Receita sem arranque, gasto sem freio e governo sem foco
Quem se lembra daquela promessa de campanha de zerar o déficit primário das contas públicas em apenas um ano? Talvez não sejam tantos, até porque nem no auge do entusiasmo com o “vamos mudar tudo isso que está aí” essa promessa foi levada a sério. Pois bem. O governo deve enviar nesta semana ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 com uma projeção de rombo fiscal acima da meta anterior, de R$ 110 bilhões, embora abaixo da fixada para este ano, de R$ 139 bilhões. Nenhum aumento espetacular, mas uma mostra do engessamento das contas públicas do País e, por tabela, das amarras para a atuação do governo.
Assim como a promessa de zerar o déficit primário estava amparada em previsões superotimistas, a projeção atual pode até estar carregada de um certo pessimismo. Tudo indica, porém, que dessa vez se trata de um cenário realista. E a equipe econômica está recorrendo a ele para dar um recado. Sem a reforma da Previdência, sem a privatização da Eletrobrás, sem isso e sem aquilo, o déficit público será ampliado – e não reduzido, como estava nos planos.
Pelo que se viu em muitos desses 100 dias de governo, contudo, a advertência não serve só aos parlamentares, mas também ao próprio presidente, que age de forma errática e atropela as diretrizes da equipe econômica. O exemplo mais gritante é o da desastrosa “intervenção” de Bolsonaro na política de preços da Petrobrás – com reflexos imediatos nos mercados e, quem sabe, nas intenções de investimentos no País.
O comportamento das receitas e das despesas neste começo de ano confirma que o quadro fiscal está travado. No primeiro bimestre, o Governo Central – que junta as contas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência – teve um superávit de R$ 11,7 bilhões, pouco acima do registrado no mesmo período do ano passado. Mas as despesas somaram R$ 210,9 bilhões e quase 70% correspondem a gastos previdenciários e com pessoal, praticamente incomprimíveis. As receitas, por sua vez, ficaram em R$ 275,4 bilhões, com um acréscimo real de 1,2% sobre o ano passado. E não se espera grande reforço daí para a frente, tendo em vista o pífio desempenho da atividade econômica.
Os leilões de concessão e privatização até que estão rendendo bem e prometem reforçar o caixa dos recursos extraordinários, mas o estoque de ativos de infraestrutura postos à venda ainda é resultado dos programas herdados do governo Temer. A grande expectativa, agora, concentra-se no leilão de petróleo excedente da cessão onerosa e na privatização da Eletrobrás. Avaliado em R$ 100 bilhões, o leilão do petróleo está marcado para o fim do ano – e, portanto, o respiro nas finanças da União, Estados e municípios só deve vir mais adiante. Quanto à venda da Eletrobrás, para sair do papel ainda terá de vencer a resistência das bancadas regionais no Congresso.
A equipe econômica tratou de tomar algumas providências para impedir que a situação fuja do controle. A emergencial é o bloqueio de R$ 29,7 bilhões, decretado no final de março. Evidente que não se espera nada parecido com um “shutdown”, a ponto de provocar um colapso da administração pública. Mas é bom ficar atento para o risco de problemas em áreas específicas, a exemplo da suspensão da emissão de passaportes em meados de 2017.
Uma reestruturação das finanças públicas só será possível com reformas, a começar pela Previdência, repetem todos no governo, como uma espécie de mantra. Mas, apesar de toda a retórica, o próprio governo não põe foco no essencial. Rejeitou a ideia de aproveitar a proposta de Temer para a Previdência, que já estava no Congresso, andou em círculos até formatar o seu próprio texto – mais do que ambicioso – e, na hora em que mais precisava do apoio do Congresso, provocou um conflito com os próprios aliados. Para completar, está prestes a pôr na rua uma reforma tributária, atravessando a reforma da Previdência.
Com todos esses desvios, carecem de credibilidade, aos olhos e ouvidos da população, as ameaças seguidas da turma da Economia de que, se nada for feito, um calote nas aposentadorias pode estar à espreita, logo ali adiante. Enquanto o Executivo vacila nas suas prioridades e se envolve em embates desnecessários, os lobbies que povoam o Congresso aproveitam para tirar “casquinhas” do Orçamento: perdão a dívidas dos produtores rurais, desbloqueio de emendas parlamentares, aprovação de orçamento impositivo. Vai mal o tal do ajuste. E com a colaboração do Planalto.
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