Inabilidade política é maior ameaça à economia mais forte
O cenário que se desenha para a economia global neste ano tem riscos, mas a combinação de desaceleração moderada do crescimento e condições financeiras ainda favoráveis nos mercados internacionais é razoável para o Brasil. Com a perda de fôlego da atividade mundial, os bancos centrais dos países avançados deixaram para trás os planos de normalização mais rápida da política monetária, pelo menos por ora. O Federal Reserve (Fed, o BC americano) indicou que os juros não subirão mais em 2019.
Num quadro de crescimento mundial um pouco mais fraco, mas não desastroso, e ampla liquidez nos mercados, o Brasil poderia se destacar. Na virada do ano, a expectativa dominante era de que o crescimento se aceleraria consideravelmente de 2018 para 2019. Havia quem projetasse uma expansão na casa de 3% a 3,5%, apostando numa aprovação rápida da reforma da Previdência, o que reduziria as incertezas quanto à sustentabilidade das contas públicas. Com isso, empresas e famílias passariam a investir e consumir mais, impulsionando a atividade.
Otimista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, considera que o cenário externo atual "cria um ambiente muito favorável ao Brasil". Em breve entrevista a jornalistas brasileiros no sábado, em Washington, Guedes disse que os estrangeiros olham o país "com enorme interesse", uma vez que a "economia deles desacelerou e a nossa vai começar a andar", destacando oportunidades de investimento nas áreas de petróleo e gás, saneamento e infraestrutura.
O problema é que as perspectivas para a economia brasileira em 2019 se nublaram desde o começo do ano. Com isso, o país pode perder oportunidades importantes. Em pouco mais de cem dias, o governo do presidente Jair Bolsonaro criou diversas crises desnecessárias, deixou clara a falta de uma articulação política eficiente - essencial para aprovar a reforma da Previdência - e colocou em xeque as credenciais liberais da nova administração, com a decisão de cancelar na semana passada o reajuste do óleo diesel pela Petrobras.
Na quinta-feira, em Washington, Guedes participou de um evento promovido pelo J.P. Morgan. Dois gestores presentes ao encontro disseram que o discurso do ministro foi muito bem recebido pelos investidores. Guedes falou com entusiasmo sobre a nova orientação da política econômica brasileira, que seguiria os princípios de uma economia de mercado, sem intervencionismo, ressaltando a disposição do governo de promover um ambicioso programa de privatizações e de tocar uma ampla agenda de reformas, como a da Previdência. Na noite do mesmo dia, Bolsonaro mandou cancelar o aumento do óleo diesel, minando os esforços de Guedes para convencer os estrangeiros sobre a orientação liberal da economia.
De modo geral, os investidores externos mostram-se mais céticos que os domésticos quanto às perspectivas do Brasil sob o governo Bolsonaro. Em janeiro e fevereiro, os fluxos de capitais voltaram aos países emergentes, com a mudança de atitude dos BCs dos países desenvolvidos. O Brasil, porém, "não recebeu a parte devida" desses fluxos, como disse em Washington o próprio presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, avaliando que isso ocorreu "um pouco por causa dessa incerteza em relação à aprovação de reformas".
As dúvidas quanto à reforma da Previdência têm travado também o investimento em ativos fixos na economia brasileira, dificultando a aceleração da recuperação cíclica. A recessão terminou no quarto trimestre de 2016, mas desde então o PIB não avança a um ritmo razoável. Depois da contração de 3,5% em 2015 e de 3,3% em 2016, cresceu apenas 1,1% em 2017 e outro 1,1% em 2018. Para este ano, algumas projeções já têm sido revisadas para a casa de 1,5% ou menos - o Itaú Unibanco, por exemplo, reduziu a sua estimativa de 2% para 1,3%.
É um desempenho muito ruim. O crescimento potencial (aquele que não gera pressões inflacionárias) do país é baixo - algo na casa de 2% ou um pouco mais -, mas o ponto é que, mesmo depois de uma recessão cavalar, a atividade não consegue ganhar fôlego, a despeito da enorme capacidade ociosa na economia. Embora haja espaço para o PIB crescer acima do potencial por vários trimestres sem pressionar a inflação, dada a grande ociosidade, o país não tem sido capaz nem de acelerar a retomada cíclica.
Alguns analistas consideram que os juros estão mais altos do que deveriam, segurando a retomada. Reduzir a Selic antes da aprovação de uma reforma razoável da Previdência, contudo, pode ser pouco eficiente, já que as dúvidas quanto à sustentabilidade fiscal continuariam a existir, impedindo a queda dos juros de mercado.
Nesse cenário, o Brasil fica para trás na corrida com outros emergentes. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita brasileiro cresceu 0,3% em 2017 e 0,4% em 2018, com base no critério da paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês), que facilita a comparação entre os países, ao eliminar as diferenças de custo de vida entre eles.
Para este ano, o FMI estima uma expansão de 1,3% do PIB per capita brasileiro. O número parece otimista demais, uma vez que a previsão do Fundo para o crescimento do Brasil em 2019 é de 2,1%, estimativa mais elevada do que a de vários bancos e consultorias do país, como o 1,3% do Itaú Unibanco. Mas, ainda que se confirme o aumento de 1,3% do PIB per capita brasileiro, ele ficará bem abaixo dos 3% esperados pelo FMI para a média dos emergentes. Para a China e para a Índia, a expectativa é de uma alta de 5,9% e, para a Rússia, de 1,7%.
A aprovação de uma boa reforma da Previdência neste ano pode mudar esse quadro, elevando novamente as expectativas de crescimento, especialmente para 2020. Isso requer, porém, uma melhora expressiva na coordenação política do governo Bolsonaro com o Congresso. Também é preciso ver como Guedes atuará para resolver o imbróglio do cancelamento do reajuste do diesel, que manchou a imagem de um Bolsonaro convertido às ideias liberais. Se esses problemas não forem solucionados, o crescimento tenderá a continuar medíocre.
Para completar, o quadro pode piorar se os riscos no cenário global apontados pelo FMI se concretizarem, como o recrudescimento das tensões comerciais entre EUA e China, uma decepção com o desempenho econômico da zona do euro ou da China ou algum problema associado ao Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia). Hoje, contudo, a maior ameaça a uma economia mais forte no Brasil é a inabilidade política do governo Bolsonaro.
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