econômica tão apoiada.

Não é por acaso que as expectativas de crescimento para este ano são cada vez menores.

quarta-feira, abril 17, 2019

Orçamento 2020, um cenário de desastre - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 17/04

Previsão sugere que governo vai parar se não der 'tudo certo'

Quem lê as previsões de receita e despesa do governo federal nos próximos anos até 2022 conclui que o país está a caminho de alguma explosão, talvez várias.

Se não passar uma reforma da Previdência integral e, de quebra, se não entrar um dinheiro grosso extra, muitas das poucas obras restantes e partes da administração pública vão parar em 2021, quem sabe antes. O gasto discricionário, aquele que o governo está “livre” para fazer ou não, o que inclui investimento em obras, cairia uns 45% do realizado em 2018 até o estimado para 2022. O governo para.

Não chega a ser grande novidade, mas o roteiro do desastre está documentado no aparentemente burocrático “Anexo 4.1, de Metas Fiscais Anuais”, do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020,enviado nesta semana ao Congresso.

Primeiro alerta: na projeção do “Anexo 4.1”, a receita líquida do governo federal cai a partir deste ano e sem parar até 2022, como proporção do PIB. Isto é, a receita cresceria ainda menos do que a economia. É uma estimativa conservadora, no sentido de não ser otimista, o que em geral é conveniente quando se faz um Orçamento. Mas os motivos para o conservadorismo da projeção não tranquilizam ninguém.

“No atual momento ... observa-se um cenário em que a recuperação da arrecadação está atrelada fundamentalmente ao crescimento da economia, haja vista não se vislumbrar, nas projeções até 2022, retomada de medidas não recorrentes como as utilizadas no passado recente”. Isto é dinheiro de repatriação de capital que fugiu de maneira ilegal e de vários “Refis” (dívidas tributárias refinanciadas) ou receitas de concessões e dinheiro extra com royalties de petróleo e gás, por exemplo.

Alguém pode dizer que algum tutu de concessões entrará. O pessoal do governo preferiu não arriscar um valor.

Algum crescimento de despesa será contido com alguma reforma da Previdência, sabe-se lá quanto. No máximo, os economistas do governo presumiram que não se vai gastar dinheiro extra com reajustes reais do salário mínimo. Hum.

Sem reforma e sem dinheiro extra, o governo terá de fazer cortes progressivos. Quais? Alguma redução real do valor gasto com salários de servidores. Um talho brutal, mais da metade, do quase irrisório dinheiro despendido atualmente em obras. Cortes de serviços outros do governo.

Como se explica lá no Anexo 4.1, o crescimento da despesa obrigatória (em especial Previdência) “...tende a precarizar gradualmente a oferta de serviços públicos e a pressionar, ou até mesmo eliminar investimentos importantes” dado o teto de gastos.

Reformas da Previdência, dos impostos, administrativa, abertura comercial e privatizações tendem a provocar um aumento de receita, escreve-se lá no Anexo 4.1, mas nada disso é dado como certo, ovos na cesta.

Parece óbvio, pois, que a disputa social e política pelos recursos mínimos do governo vai ficar ainda mais crítica, se não explosiva.

Agora mesmo, caminhoneiros e ruralistas querem algum tipo de subsídio. Empresas da construção civil reclamam que o governo invista algum em obras de casas, por exemplo.

O congelamento do valor real do salário mínimo, medida que contém um pouco da despesa previdenciária, tende a provocar reações sociais e foi recebido com chiadeira no Congresso.

É preciso que dê tudo muito certo para que as previsões assustadoras do Anexo 4.1 estejam erradas.

“Tenso”, como dizem os jovens.

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA

E se Guedes pegar fogo? - ELIO GASPARI

O GLOBO - 17/04

Se o ‘Posto Ipiranga’ fechar, todo mundo perde, mas a questão é saber como será possível mantê-lo aberto


Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu “Posto Ipiranga”, sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.

Nos últimos 60 anos o Brasil teve doze presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o “Posto Ipiranga” precisará de astúcia, disciplina e rigor.

Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito, e o caminhoneiro “Chorão” prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do “Posto Ipiranga”.

Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.

Se o “Posto Ipiranga” pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do Vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.

Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio.

A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto, Armínio Fraga? Falta combinar com ele.

Em 1979 o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-o desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a Praia do Leblon.

Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.

—Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?

—Presidente, eu estou indo embora — respondeu Simonsen.

O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil.

terça-feira, abril 16, 2019

A falta que a política faz - FERNÃO LARA MESQUITA

O Estado de S.Paulo - 16/04

Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem tem o poder

Além das seguidas capitulações espontâneas do presidente, o que mais tem comprometido a reforma da Previdência é a “embriaguez da onipotência numérica” vivida pela família Bolsonaro. Tratase de uma confusão que decorre do encantamento com a contagem de números absolutos revelados pelo súbito destampar de panelas há muito forçadamente lacradas, operado pelo aprendizado no uso das redes sociais, que tem levado a trágicos erros de avaliação política pelo mundo afora, da Primavera Árabe em diante.

Depois do salto proporcionado pela ânsia do Brasil de se livrar da venezuelização que elegeu Bolsonaro, as pesquisas indicam uma volta da opinião pública ao leito da normalidade. Cada vez mais as manifestações de radicalismo só repercutem no gueto da direita incondicional, que não precisa ser conquistada, pois já é e nunca deixará de ser dele, assim como os 30% da esquerda incondicional foram do PT e são hoje dos seus sucedâneos. Para tudo mais elas só prejudicam. Como chegar a 308 deputados (partindo dos atuais 190) mais 49 senadores que a reforma requer carimbando qualquer conversa com eles como “prova” de corrupção?

A próxima parada, diz Paulo Guedes, é o Novo Pacto Federativo que reservará 70% do dinheiro dos impostos para Estados e municípios e 30% para a União. A distribuição do dinheiro dos impostos em consonância com a quantidade de assistidos por cada ente de governo, entretanto, é produto, onde ocorre, de um arranjo político revolucionário, e não o contrário. Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem tem o poder. É uma lei da natureza. Logo, para inverter a distribuição do dinheiro é preciso antes pôr o povo no poder.

O federalismo foi o arranjo institucional que deu consequência prática a essa inversão. A fórmula que criou governos dentro de governos, cada um deles soberano na sua esfera de atuação, mas dividido em três Poderes encarregados de filtrar as decisões uns dos outros, foi, pela primeira vez na História da humanidade, uma teoria criada para ser posta imediatamente em prática estritamente dentro da característica pragmática da cultura anglo-saxônica. Não para “criar uma nova humanidade”, à latina, mas para resolver um problema específico: como montar um esquema funcional para transferir o poder do monarca absolutista humano para o conjunto da população, também humana, e evitar o retorno à condição anterior de opressão, agora por uma maioria. Esse o ponto a que chegou a Democracia 3.0, modelo século 18, que nós nunca alcançamos. E não foi suficiente. Ele teve de evoluir, no século 20, para a Democracia 4.0, que pôs o indivíduo reinando soberano sobre todas as outras soberanias ao reforçar dramaticamente os poderes dos eleitores antes e depois do momento das eleições, com os direitos de cassar mandatos a qualquer momento, dar a última palavra sobre as leis que se dispõem a obedecer e submeter até os juízes, periodicamente, à confirmação do seu beneplácito. Pôr o carro adiante dos bois com um eleitorado inteiramente desarmado e legalmente proibido de defender-se contra a violência legislativa e regulatória dos donos do poder (como nos querem até em relação à própria vida os radicais desarmamentistas) só levará a uma multiplicação desastrosa dos focos de corrupção.

A maior dificuldade para arrumar o Brasil não está no confronto entre visões divergentes, está em formular uma visão divergente de fato, coisa que não poderá ser aprendida na práxis política corrente, que, pela direita e pela esquerda, vive da distribuição de pequenos privilégios. Vai requerer um longo mergulho no estudo da teoria política, assunto hoje anatemizado como sintoma de propensão à corrupção, e da história da evolução da democracia, pois em todos os países os problemas foram os mesmos que enfrentamos e muitos conseguiram superá-los. Não é preciso reinventar a roda. A questão é como fazer isso num país que socializou o pequeno privilégio numa extensão inédita no mundo e todos amam o seu, cujas escolas ou estão destruídas, ou estão censuradas pelo aparelhamento ideológico, o que nos leva ao outro grande foco de ruídos dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro.

Nas democracias de DNA saxônico vigora um princípio que explica a resiliência delas e tem tudo que ver com federalismo. O controle da educação deve ficar o mais longe possível de quem já tem o controle da força armada, explicitamente como elemento básico de prevenção contra a sede insaciável de mais poder que todo poder tem.

De fato não faz nenhum sentido, senão como instrumento de perpetuação no poder, que num país continental cheio de itaocas e de megalópoles plantadas em realidades culturais, geográficas e de vocação econômica radicalmente diversas umas das outras, um único órgão centralizado, como o MEC, imponha o mesmo currículo e os mesmos métodos pedagógicos para todo mundo em todos os níveis de educação. Por isso, naquelas democracias, o controle das escolas públicas não fica sequer na mão do poder municipal, fica a cargo da menor unidade do sistema, os conselhos (school boards) eleitos por cada bairro entre os pais dos alunos que frequentarão aquela escola. Com sete membros com mandatos de quatro anos desencontrados, metade eleita a cada dois anos, são esses boards que contratam os diretores de cada escola pública e aprovam (ou não) os seus orçamentos e os seus programas pedagógicos.

Um conjunto de “distritos escolares”, o primeiro elo do sistema de eleições distritais puras, único que cria uma identificação perfeita entre os representantes eleitos e cada um dos seus representados permitindo o controle direto legítimo e seguro de uns sobre os outros, constituirá um distrito eleitoral municipal. Uma soma destes fará um distrito estadual, um conjunto dos quais dará um dos distritos federais que elegerão os deputados do Congresso Nacional.

A política, o patinho feio de todo o drama brasileiro, não pode, portanto, ser o último fator a ser considerado. Se for para curar o País, terá de ser o primeiro.

Guerra dos tolos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 16/04

Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas

O telefone toca, a pergunta vem logo a seguir. “Quais as suas expectativas sobre a última temporada da ‘Game of Thrones’?” É de madrugada, talvez umas 10 da manhã. Mas a jornalista, se entendi bem, quer saber quais as minhas expectativas blá-blá-blá?

Em estado semiconsciente, respondo: “Nenhuma”. Ela reage: “Como, nenhuma?”. Informo que nunca vi a série. Há uma pausa do outro lado, como se eu tivesse confessado a minha preferência pelo bestialismo, seguida de um “mas você está brincando”.

Digo que sim, que estou, e que as minhas expectativas são as melhores. Nem consigo dormir com tanta excitação. Desligo o celular, preventivamente, para evitar novas investidas. Regresso ao sarcófago.
Não estava a brincar. Nem sequer a conservar o meu sono estilhaçado. Nunca assisti a “Game of Thrones”. Serei normal?

Aliás, os nomes das séries “imperdíveis”, “imprescindíveis”, “incontornáveis” que nunca me tiveram como cliente dariam para cobrir a fachada do Empire State Building. O que significa que sou um pária em certos círculos, onde a “serite aguda” é a patologia da moda.

Explico melhor. “Serite aguda” é uma obsessão autoinfligida em que adultos razoavelmente sãos iniciam uma competição entre eles para descobrir quem vê a maior quantidade de séries recentes.

Mas não só. Dentro das séries recentes, a serite aguda se desdobra em vários sintomas. Um deles é saber quem viu mais episódios da série em causa e, de preferência, em quantas horas.

O vencedor sente um alívio temporário e uma sensação de superioridade que dura até ao lançamento da próxima série. O derrotado questiona se vale a pena viver.

No fundo, é uma exibição de status levada até suas últimas consequências. Houve um tempo em que os adultos se entretinham a comparar os restaurantes que frequentavam, as férias que faziam, até as notas que os filhos tiravam na escola.

Não mais. Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas.
No início, tentei brincar com o assunto. E, só para confundir, citava séries que ninguém tinha visto pelo simples fato de que ninguém tinha feito. “Você já assistiu ao ‘Mortos de Medo’, a última da Netflix?”, perguntava eu, “sotto voce”, como se revelasse a última preciosidade do universo.

O comparsa, abismado e tão morto de medo como o nome da série imaginária, dizia que não. Depois passava a palavra. Havia sempre alguém que ia no Google e desfazia o equívoco.

Hoje, opto pela verdade, só a verdade, nada mais que a verdade. “Terminei ‘Família Soprano’ há pouco tempo”, digo eu, como se proferisse uma blasfêmia. A incredulidade chega a ser humilhante. “Família Soprano”? De 1999? O que virá a seguir, meu Deus? “O Barco do Amor”? Risos alarves.

Artisticamente falando, a obsessão pela novidade não faz sentido. Basta pensar em outras expressões artísticas, nas quais o estatuto de clássico não justifica nenhuma atitude de desprezo ou repulsa.

Ler Shakespeare, escutar Bach, assistir a um filme de Hitchcock não é pior do que ler o último romance do escritor X, escutar o mais recente CD do compositor Y ou perder duas horas de vida com o filme recém-estreado do diretor Z. Às vezes, optar pelo clássico é até bem melhor —e, no meu caso, uma fonte recente de melancolia.

Sei do que falo. Todos os dias, quando entro na biblioteca da casa, passo os olhos pelos títulos que vejo nas estantes e um pensamento triste faz o seu ninho nos meus neurônios. “Já não tenho tempo para ler isso tudo.”

Verdade. Nunca tive. Nunca temos. Mas, a caminho da meia-idade, o tempo acelera como nunca e a finitude abate-se sem aviso sobre qualquer bibliófilo racional.

Traduzindo: fará sentido ler o romance “incontornável” da semana quando nunca li do princípio ao fim o “À la Recherche...” de Proust (ou, por falar nisso, o seu discípulo inglês, Anthony Powell)?

Os ansiosos das séries não me parecem racionais. Parecem-me filistinos, no sentido em que Matthew Arnold usou o termo no século 19. A cultura, para eles, não é uma forma de enriquecimento espiritual.

A cultura, sob a forma de séries de TV, é um valor meramente instrumental para exibir status. E, nesse espetáculo, o que interessa não é a qualidade; é a quantidade.

Isso significa que a “Game of Thrones” está fora do meu radar? Errado. Nada está fora. Mas é provável que só espreite o assunto em 2020, ou 2021. Ou nunca.

Há prioridades na vida. “O Barco do Amor” pode ser uma delas.

João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Mais um ano no vermelho - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - Nas entrelinhas - 16/04

“Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica”


O governo Bolsonaro prefere rosa e azul, principalmente na roupa das crianças, mas é vermelho o seu projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentado ontem: a estimativa do deficit das contas públicas no próximo ano é de R$ 124 bilhões, R$ 14 bilhões a mais do que a anterior. Ou seja, o governo está enxugando gelo em termos de ajuste fiscal, mesmo considerando a reforma da Previdência.

O outro lado da moeda é o valor do salário mínimo em 2020, que será de R$ 1.040, um aumento de R$ 42 em relação aos atuais R$ 998. Não haverá aumento real do salário mínimo no ano que vem, que será corrigido apenas pela inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Os números da LDO são um banho de realidade na retórica da “nova política”, que coleciona polêmicas no varejo. No atacado, a opção é quase o “mais do mesmo”: meta de inflação e câmbio flutuante; o superavit fiscal, premissa para a retomada do crescimento, está além do horizonte.

A economia do país está em desaceleração. Em fevereiro, registrou a maior retração desde maio de 2018, quando ocorreu a greve dos caminhoneiros, segundo os números divulgados, ontem, pelo Banco Central. Considerado uma prévia do PIB, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) registrou, em fevereiro, um recuo de 0,73%, na comparação com janeiro deste ano. O resultado foi calculado após ajuste sazonal (uma espécie de “compensação” para comparar períodos diferentes). Maio de 2018 foi marcado pelos efeitos da greve dos caminhoneiros, que resultou em um tombo de 3,11% na prévia do PIB.

A economia está travada porque o cenário macroeconômico não mudou, em grande parte, porque o presidente Jair Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica. No varejo, há sinais preocupantes de que o presidente Bolsonaro governa na contramão do projeto do atacado. O caso da política de preços da Petrobras é bastante emblemático quanto a isso.

Ao intervir numa decisão da petroleira, sustando o aumento do diesel, para atender reclamações de lideranças dos caminhoneiros, o governo meteu-se numa enrascada, porque sinalizou fraqueza e desorientação. Recuou diante de uma ameaça de greve dos caminhoneiros, que foram um esteio de sua campanha eleitoral; agiu de forma extremamente inábil, ao vetar publicamente o aumento, o que desmoralizou a diretoria da empresa e sua política de preços perante os seus investidores.

Ontem, ministros e técnicos do governo passaram o dia discutindo como consertar o estrago, enquanto o mercado aguarda uma decisão sobre o preço do diesel, que deve ser anunciada, hoje, em reunião com o próprio presidente Jair Bolsonaro. A política de concessões do governo Bolsonaro é seu ponto mais forte, administrativamente, mas está batendo no teto, enquanto o programa de concessões e os leilões de petróleo vão muito bem, obrigado. O problema são as privatizações, que estão estagnadas. Os militares ocuparam as empresas estatais e consideram muitas delas estratégicas para o desenvolvimento nacional.

Filho feio
Bolsonaro é um cristão novo do liberalismo, ao qual se converteu mais por conveniência política do que por convicção decorrente do conhecimento: já disse que não entende nada de economia. Entretanto, a política é a economia concentrada, e Bolsonaro não hesita na hora de tomar decisões com base no senso comum de suas bases eleitorais, sem medir muito as consequências, como no caso do diesel.

Enquanto administra no varejo, a inércia começa a mostrar sua cara no atacado. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados decidiu discutir a proposta que aumenta os gastos obrigatórios do governo, a chamada PEC do Orçamento, antes de debater a reforma da Previdência. A reunião havia sido convocada para discutir a reforma da Previdência. Foi uma derrota anunciada do governo, pois, desde a semana passada, os partidos do Centrão passaram a articular o adiamento do debate, enquanto Bolsonaro estava mais preocupado com as máquinas e os equipamentos dos ladrões de madeira da Amazônia apreendidos pelo Ibama.

Bolsonaro precisa reavaliar a forma como está conduzindo sua relação com o Congresso. Os partidos do Centrão, como PP, PR e DEM, apoiaram um requerimento do PT para a CCJ analisar, primeiro, a proposta sobre o Orçamento. PSDB, Novo e Patriota votaram contra a inversão da pauta. Até mesmo o PSL, partido de Bolsonaro, votou a favor da mudança. As conversas com Bolsonaro levaram os líderes desses partidos a concluírem que o presidente da República não quer colar seu nome à reforma da Previdência; no jargão parlamentar, “filho feio não tem pai”.

O dilema da responsabilidade - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 16/04

Sob o bolsonarismo, obrigatoriamente, viveremos num regime de crises

‘Crédito maligno”, a expressão concebida pelo escritor Augusto de Franco, projeta as condições para aquilo que chamarei de dilema da responsabilidade. Qual seja: a situação do indivíduo convicto da necessidade de se aprovar uma reforma da Previdência potente, mas que, ao mesmo tempo, contempla os riscos decorrentes de entregar descompressão fiscal — logo, capacidade de investimento — a um governo cuja natureza autocrática é tão evidente quanto de operação singular.

Não trato aqui de ameaça fascista nem da possibilidade de uma ditadura conforme o modelo clássico, mas de um projeto de poder autoritário cuja dinâmica, a da campanha permanente, do conflito constante, é de emparedamento da democracia representativa e de rebaixamento das instituições republicanas em prol de uma hierarquia submetida ao governante eleito.

O governo Bolsonaro é um terreno para confronto incessante. Os choques não são pontuais nem podem ser compreendidos como típicos de uma administração ainda no início, mas consistem na exata expressão do grupo bolsonarista mais influente, a autointitulada ala antiestablishment, que não existe senão forjando campos de batalha para a tal guerra cultural. O bolsonarismo, comando para combate, produto do colapso político brasileiro, precisa do fomento continuado a rupturas e da conflagração institucional regular.

Já escrevi que o sucesso de um pacote liberal pujante tracionaria as engrenagens econômicas para que o bolsonarismo pudesse brincar longamente no parquinho ideológico. Ocorre que não é brincadeira. Não nos esqueçamos de que um governo pode ser ruim — nocivo — ao ambiente democrático, à qualidade do convívio social, e, concomitantemente, bem-sucedido em matéria econômica, esse bom resultado bancando os olhos fechados à depauperação dos pesos e contrapesos que ancoram a liberdade.

A história é rica em exemplos de quando a mentalidade econômica liberal, tecnocrata, serviu a projetos autoritários de poder. Não seria novidade nem caberia atribuir ingenuidade aos liberais econômicos; mas, antes, refletir sobre se não teriam entendido que fica mais fácil avançar a agenda sob menos contraditório.

Não é mandatório que um programa econômico liberal dependa de instituições democráticas vigorosas nem é certo que liberais econômicos tenham a democracia liberal como padrão inegociável. Certo é, porém, que o bolsonarismo precisa que algo da agenda liberal encaixe como gatilho — “crédito maligno” — para o lastro material de um esquema autocrático a ser acomodado pela tranquilidade concreta proporcionada, por exemplo, pela geração de empregos.

Aí está o dilema da responsabilidade: quanto estaremos dispostos a comerciar da estabilidade — do equilíbrio — institucional em troca de uma reforma cujo impacto abriria os cofres para um governo que funciona, como regra, na lógica da colisão e que tem, por oxigênio, a necessidade de fabricar inimigos?

Sob o bolsonarismo, obrigatoriamente, viveremos num regime de crises, sob o desgaste de um tempo de imprevisibilidade e do que sempre nos parecerão exceções — a própria negação do espírito de ponderação que caracteriza a democracia. O processo de revolução reacionária bolsonarista não é mera retórica eleitoral — no sentido de que não se esgotou com a vitória nas urnas. É perene, agora vertido em guerra interna contra o establishment encrustado na máquina pública. Um governo que, melhor ou pior gestor, é sobretudo oposição.

É batalha sem fim, briga cujo cerne é a infinitude, guerrilha de mobilização cujo norte é criminalizar a atividade política para deslocar o Poder representativo, o Legislativo, tratado como força intermediária e menor, à posição de acuado que se deve encurralar sempre. Isso está dado. Não há República que prospere assim, embora não seja improvável que a economia o faça; de modo que não será ilegítimo um parlamentar pensar da seguinte maneira, o dilema da responsabilidade agravado pelo instinto de sobrevivência: “Se, sob tamanha crise e precisando de mim, o governo me trata como bandido, como me tratará quando estiver nadando em dinheiro e eu não for mais necessário?”

Como editor e jornalista, tenho pensado: devo apoiar — devo me empenhar por — uma reforma da Previdência trilionária, que sei necessária, se também sei que é a condição fundamental para o financiamento de um projeto autoritário de poder? Tenho pensado, admito, sobre se não haveria solução intermediária capaz de minimizar o problema e empurrar o enfrentamento estrutural da Previdência para uma ocasião mais saudável politicamente.

Nunca tive dúvida de que a democracia liberal — como a temos hoje — não é valor para o bolsonarismo. O ponto é que talvez seja mesmo o empecilho.

A política nacional em rotações por minuto - ANDREA JUBÉ

Valor Econômico - 16/04

A política dá voltas, e erros e pressões do passado ressurgem



Vivemos tempos estranhos em que a surpreendente fotografia de um buraco negro a 55 milhões de anos-luz da Terra, resultado inequívoco dos avanços científicos e tecnológicos, convive com a crença medieval dos terraplanistas de que a Terra é plana, e o Sol e a Lua orbitam dentro de um domo na nossa atmosfera. A Antártida ocuparia as bordas da Terra, que teria a nostálgica forma de um disco de vinil.

Contrariando os novos céticos, as evidências científicas ainda são as de que a Terra é redonda, gira em torno de si mesma, à velocidade média de 1.674 km/h para dar a volta completa em torno de seu eixo. O mesmo fenômeno se repete no estranho "planeta" chamado Brasília, conforme atestam cientistas, astrofísicos e articuladores políticos mais experientes, com milhares de horas de voo no Congresso Nacional.

Para os profissionais da Ciência Política, o mundo e a política dão voltas, em um movimento de rotação como o da Terra, de modo que a história se repete como uma constante, para recomeçar do mesmo lugar. Essa repetição dos fatos é uma oportunidade conferida aos atores políticos - que se revezam em seus papéis - para que aprendam com erros do passado.

Por esse raciocínio, nos últimos três anos, a política nacional girou e girou em torno de episódios dramáticos como um processo de impeachment, as eleições municipais, a greve dos caminhoneiros que paralisou o país, uma conturbada eleição nacional - com o clímax de um atentado a faca contra um dos candidatos - até a posse do presidente Jair Bolsonaro.

Depois de milhares de rotações por minuto, os fatos políticos voltam ao mesmo ponto de partida de 2016: ressurge o temor de nova greve dos caminhoneiros; deputados e senadores se veem novamente às voltas com a votação de uma imbricada reforma da Previdência e de uma reforma ministerial, sob as mesmas pressões enfrentadas pelo então presidente Michel Temer. Uma delas, que promete ganhar corpo nas próximas semanas, é a recriação do Ministério da Cultura.

O pano de fundo desse movimento de rotação política é a capacidade de articulação do governo. Três vezes presidente da Câmara, Michel Temer era considerado um articulador político habilidoso e profundo conhecedor das idiossincrasias do Legislativo - atributos que não se aplicam ao atual chefe do Executivo.

Apesar de toda a expertise, Temer quase viu ruir a reforma ministerial, como relembram alguns de seus aliados a propósito da iminente votação da reconfiguração da Esplanada de Jair Bolsonaro, que ocorrerá em maio, junto com a discussão das novas regras da aposentadoria na comissão especial.

A votação da reforma ministerial de Temer em 2016 foi dramática: a medida foi aprovada na Câmara na madrugada do dia 30 de agosto, após uma rebelião da bancada feminina, e perderia a validade uma semana depois. A votação só se viabilizou com a boa vontade do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que fazia oposição a Temer, mas garantiu a apreciação da matéria em meio ao feriado de 7 de setembro. Se não fosse analisada, a reforma perderia efeito e o Executivo precisaria editar uma nova proposta. Porém, a Constituição veda a reedição de uma MP derrubada pelo Congresso.

Agora a história se repete com a "MP dos Ministérios" de Bolsonaro. Assim como Temer havia escalado o líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE), para relatar a matéria, o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), assumiu a relatoria da reforma ministerial. Ele tem 541 emendas para analisar neste mês, entre as quais as tentativas de recriação dos ministérios da Cultura, da Segurança Pública, do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário.

A mesma falha de articulação que tumultua as negociações em torno da reforma da Previdência afetará a reforma ministerial, diz uma liderança da Câmara. Este parlamentar antecipa que dezenas de deputados não comprometidos com a causa da cultura pretendem endossar a emenda de recriação do ministério, apresentada pelo ex-ministro e deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), como uma "demonstração de força", uma "resposta do parlamento" à arrogância do Planalto.

Ontem a articulação política do Planalto sofreu nova derrota diante da inversão da pauta na Comissão de Constituição e Justiça para votar a proposta de emenda constitucional do orçamento impositivo antes da reforma da Previdência, que pode ficar para a próxima semana.

O setor cultural tem simpatia pelo ministro Osmar Terra, que herdou as funções da pasta, e pelo secretário de Cultura, José Henrique Medeiros Pires, que não teria autonomia no cargo.

Com Temer, a pressão pela recriação do Ministério da Cultura foi uma questão de dias, depois que o ex-presidente José Sarney e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entraram em campo.

Agora o partido de Bolsonaro tem representantes a favor da recriação do ministério, como o deputado Alexandre Frota (PSL-SP), ligado aos artistas, e bolsonarista de carteirinha. Ele fez uma postagem nas redes sociais pedindo o retorno da pasta: "Teto proposto por Bolsonaro na Lei Rouanet cortaria R$ 4,9 bilhões em 2018. Precisamos na verdade ter o Ministério da Cultura de volta. #voltaminc", publicou.

Autor da emenda, Orlando Silva alega que o setor cultural gera 2,7% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos, englobando as mais de 200 mil empresas e instituições públicas e privadas. " O deputado e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero (Cidadania-RJ) engrossa o coro: "Não há economia para os cofres públicos, é preciso uma pasta específica para a gestão e a execução das políticas culturais", reforça.

Terra redondaO ministro e astronauta Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, fez uma viagem de dez dias ao espaço em 2006, na "Missão Centenário" da Nasa. De lá, constatou que a Terra era redonda. No último dia 10, questionado em uma audiência pública sobre os terraplanistas, ele respondeu que é preciso refletir sobre coisas que existem, como inclusão, ciência e tecnologia. "Tem que pensar em ciência e tecnologia, baseado em fatos e pesquisas. Tudo que é fora disso não é para ser tratado", alertou.

"Choque de realidade: fomos enganados, de novo - SÉRVULO DIAS

GAZETA DO POVO - PR - 16/04

Fomos novamente enganados por uma tropa de ideólogos “ultraliberais” no discurso e “nada-liberais” na prática


As notícias do final da tarde da última quinta-feira (11 de abril) e seus reflexos no dia seguinte fecharam mais uma semana de bastante pessimismo em relação ao atual governo. Bolsonaro, na linguagem dos memes das redes sociais, “dilmou” novamente ao intervir na política de preços da Petrobras, vetando um aumento de 5,7% no preço do óleo diesel que a empresa oficializara horas antes. As ações da Petrobras foram fortemente penalizadas no pregão da sexta-feira, desvalorizando mais de 8% e representando uma perda total de valor de mercado superior a 32 bilhões de reais em um único dia. O mesmo efeito atingiu ações de outras estatais tais como Eletrobras, Banco do Brasil e BR Distribuidora, também potenciais reféns do populismo estatal. O movimento de rejeição às ações de empresas estatais foi tão forte a ponto de alguns fundos decidirem por “zerar” suas posições nesses papéis diante dos receios em relação à governança e ao grau de ingerência que o governo pode passar a exercer sobre essas companhias.

Não demorou até que as justificativas mais esfarrapadas começassem a surgir a partir do Palácio do Planalto e da rede de afiliados que defendem cegamente as ações do “mito”. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou em entrevista que Bolsonaro não irá “repetir” Dilma e que o recuo no diesel foi por um “bem maior”, ou seja, evitar o risco de uma nova greve dos caminhoneiros. Depois disso, Eduardo Bolsonaro defendeu que a intervenção nos preços deveria ocorrer em todos os combustíveis e que o liberalismo econômico deveria ser feito a “passos graduais”. Assim são os ideólogos. Sempre acreditam que a causa deles é mais nobre que a causa daqueles que fizeram o mesmo em outros momentos e em outras circunstâncias.

Conhecemos muito bem as mazelas causadas pelo intervencionismo estatal na formação dos preços de mercado

Vale lembrar que uma das principais bandeiras eleitorais do atual governo foi a bandeira do pragmatismo em relação a uma economia liberal. É aqui que começa o nosso choque de realidade, ou seja, fomos novamente enganados por uma tropa de ideólogos “ultraliberais” no discurso e “nada-liberais” na prática. Bastaram apenas 100 dias para que Bolsonaro nos desse evidências de que seu pragmatismo econômico liberal tem uma amplitude bastante limitada. A primeira intervenção nos preços ocorreu logo no início do governo quando Bolsonaro decidiu não retirar os impostos de importação que incidem sobre o leite em pó, alegando que tal ação seria benéfica ao consumidor brasileiro e protegendo assim a mal-acostumada indústria local, gerando um mal-estar enorme com o ministro Paulo Guedes. O caso recente envolvendo a Petrobras parece ser ainda mais grave, pois o ministro deu a entender que não foi sequer consultado por Bolsonaro sobre o tema, o que ilustra o caráter quase “absolutista” da decisão do presidente. Sabe-se ainda que Bolsonaro “convocou” a diretoria da Petrobras para que lhe fossem apresentados os argumentos que sustentem a necessidade do ajuste nos preços, o que soa altamente intervencionista.

Conhecemos muito bem as mazelas causadas pelo intervencionismo estatal na formação dos preços de mercado. A presidente Dilma Rousseff utilizava o controle artificial de preços administrados como energia elétrica e gasolina para colocar o IPCA dentro do limite superior da meta de inflação. O resultado, como já se sabia desde o início dessa política, era uma inflação represada, que cedo ou tarde seria refletida nos preços. Dilma Rousseff esperou passar as eleições de 2014 para liberar os aumentos nos preços e até hoje pagamos essa conta. Eletrobras e Petrobras tiveram seus resultados severamente afetados por tal medida. Além da distorção no sistema de formação de preços, o governo atual também mostra sua fragilidade frente às ameaças de greve por parte dos caminhoneiros, que cada vez mais se convencem de seu poder de barganha, já que conseguem conquistar seus pleitos antes mesmo da greve de facto.

O governo precisa se convencer de que não existe o status de “meio liberal”. Liberalismo não é um espectro sobre o qual se pode caminhar conforme as circunstâncias; liberalismo é um posicionamento binário, “ser liberal” ou “não ser liberal”, simples assim. Acima de tudo, o atual governo precisa aprender a governar e articular para que as reformas sejam colocadas em votação com a maior urgência possível. A excessiva dispersão com temas secundários e ideológicos coloca ainda mais em risco a saúde das nossas já debilitadas contas públicas e nossa estabilidade econômica, especialmente em um ambiente externo com alta volatilidade. A aceleração da agenda de privatizações também seria bastante salutar diante do cenário de risco iminente de maior intervenção governamental nas empresas públicas, já saqueadas ao limite e, em sua grande maioria, administradas por um corpo político incompetente e descompromissado com o Brasil.

Sérvulo Dias é economista pela FEA/USP, administrador de empresas, empreendedor, palestrante e especialista do Instituto Millenium."

Reféns do senso comum - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/04

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na Petrobras, proibindo o aumento do óleo diesel programado pela estatal, está gerando apreensão não apenas no campo econômico do governo, liderado por Paulo Guedes, mas também nos setores militares que cuidam das questões de segurança.

A certeza é de que o governo não pode ficar refém dos caminhoneiros, mesmo que avaliações políticas do Chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, tenham pesado mais na decisão presidencial do que a política de preços que vem sendo adotada pela Petrobras desde o governo Temer.

A estatal só se recuperou da crise em que foi jogada pelas ações populistas dos governos petistas, principalmente no mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, porque adotou uma política de preços alinhada ao mercado internacional.

As reuniões que começaram ontem e vão até hoje, em que estão presentes o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscam compatibilizar o senso comum do presidente com as necessidades técnicas da Petrobras de se manter competitiva no mercado internacional.

Um busca otimizar a performance econômica do governo, outra procura se alinhar com seu eleitorado, que se sente explorado pelos preços da gasolina e do óleo diesel cobrados nas bombas. Uma atenção especial, no entanto, precisa ser dada à questão do ICMS, que encarece o preço do óleo diesel e da gasolina para o consumidor.

No diesel, as alíquotas mais altas são as do Amapá (25%) e Maranhão (20%). Sete estados utilizam a tarifa de 12%, a menor permitida por lei: Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O Rio a reduziu de 16% para 12% depois da greve dos caminhoneiros.

O presidente Jair Bolsonaro colocou em seu Twitter ontem uma comparação com a média dos preços da gasolina cobrados em vários países do mundo e os do Brasil, para demonstrar que cobramos muito acima: R$ 0,84 contra R$ 4,00 por litro.

Esse é um raciocínio que reflete o senso comum que se espalha pelo Twitter e outras mídias sociais. Só que Bolsonaro se esqueceu do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias), que eleva os preços nas bombas, pois a gasolina e o diesel são vendidos pela Petrobras por um preço abaixo, que chega às bombas muito mais caro.

O Rio sempre foi o estado com maior ICMS sobre a gasolina, atualmente de 34%. O querosene de aviação também é muito mais taxado no Rio do que em São Paulo, por exemplo.

Somente uma reforma tributária, que está prevista como desdobramento da reforma da Previdência, poderá resolver esse problema, dentro de um novo pacto federativo que distribua melhor os impostos entre estados e municípios.


Censura


A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de mandar retirar do site O Antagonista e de sua revista “Crusoé” uma reportagem sobre o presidente do STF, ministro Dias Tofolli, é de uma gravidade sem precedentes em tempos democráticos.

Ele alega que não houve censura prévia, como se houvesse diferença entre censuras. A reportagem informava que Marcelo Odebrecht revelou em depoimento a que os sites tiveram acesso, que era Tofolli o “amigo do amigo de meu pai”, como se referia ao então advogado-geral da União, amigo de Lula.

A Procuradoria-Geral da República negou que a informação fosse verdadeira, e baseado na declaração formal da PGR, Moraes mandou que a reportagem fosse suprimida. Os sites reafirmam a veracidade da informação.

Se o objeto da denúncia fosse um cidadão comum, iria à Justiça pedir reparação. Mas o ministro Dias Tofolli parece que não é uma pessoa comum.


Um trimestre perdido - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 16/04

Já se perdeu um quarto do ano, com crescimento zero ou até negativo no primeiro trimestre, e as perspectivas para o resto de 2019 continuam piorando. Vai muito mal, na economia, o primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, apesar das declarações de confiança de empresários e investidores depois de sua eleição. É sinal de otimismo, hoje, projetar 2% de expansão econômica neste ano, um resultado abaixo de medíocre. Não se trata de um surto de mau humor nos mercados, embora haja motivos para isso, nem de torcida contra o governo. Os meses finais de 2018 foram muito ruins e qualquer esperança de melhora a partir da posse presidencial foi frustrada. As avaliações negativas acabam de ser reforçadas com a divulgação, ontem, do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), conhecido como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Depois de ter caído 0,31% em janeiro, o indicador baixou mais 0,73% no mês seguinte.

Com mais essa queda, a atividade medida pelo BC chegou ao patamar mais baixo depois de maio do ano passado. Bateu num ponto inferior ao de junho de 2018, quando o País sofria os efeitos mais fortes da paralisação do transporte rodoviário de carga. Para impedir a passagem de carregamentos, caminhoneiros bloquearam estradas, numa ação aplaudida pelo candidato Jair Bolsonaro. Já na
Presidência, Bolsonaro ordenou, alegando o interesse dos caminhoneiros, a suspensão de um aumento de preço do diesel, intervindo numa ação administrativa da Petrobrás.

Com o novo tombo, o índice do trimestre móvel encerrado em fevereiro foi 0,21% inferior ao do trimestre anterior (de setembro a novembro de 2018). O indicador superou por 1,20%, no entanto, o nível de igual período de um ano antes, na série sem ajuste sazonal. Mas as diferenças positivas acumuladas em períodos anuais tendem a esgotar-se, nos próximos meses, se a atividade continuar emperrada.

Depois do último IBC-Br, as hipóteses de crescimento zero e até de queda do PIB no primeiro trimestre ganharam força entre os analistas do setor privado. Mesmo se alguma recuperação tiver ocorrido em março, o balanço dos primeiros três meses do governo Bolsonaro será certamente ruim. Não houve, até agora, sinais de atividade significativamente mais intensa depois de um primeiro bimestre de estagnação.

O cenário de marasmo se estende por um longo período, para trás, e deverá, segundo as estimativas correntes, continuar por um bom período. Em 12 meses a atividade cresceu apenas 1,21%, segundo os dados do BC na série sem ajuste.

Esse quadro é muito parecido com os últimos números consolidados das contas nacionais. O PIB cresceu 1,1% em 2017 e de novo 1,1% em 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As projeções para 2019 vêm caindo há semanas, de acordo com a pesquisa Focus.

Nessa pesquisa, atualizada semanalmente, o BC consulta cerca de cem instituições financeiras e consultorias. No relatório divulgado nesta segundafeira, a mediana das projeções aponta um crescimento de 1,95% para o PIB em 2019. Quatro semanas antes a estimativa ainda era de uma expansão de 2,01% neste ano.

A piora das expectativas é mostrada também pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em seu Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira. Esse indicador, formado por oito séries de componentes, caiu 1,35% em março. Houve quedas em seis das oito séries. As mais amplas ocorreram nos índices de expectativas do consumidor e do setor de serviços, com variações negativas de 9,7% e 4,2%.

O desemprego ainda em torno de 12% e o baixo dinamismo da indústria justificam a piora das expectativas em relação ao desempenho da economia. A desocupação limita a expansão do consumo, enquanto a estagnação industrial contamina a maior parte das atividades. Na pesquisa Focus, o crescimento previsto para a produção da indústria caiu de 2,57% para 2,30% em quatro semanas. Não se melhoram as expectativas do mercado com voluntarismo e tuítes, mas com ações firmes na direção correta.

Investidor está desanimado - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/04
Houve uma queda de valor de mercado da Petrobras que pode ser revertida rapidamente, e o governo está formatando uma saída para atenuar o que houve. Ontem, o presidente da estatal, ao sair da reunião no Palácio, disse que a empresa é livre para reajustar os preços. O problema de curto prazo pode ser resolvido. Mas a intervenção nos preços da companhia, na sexta-feira, confirmou a desconfiança que os mais seniores no mercado financeiro e os investidores da economia real têm neste momento. Há temores e dúvidas sobre a capacidade de a atual administração superar a crise econômica, e isso se reflete nas projeções de crescimento cada vez menores. Ontem o Banco Central divulgou uma queda de 0,73% no índice de atividade de fevereiro.

Frases feitas do presidente Bolsonaro como “não entendo de economia” ou “tudo é com o Posto Ipiranga” só conseguem tranquilizar os jovens operadores do mercado. Conversas com pessoas mais graduadas revelam que tem havido muita saída de dinheiro do país e muita hesitação em apostar realmente em novos empreendimentos, por causa do conjunto de sinais negativos do governo.

Evidentemente nenhum presidente precisa ser especialista em economia, ou em educação ou em saúde, ou em transportes, ou em meio ambiente. Mas tem que ter capacidade de compreensão de assuntos complexos para a tomada de decisão. Até para delegar é preciso entender o que está entregando. A intervenção no preço do diesel foi apenas uma peça que tornou o todo bem coerente. Bolsonaro é o que sempre foi. Tem um conhecimento raso dos vários assuntos que precisa dominar para governar e preserva intacta a sua crença no intervencionismo econômico.

Apesar de ter como bordão que na dúvida, diante da sua incapacidade de entender economia, ele consultaria o ministro da Economia, ele não o fez. Decidiu por impulso, com o chefe da Casa Civil, um assunto que obviamente é econômico. A questão é que, ao contrário do que diz, não delegou a economia a Paulo Guedes. Da mesma forma que não delegou a questão da segurança a Sérgio Moro. Tanto que revogou a escolha de Moro por uma integrante suplente de um conselho. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, vendeu uma versão ontem à tarde que contraria todos os fatos que o país viu na sexta-feira. Segundo ele, não houve intervenção na Petrobras.

Não é tão difícil consertar esse problema do preço do diesel. Difícil é entender por que já não o fizeram. Esse era um encontro marcado. Durante a campanha eleitoral, a imprensa cansou de perguntar sobre a fórmula de reajuste que ele usaria para o diesel, dado que a do ex-presidente Temer caducaria no fim de dezembro. Os especialistas no tema deram muitas entrevistas com alertas sobre a necessidade de resolver isso em tempo. Tudo ficou mais urgente quando os preços internacionais do petróleo começaram a subir. Era, portanto, uma questão de tempo para que os caminhoneiros confrontassem os reajustes. O governo poderia ter formulado, assim que foi eleito, uma política que desse aos caminhoneiros o conforto de não ter que conviver com altas sucessivas do combustível e ao mesmo tempo preservasse a liberdade de decisão da Petrobras. O governo ignorou a complexidade e a urgência do assunto porque quis. Não faltaram avisos.

Perda de valor de mercado, recupera-se. Desconfiança dos investidores da economia real é mais difícil de mudar. A dúvida sobre o Brasil vai além da reforma da Previdência. Mesmo se ela for aprovada com poucas alterações, e garantir uma economia importante nos próximos dez anos, as contas públicas continuarão sendo um problema.

O governo tem colecionado derrotas até na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Imagina como será na Comissão Especial. Os militares são a única categoria que pode ter aumentos salariais no ano que vem, como explicou ontem a equipe econômica na apresentação do PLDO.

O presidente tem sido incapaz de gerenciar a coalizão, tem dado sinais contraditórios na economia e tem criado conflitos sem qualquer ganho visível. A retração que houve na atividade de fevereiro, divulgada ontem pelo BC, de 0,73%, é mais um sinal que se soma a outros dados negativos deste começo de ano.

Não é só o diesel! 6 atos pouco liberais do governo Bolsonaro na economia - FERNANDA TRISOTO

GAZETA DO POVO - PR - 16/04

Que Jair Bolsonaro (PSL) nunca foi um liberal de carteirinha na economia todo mundo já sabia – bastava observar o posicionamento estatizante e intervencionista que o presidente exibiu em três décadas de vida pública. O manto liberal caiu bem durante a campanha eleitoral, e o discurso afiado do ministro da Economia, Paulo Guedes, poderia dar a entender que o capitão seguiria esse caminho. Mas Bolsonaro tem dado vários sinais de que não abraçou de fato o liberalismo econômico.

O presidente se meteu em uma encruzilhada quando questionou e reverteu um reajuste anunciado pela Petrobras para o diesel, na quinta-feira (11) passada. A empresa segurou o aumento, num movimento que desagradou ao mercado e fez com que as ações da companhia despencassem na Bolsa.

Para apagar esse incêndio, Bolsonaro atuou em duas frentes. Convocou uma reunião com ministros e direção da Petrobras para esta terça-feira (16), sob a justificativa de tentar entender como a empresa compõe o preço dos combustíveis. Também declarou – e tuitou – que não entende de economia, mas que seu governo não estava sendo intervencionista.

A questão, de acordo com o presidente, foi o temor pela deflagração de uma nova greve dos caminhoneiros. Dos Estados Unidos, Paulo Guedes ajudou a conter os ânimos no final de semana: reafirmou que o presidente não é um especialista em economia e que pode ter atuado para tentar manobrar algum efeito político de uma possível paralisação dos caminhoneiros.

Nesta segunda-feira (15), o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, negou que tenha havido uma intervenção do governo na empresa. “A decisão foi tomada pela diretoria da Petrobras”, disse. “Ninguém ordenou que a Petrobras não reajustasse.”

O episódio da Petrobras é o mais recente em uma lista de atos nada liberais do governo. Veja outros sinais de que Bolsonaro não é tão liberal quanto se apresentou durante a eleição.

1) A intervenção na Petrobras
Mal havia anunciado um reajuste no preço do diesel, na noite de quinta-feira (11), e a Petrobras voltou atrás. A nova política de preços da companhia segue acompanhando a flutuação do petróleo no mercado internacional, mas só faz alterações por aqui a cada 15 dias. Nesse caso, o aumento seria de 5,7%, o que acendeu uma luz vermelha para o presidente Jair Bolsonaro.

“Ontem, às 19h40, fui informado sobre o aumento de 5,7% no óleo diesel. Liguei para o Presidente da Petrobras preocupado com o percentual num nível sequer previsto para a taxa de inflação do corrente ano. Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia. O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste”, explicou, via Twitter, na sexta-feira (12).

Para justificar o recuo, a Petrobras disse que “revisitou sua posição de hedge e avaliou ao longo do dia, com o fechamento do mercado, que há margem para espaçar mais alguns dias o reajuste no diesel”. Bolsonaro, que não quer ver atribuída a si a pecha de intervencionista que tinha Dilma Rousseff (PT), disse que sua ação foi um reflexo do monitoramento das atividades dos caminhoneiros, que ameaçariam uma nova paralisação caso o preço nas bombas subisse.

As ações da Petrobras despencaram e a companhia perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado. Os caminhoneiros, por sua vez, comemoraram. E cobraram o cumprimento da tabela de frete mínimo.

2) Subsídios mantidos. E no terceiro dia de mandato
Ao longo da campanha, Paulo Guedes sempre falou em reduzir os benefícios fiscais que o governo concede para o setor privado. Pois no terceiro dia de mandato, Bolsonaro sancionou um projeto que prorrogou as desonerações para empresas instaladas nas áreas da Sudam e Sudene, no Norte e Nordeste do Brasil.

Nessa mesma ocasião, ele vetou um trecho do texto, que estendia esses benefícios para as empresas instaladas na área da Sudeco, no Centro-Oeste. A estimativa é de um impacto de ao menos R$ 2 bilhões nas contas públicas que, como todos sabem, andam em uma situação complicada.

Essas medidas tinham sido aprovadas pelo Congresso, no final de 2018. Quando sancionou o projeto, Bolsonaro disse que foi obrigado a prorrogá-los, porque fora vítima de uma pauta-bomba do Parlamento. Talvez a concessão tenha sido um aceno para tentar angariar a simpatia de deputados e senadores dessas regiões para a reforma da Previdência. Só resta saber se o aceno não se perdeu no meio da troca de farpas entre o Executivo e o Legislativo.

3) Agenda de privatizações desfalcada
A proposta de campanha era de uma agenda de privatizações bastante ampla. Mas Bolsonaro foi apresentando alguns vetos à venda de estatais consideradas estratégicas, como é o caso da Petrobras. Ele também desistiu de vender a EBC, conglomerado de mídia do governo, e a EPL, empresa que tiraria do papel o projeto do trem bala.

Ora, se o presidente pode se opor, alguns de seus ministros seguiram pelo mesmo caminho. É o caso do astronauta Marcos Pontes, responsável pela pasta de Ciência e Tecnologia. Desde o ano passado, ele já se declarava contrário à venda dos Correios, por exemplo. Na Infraero, a situação é curiosa: a atual presidente da empresa, a economista Martha Seillier, já traçou o plano de venda de 44 aeroportos da estatal até 2022. Mas antes que todos sejam vendidos, ela quer convencer o governo da importância de transformar a Infraero em uma prestadora de serviços de gestão de aeroportos para estados e municípios.

Passados os cem primeiros dias da gestão de Bolsonaro, a agenda de privatizações não deslanchou. E se o governo não alinhar as expectativas internas, o risco de o programa que aliviaria o caixa da União não acontecer é grande.

4) Um benefício para os amigos
Quando era candidato, Bolsonaro buscou apoio do agronegócio e sinalizou que poderia apoiar o perdão de dívidas de produtores rurais e agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A Receita Federal estima que essa renúncia fiscal possa chegar ao montante de R$ 15,8 bilhões.

O problema é que, na atual circunstância das contas públicas, esse é um dinheiro do qual o governo não pode abrir mão. Tanto que áreas técnicas do Planalto recomendam que não haja apoio a um projeto de lei que está tramitando e pode perdoar essa dívida. O temor é que o suporte do presidente para essa questão configure crime de responsabilidade, o que poderia levar a um pedido de impeachment.

A anistia bilionária prometida pelo candidato Bolsonaro é uma dor de cabeça e tanto para o presidente. Recentemente o chefe do Executivo deu sinais de que continua apoiando o perdão das dívidas dos ruralistas. Enquanto isso, Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e um dos principais conselheiros de Bolsonaro, já disse que o presidente não vai se precipitar para agradar o setor e correr o risco de perder o mandato.

5) Leite aguado
O Funrural não é a única polêmica envolvendo o setor do agronegócio e a gestão Bolsonaro. Paulo Guedes bem queria impor ações liberalizantes da economia mais rapidamente, mas seu ímpeto foi freado em fevereiro pela bancada ruralista. Ela não gostou nada do fim de medidas antidumping contra o leite em pó importado da União Europeia e da Nova Zelândia. O resultado? O governo decidiu sobretaxar o leite importado, sob o argumento de que a cadeia leiteira nacional estava correndo graves riscos.

Pelo Twitter, Bolsonaro comemorou o aumento do imposto de importação de leite em pó. “Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”, escreveu na rede social.

Mas não adianta chorar pelo leite derramado: o fracasso na tentativa de impor um choque liberal é mais uma concessão do governo na tentativa de conquistar o apoio dos parlamentares para a reforma da Previdência.

6) A guerra das bananas
Sabe de onde vem a banana que você compra no mercado? Um assunto que aparentemente não preocupa muito os brasileiros chamou a atenção do presidente Jair Bolsonaro, que resolveu tratar do tema "importação de bananas" em uma de suas tradicionais lives pelo Facebook, ainda no começo de março. A ideia dele era proteger os produtores nacionais da concorrência externa.

O presidente contou que atuava com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para revogar uma portaria de 2014 que incentiva a importação de bananas do Equador. O argumento é que isso gera uma concorrência desleal com os produtores do Vale do Ribeira, em São Paulo. Bolsonaro voltaria ao assunto em pelo menos mais duas transmissões ao vivo nas semanas seguintes.

segunda-feira, abril 15, 2019

Agamenon: “Game of Trouxas"

O Antagonista - 15/04

Eu não estou entendo mais nada. Até aí, tudo bem, porque eu nunca entendi mesmo. Por isso mesmo, não vou falar do presidente Bolsossauro, do filósofo Eu Não Lavo Meu Carvalho, nem do ex-BBB (Big Babaca Brasil) Jean Wyllis.

Prefiro me preparar desde hoje para a estreia da última temporada de Game of Thrones, que, aliás, conta com a presença de um dos meus 17 seguidores e meio, o anão Tyrion, o único indivíduo verticalmente prejudicado bonito do mundo, o que prova que todo mundo pode chegar lá, como no caso do meu prezado nanico, mas, na verdade, um banquinho sempre ajuda.

Por que essa série se transformou num sucesso mundial? Ora, porque ela é sobre o poder. O Poder com e sem PH. Além do mais, tem muitos assassinatos, sexo e outras safadezas, que deixam nossos políticos e milicianos morrendo de inveja.

Além do mais, ela conta com a presença de dragões, um deles interpretado pela Jandira Feghali em pessoa. Por isso que a deputada do PCdoB andava desaparecida depois das eleições. Jandira estava participando das gravações do Game of Thrones, mas agora, no feriado de São Jorge, ela vai estar de volta.

A série tem origem nos livros de George Martin, que, depois de produzir os Beatles, teve tempo suficiente para escrever vários calhamaços sobre um mundo criado em sua imaginação. Só que baseados em fatos reais que nunca aconteceram.

A história é sobre a luta sanguenta pelo poder no fictício continente de Westeros, uma espécie de Europa sem Brexit, onde várias dinastias regionais brigam encarnecidamente pelo Poder. Com e sem PH. Se você acha que isso tem a ver com a situação atual do Brasil, esquece. Tem tudo a ver.

Agamenon Mendes Pedreira é cronista crônico.

Jesus gostava das mulheres - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 15/04

Ele andava com elas, circulava em festas, visitava amigas e defendeu adúltera

Nos anos 1940, em meio às disputas entre Israel e Jordânia pelo deserto da Judeia e da cidade santa de Jerusalém (Israel venceu a disputa na guerra de 1967), alguns beduínos acharam uns rolos que mais tarde ficaram conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto.

A comunidade que os escreveu se referia a si mesma como "yahad" (em hebraico), que em português seria, possivelmente, traduzida por "comunidade" mesmo ou "grupo que vive junto", algo semelhante.

O local onde foram encontrados, as cavernas de Qumran, é hoje visitável no deserto da Judeia, em Israel. Durante muito tempo, o termo "essênios" foi usado para se referir a este grupo de ascetas do período do segundo templo, que chegou à época de Jesus. Entretanto, o termo perdeu força quando a tradução desses manuscritos não trazia a palavra "essênio" em lugar nenhum. Como dissemos acima, o termo que eles usavam para si mesmos era "yahad".

Outra expressão para se referir a esses ascetas é "qumranitas", por causa de onde viviam, mas tampouco o termo era usado por eles para se referirem a si mesmos. Esse tipo de procedimento (buscar o modo como um grupo se refere a si) é comum entre especialistas para aceitar um "nome" para um determinado grupo extinto.

Um livro publicado pela Companhia das Letras em 2009 é uma pequena pérola para quem se interessa pelo tema: "Os Manuscritos do Mar Morto", de autoria do grande crítico literário Edmund Wilson, pouco conhecido como pesquisador em arqueologia religiosa.

A obra foi escrita por ele em "camadas" que vão de 1955 a 1967, cobrindo vários instantes dessa descoberta e seu estudo, assim como as várias reviravoltas pelas quais a região passou entre judeus, jordanianos e palestinos.

O fato de Wilson estar distante de qualquer denominação religiosa faz desse pequeno livro uma peça de grande interesse para quem busca entender esses manuscritos, sua história e sua teologia escatológica --eles eram bem obcecados pelo fim dos tempos, posto que eram apocalípticos.

Assim que foram descobertos e datados, esses manuscritos despertaram enorme interesse entre os cristãos, na esperança de que jogassem alguma luz sobre o Jesus histórico.

Os manuscritos iluminam a época e o contexto em que viveu Jesus, com certeza, mas iluminam Jesus apenas por "contraste", isto é, Jesus nunca foi um essênio ou qumranita -- lançaram luz, sim, sobre a Bíblia hebraica.

A teologia dos escritos do Mar Morto, assim como sua visão de sociedade, está muito distante da vida que Jesus viveu e do que ele pregou.

O texto, sim, fala de um certo João, que teria vivido com eles e depois teria sido morto em Jerusalém. É possível que este João tenha sido o famoso primo de Jesus, o Batista, que o teria batizado nas águas do rio Jordão, que não está longe dali.

Pelo que sabemos da vida desse João, seu estilo de vida e de vestimenta, e pelo seu discurso agressivamente apocalíptico e messiânico, é possível que ele tenha sido um membro dessa comunidade que vivia em cavernas no deserto, longe da sociedade humana.

Essa comunidade de ascetas (coisa rara na história do judaísmo) esperava o fim do mundo a qualquer instante e dividia o mundo entre os seres da luz e os seres da escuridão (lembrando um pouco o cristianismo persa pessimista conhecido como maniqueísmo, que surgirá depois deles).

Para esses ascetas, os seres da escuridão eram a casta do templo, corrupta e traidora da lei, e os seres da luz eram eles, os ascetas das cavernas. Esperavam por um mestre da luz que muito se assemelha a um messias, coisa comum na época.

O viés apocalíptico de espera pela chegada do reino de Deus, sem dúvida parece o temperamento apocalíptico cristão posterior. Mas, seu mestre da luz parece muito mais com um Barrabás místico violento, do que com Jesus e sua doçura social.

Descobertas recentes apontam para o fato de que alguns deles poderiam ter famílias que viviam proximamente, mas não na comunidade deles. Mulheres, segundo esses ascetas, eram radicalmente excluídas e consideradas impuras, sendo mesmo proibidas de circular por perto ou mesmo em Jerusalém quando menstruadas.

E aqui vemos uma diferença, aparentemente insignificante, mas muito importante. Jesus andava com mulheres e circulava em festas. Visitava amigas como Marta e Maria e defendeu diretamente uma adúltera. Maria Madalena, sua discípula, seguramente foi alguém que vivia no círculo íntimo de Jesus. Logo, ao contrário dos ascetas de Qumran, Jesus gostava das mulheres.

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Pressão fiscal - CIDA DAMASCO

O Estado de S.Paulo - 15/04

Receita sem arranque, gasto sem freio e governo sem foco


Quem se lembra daquela promessa de campanha de zerar o déficit primário das contas públicas em apenas um ano? Talvez não sejam tantos, até porque nem no auge do entusiasmo com o “vamos mudar tudo isso que está aí” essa promessa foi levada a sério. Pois bem. O governo deve enviar nesta semana ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 com uma projeção de rombo fiscal acima da meta anterior, de R$ 110 bilhões, embora abaixo da fixada para este ano, de R$ 139 bilhões. Nenhum aumento espetacular, mas uma mostra do engessamento das contas públicas do País e, por tabela, das amarras para a atuação do governo.

Assim como a promessa de zerar o déficit primário estava amparada em previsões superotimistas, a projeção atual pode até estar carregada de um certo pessimismo. Tudo indica, porém, que dessa vez se trata de um cenário realista. E a equipe econômica está recorrendo a ele para dar um recado. Sem a reforma da Previdência, sem a privatização da Eletrobrás, sem isso e sem aquilo, o déficit público será ampliado – e não reduzido, como estava nos planos.

Pelo que se viu em muitos desses 100 dias de governo, contudo, a advertência não serve só aos parlamentares, mas também ao próprio presidente, que age de forma errática e atropela as diretrizes da equipe econômica. O exemplo mais gritante é o da desastrosa “intervenção” de Bolsonaro na política de preços da Petrobrás – com reflexos imediatos nos mercados e, quem sabe, nas intenções de investimentos no País.

O comportamento das receitas e das despesas neste começo de ano confirma que o quadro fiscal está travado. No primeiro bimestre, o Governo Central – que junta as contas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência – teve um superávit de R$ 11,7 bilhões, pouco acima do registrado no mesmo período do ano passado. Mas as despesas somaram R$ 210,9 bilhões e quase 70% correspondem a gastos previdenciários e com pessoal, praticamente incomprimíveis. As receitas, por sua vez, ficaram em R$ 275,4 bilhões, com um acréscimo real de 1,2% sobre o ano passado. E não se espera grande reforço daí para a frente, tendo em vista o pífio desempenho da atividade econômica.

Os leilões de concessão e privatização até que estão rendendo bem e prometem reforçar o caixa dos recursos extraordinários, mas o estoque de ativos de infraestrutura postos à venda ainda é resultado dos programas herdados do governo Temer. A grande expectativa, agora, concentra-se no leilão de petróleo excedente da cessão onerosa e na privatização da Eletrobrás. Avaliado em R$ 100 bilhões, o leilão do petróleo está marcado para o fim do ano – e, portanto, o respiro nas finanças da União, Estados e municípios só deve vir mais adiante. Quanto à venda da Eletrobrás, para sair do papel ainda terá de vencer a resistência das bancadas regionais no Congresso.

A equipe econômica tratou de tomar algumas providências para impedir que a situação fuja do controle. A emergencial é o bloqueio de R$ 29,7 bilhões, decretado no final de março. Evidente que não se espera nada parecido com um “shutdown”, a ponto de provocar um colapso da administração pública. Mas é bom ficar atento para o risco de problemas em áreas específicas, a exemplo da suspensão da emissão de passaportes em meados de 2017.

Uma reestruturação das finanças públicas só será possível com reformas, a começar pela Previdência, repetem todos no governo, como uma espécie de mantra. Mas, apesar de toda a retórica, o próprio governo não põe foco no essencial. Rejeitou a ideia de aproveitar a proposta de Temer para a Previdência, que já estava no Congresso, andou em círculos até formatar o seu próprio texto – mais do que ambicioso – e, na hora em que mais precisava do apoio do Congresso, provocou um conflito com os próprios aliados. Para completar, está prestes a pôr na rua uma reforma tributária, atravessando a reforma da Previdência.

Com todos esses desvios, carecem de credibilidade, aos olhos e ouvidos da população, as ameaças seguidas da turma da Economia de que, se nada for feito, um calote nas aposentadorias pode estar à espreita, logo ali adiante. Enquanto o Executivo vacila nas suas prioridades e se envolve em embates desnecessários, os lobbies que povoam o Congresso aproveitam para tirar “casquinhas” do Orçamento: perdão a dívidas dos produtores rurais, desbloqueio de emendas parlamentares, aprovação de orçamento impositivo. Vai mal o tal do ajuste. E com a colaboração do Planalto.

Conceitos de política - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 15/04


Militares no governo Bolsonaro estão sendo exemplo de moderação e ponderação



O ambiente político não anda conturbado tão somente por razões acidentais ou de inexperiência dos atores políticos, mas tem uma causa mais profunda, consistente no modo de compreensão da política. O atual governo age segundo um conceito de política baseado na oposição amigo/inimigo, em que o outro é visto como alguém que deve ser desqualificado e aniquilado. Outro conceito de política residiria na consideração do outro enquanto adversário, suscetível de ser convencido, e não suprimido. Denominemos o primeiro conceito de política de totalitário e o segundo, de democrático.

Totalitário porque foi elaborado por um teórico do nazismo, Carl Schmitt. Segundo essa acepção, a esfera da política seria uma espécie de arena de luta até a morte entre amigos e inimigos. Os amigos são os que compartilham a mesma concepção, enquanto os inimigos são os que dela divergem. A crítica, nesse sentido, não é aceita, pois significaria uma espécie de rompimento da concepção vigente ou que está sendo imposta. Instituições que exigem a composição e a negociação, como Parlamentos, são, portanto, tidas por impróprias, decadentes ou corrompidas.

Transplanta-se, assim, para esfera da política a lógica militar da guerra. Nesta, exércitos se enfrentam buscando a derrota do outro, impondo-se o poder da força. Tal acepção vale também em casos de guerra civil, quando, na ausência de composição interna, as forças contendoras entram em conflito aberto, recorrendo às armas. A política fica a reboque de sua acepção militar.

O conceito democrático de política, por sua vez, foge do conceito de guerra ao inimigo, pautando-se pelo reconhecimento do outro como detentor de igualdade política. Não está em seu escopo o aniquilamento do outro, uma vez que sua forma de atuação reside na instituição parlamentar, na separação de Poderes e na liberdade de opinião e expressão. Eis por que a democracia representativa preza as instituições que são espaços de negociação, de convencimento e, mesmo, de judicialização das divergências.

A política bolsonarista, em seu período eleitoral, regeu-se por essa acepção excludente da política, usando e abusando da retórica do inimigo a ser desqualificado, cuja forma mais significativa foi o emprego da oposição “nova/velha política”. A “nova” seria a dos virtuosos, dos não corruptos, dos bons, que se oporiam a todos e a tudo que está aí. Os políticos e os partidos foram, então, tidos por algo a ser desprezado e posto de lado. Nesse sentido, as redes sociais foram um instrumento particularmente adequado, pois dados a sua economia de palavras e o seu modo de expressão, prestam-se, particularmente, ao enfrentamento e ao ataque. Elas funcionariam segundo a oposição amigo/inimigo.

Observe-se que a política petista empregou idêntico conceito de política. Lula utilizava a mesma oposição amigo/inimigo sob a forma das oposições excludentes, entre “conservadores e progressistas”, “direita e esquerda”, “nós e eles”. Atente-se para o conceito de política que ganha essas diferentes formas narrativas, que foram o sustentáculo dos governos petistas. Lula tinha incomensurável desprezo pelo Congresso, pelos partidos e pelos parlamentares. Ora eram picaretas, ora companheiros de negociatas.

No governo, pautado por instituições democráticas, o presidente Bolsonaro seguiu predominantemente a utilizar o mesmo conceito de política que lhe tinha sido tão benéfico na campanha eleitoral. Seu grupo próximo, constituído de civis, continuou empregando as redes sociais da mesma maneira, terminando por produzir conflitos incessantes com políticos e partidos. Evidentemente, estes não se reconhecem nessa forma de fazer política, uma vez que são considerados representantes da “velha política”, como se fossem, por isto mesmo, desqualificados e corruptos. O resultado é palpável: o governo não consegue negociar e, portanto, não avança em suas pautas reformistas na esfera legislativa.

Ora, a negociação faz parte da atividade parlamentar e executiva, é uma forma específica de fazer política, no Brasil e alhures. Não há nada de ilícito em que um parlamentar negocie recursos para a sua base eleitoral, sob a forma de creches, postos de saúde e escolas. O problema está no desvio desses recursos para o bolso do parlamentar, questão que pode ser equacionada com uma fiscalização eficiente.

Acontece, todavia, que a narrativa bolsonarista identifica a negociação com algo a ser descartado. Tal política enquadra-se, sobretudo, em sua pauta conservadora, baseada em fundamentos religiosos. Ela se torna propícia para a oposição entre amigos e inimigos, sob a forma dogmática dos bons e dos maus, dos virtuosos e dos pecadores.

Do mesmo modo, o teórico dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, conforme a sua teoria mundial conspiratória, está sempre procurando inimigos para serem desqualificados, na medida em que essa concepção vive da reiteração de tal oposição. O desprezo pela pauta liberal no campo moral e econômico é sua consequência natural. Volta-se para o velho nacionalismo, contra a ideia liberal de globalização, como se a pauta conservadora devesse ter o primado sobre a reformista. Daí surgem as posições antiestablishment, como se a narrativa governamental devesse ser a de uma mobilização constante da sociedade, em que os amigos e os inimigos, os bons e os maus estariam perpetuamente se enfrentando.

Os militares no governo Bolsonaro estão sendo um exemplo de moderação e ponderação. São abertos à negociação e à composição, mostram-se firmes partidários das instituições democráticas. Note-se que, por formação, estariam mais propensos a adotar a política como forma de oposição entre amigos e inimigos, uma vez que essa é a forma da guerra para a qual foram e são treinados. Ou seja, é um grupo de civis que segue a lógica da guerra, enquanto os militares seguem a lógica civil da democracia.

*Professor de filosofia na UFRGS.

Três ideias erradas - LUÍS EDUARDO ASSIS

O Estado de S.Paulo - 15/04

Bolsonaro deveria saber que sem reforma a crise política é inevitável. Ruim para ele, pior para nós. 


Em que pese a singular inépcia do governo em promover as articulações políticas necessárias para a aprovação da reforma da Previdência, o debate avança. A destreza nas negociações com o Congresso lembra a habilidade de um açougueiro que, aturdido, pensa ser um neurocirurgião, mas as discussões são cada vez mais esclarecedoras. Há, ainda, longo caminho a percorrer. Pesquisa recente do Instituto Datafolha mostra que 51% da população ainda é contrária à reforma proposta. Mesmo entre os eleitores de Bolsonaro, 36% ainda são contrários à mudança.

Na controvérsia, há três equívocos na argumentação favorável à reforma. O primeiro erro é vender a ideia de que a reforma é necessária para liberar recursos para áreas prioritárias, como saúde e educação. Tolice. A principal função da reforma é impedir que a dívida pública continue crescendo a uma taxa superior ao aumento do PIB. Nos últimos três anos, a despesa com benefícios previdenciários pagos pelo Tesouro cresceu 15,5% em termos reais, ante uma queda acumulada do PIB de 1,1%. Essa é uma das principais razões pelas quais a relação dívida/PIB passou de 70% em 2016 para 77,2% no ano passado, o que representa um aumento de R$ 893 bilhões, o equivalente a quase 30 anos do orçamento do Bolsa Família. A economia derivada da aprovação da reforma servirá apenas para evitar que a dívida cresça exponencialmente. Não sobrará dinheiro. Pode-se argumentar que, depois da reforma, a economia poderá crescer de forma mais rápida, o que aumenta a arrecadação e permite gastar mais em outras áreas, mas esta já é outra história.

Um segundo engano é pensar que, se a reforma não for aprovada, faltará dinheiro para pagar os aposentados, com o que o governo terá de emitir moeda, provocando a volta da inflação. Ora, ora, já não há dinheiro, não é de hoje. Há muitos anos o pagamento de benefícios do INSS supera a contribuição previdenciária. Se os aposentados continuam a receber, é porque o governo federal, ao contrário do que acontece nos Estados, pode emitir dívida e pagar suas obrigações. E nem assim a inflação escapou do controle. A analogia hidráulica, ao gosto dos monetaristas, é pobre e tem pouco poder explicativo.

Por fim, especula-se que a não aprovação da reforma nos lançará instantaneamente no caos e, similarmente, que o Nirvana está logo ali, dobrando a esquina, se a reforma passar. Também não é por aí. A reforma já não foi aprovada no governo Temer e estamos aqui, aparentemente vivos. Não aprovar a reforma significa que a relação dívida/PIB vai continuar subindo. Mas ninguém sabe qual é o limite de tolerância dos investidores e a partir de qual momento a economia real vai se esgarçar. Da mesma forma, é ingenuidade imaginar que haverá uma pletora de novos investimentos que aguardam ansiosos nas planilhas a aprovação da reforma. O certo apenas é que a aprovação da reforma é uma condição necessária, mas não suficiente, para a retomada do crescimento, Bolsonaro deveria saber que sem reforma da Previdência a crise política é inevitável. Ruim para ele, pior para nós sem o que nenhum ajuste fiscal será duradouro.

A aprovação da reforma não é a remissão de nossos pecados. É apenas o primeiro passo de uma longa caminhada para corrigir distorções de um sistema que é injusto – porque generoso com os mais ricos – e ultrapassado, já que ignora nossas condições demográficas. O Brasil envelheceu sem antes ter ficado rico. Melhor focar o debate nos verdadeiros problemas, ainda que a tentação seja a de explorar ideias mais intuitivas. Passada a fanfarra dos cem dias de governo, nenhuma música ficará nos nossos ouvidos. Mas o desafio da Previdência está lá, nos esperando para o ajuste de contas. 

Mais oportunidades perdidas? - SERGIO LAMUCCI

Valor Econômico - 15/04

Inabilidade política é maior ameaça à economia mais forte

O cenário que se desenha para a economia global neste ano tem riscos, mas a combinação de desaceleração moderada do crescimento e condições financeiras ainda favoráveis nos mercados internacionais é razoável para o Brasil. Com a perda de fôlego da atividade mundial, os bancos centrais dos países avançados deixaram para trás os planos de normalização mais rápida da política monetária, pelo menos por ora. O Federal Reserve (Fed, o BC americano) indicou que os juros não subirão mais em 2019.

Num quadro de crescimento mundial um pouco mais fraco, mas não desastroso, e ampla liquidez nos mercados, o Brasil poderia se destacar. Na virada do ano, a expectativa dominante era de que o crescimento se aceleraria consideravelmente de 2018 para 2019. Havia quem projetasse uma expansão na casa de 3% a 3,5%, apostando numa aprovação rápida da reforma da Previdência, o que reduziria as incertezas quanto à sustentabilidade das contas públicas. Com isso, empresas e famílias passariam a investir e consumir mais, impulsionando a atividade.

Otimista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, considera que o cenário externo atual "cria um ambiente muito favorável ao Brasil". Em breve entrevista a jornalistas brasileiros no sábado, em Washington, Guedes disse que os estrangeiros olham o país "com enorme interesse", uma vez que a "economia deles desacelerou e a nossa vai começar a andar", destacando oportunidades de investimento nas áreas de petróleo e gás, saneamento e infraestrutura.

O problema é que as perspectivas para a economia brasileira em 2019 se nublaram desde o começo do ano. Com isso, o país pode perder oportunidades importantes. Em pouco mais de cem dias, o governo do presidente Jair Bolsonaro criou diversas crises desnecessárias, deixou clara a falta de uma articulação política eficiente - essencial para aprovar a reforma da Previdência - e colocou em xeque as credenciais liberais da nova administração, com a decisão de cancelar na semana passada o reajuste do óleo diesel pela Petrobras.

Na quinta-feira, em Washington, Guedes participou de um evento promovido pelo J.P. Morgan. Dois gestores presentes ao encontro disseram que o discurso do ministro foi muito bem recebido pelos investidores. Guedes falou com entusiasmo sobre a nova orientação da política econômica brasileira, que seguiria os princípios de uma economia de mercado, sem intervencionismo, ressaltando a disposição do governo de promover um ambicioso programa de privatizações e de tocar uma ampla agenda de reformas, como a da Previdência. Na noite do mesmo dia, Bolsonaro mandou cancelar o aumento do óleo diesel, minando os esforços de Guedes para convencer os estrangeiros sobre a orientação liberal da economia.

De modo geral, os investidores externos mostram-se mais céticos que os domésticos quanto às perspectivas do Brasil sob o governo Bolsonaro. Em janeiro e fevereiro, os fluxos de capitais voltaram aos países emergentes, com a mudança de atitude dos BCs dos países desenvolvidos. O Brasil, porém, "não recebeu a parte devida" desses fluxos, como disse em Washington o próprio presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, avaliando que isso ocorreu "um pouco por causa dessa incerteza em relação à aprovação de reformas".

As dúvidas quanto à reforma da Previdência têm travado também o investimento em ativos fixos na economia brasileira, dificultando a aceleração da recuperação cíclica. A recessão terminou no quarto trimestre de 2016, mas desde então o PIB não avança a um ritmo razoável. Depois da contração de 3,5% em 2015 e de 3,3% em 2016, cresceu apenas 1,1% em 2017 e outro 1,1% em 2018. Para este ano, algumas projeções já têm sido revisadas para a casa de 1,5% ou menos - o Itaú Unibanco, por exemplo, reduziu a sua estimativa de 2% para 1,3%.

É um desempenho muito ruim. O crescimento potencial (aquele que não gera pressões inflacionárias) do país é baixo - algo na casa de 2% ou um pouco mais -, mas o ponto é que, mesmo depois de uma recessão cavalar, a atividade não consegue ganhar fôlego, a despeito da enorme capacidade ociosa na economia. Embora haja espaço para o PIB crescer acima do potencial por vários trimestres sem pressionar a inflação, dada a grande ociosidade, o país não tem sido capaz nem de acelerar a retomada cíclica.

Alguns analistas consideram que os juros estão mais altos do que deveriam, segurando a retomada. Reduzir a Selic antes da aprovação de uma reforma razoável da Previdência, contudo, pode ser pouco eficiente, já que as dúvidas quanto à sustentabilidade fiscal continuariam a existir, impedindo a queda dos juros de mercado.

Nesse cenário, o Brasil fica para trás na corrida com outros emergentes. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita brasileiro cresceu 0,3% em 2017 e 0,4% em 2018, com base no critério da paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês), que facilita a comparação entre os países, ao eliminar as diferenças de custo de vida entre eles.

Para este ano, o FMI estima uma expansão de 1,3% do PIB per capita brasileiro. O número parece otimista demais, uma vez que a previsão do Fundo para o crescimento do Brasil em 2019 é de 2,1%, estimativa mais elevada do que a de vários bancos e consultorias do país, como o 1,3% do Itaú Unibanco. Mas, ainda que se confirme o aumento de 1,3% do PIB per capita brasileiro, ele ficará bem abaixo dos 3% esperados pelo FMI para a média dos emergentes. Para a China e para a Índia, a expectativa é de uma alta de 5,9% e, para a Rússia, de 1,7%.

A aprovação de uma boa reforma da Previdência neste ano pode mudar esse quadro, elevando novamente as expectativas de crescimento, especialmente para 2020. Isso requer, porém, uma melhora expressiva na coordenação política do governo Bolsonaro com o Congresso. Também é preciso ver como Guedes atuará para resolver o imbróglio do cancelamento do reajuste do diesel, que manchou a imagem de um Bolsonaro convertido às ideias liberais. Se esses problemas não forem solucionados, o crescimento tenderá a continuar medíocre.

Para completar, o quadro pode piorar se os riscos no cenário global apontados pelo FMI se concretizarem, como o recrudescimento das tensões comerciais entre EUA e China, uma decepção com o desempenho econômico da zona do euro ou da China ou algum problema associado ao Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia). Hoje, contudo, a maior ameaça a uma economia mais forte no Brasil é a inabilidade política do governo Bolsonaro.