GAZETA DO POVO - PR - 15/02
Com quase seis meses de atraso, a Câmara dos Deputados cassou o mandato do ex-deputado Natan Donadon. Foram 467 votos favoráveis à cassação e uma abstenção. Mesmo tardia, a votação da quarta-feira lavou minha alma. Ainda lembro da vergonha e frustração que senti na noite do dia 28 de agosto de 2013, quando a maioria dos deputados, escondida pelo voto secreto, manteve o mandato do “deputado presidiário”, como ficou conhecido.
Para não esquecer a nossa história, lembro que Donadon estava preso desde o dia 28 de junho no Complexo Penitenciário da Papuda, condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 13 anos de prisão por peculato e formação de quadrilha. Mesmo condenado e recluso, a Câmara não teve a coragem de cassar o seu mandato. Dos 513 deputados, apenas 405 votaram; 108 nem sequer compareceram ao plenário. Dos 405 votantes, 233 votaram pela cassação (eram necessários 257 votos para cassar o mandato), 131 deputados votaram contra a cassação e 41 escolheram o muro da abstenção.
Relembrar isso é necessário porque a decisão da última quarta-feira só foi tomada porque a votação foi nominal e aberta; ninguém pôde se esconder atrás do voto secreto. Além disso, estamos em período pré-eleitoral. O leitor e eleitor não deve se deixar enganar sobre a influência das eleições de outubro no comportamento dos parlamentares.
Aliás, aqui cabe um parêntese. Muitos parlamentares que votaram pela cassação de Donadon no dia 12, preocupados com a influência do seu voto nas eleições de outubro, aprovaram abertamente o próprio reajuste salarial de 61,8% no fim de 2010, após as eleições. Ou seja: será que Donadon seria cassado se a votação fosse em novembro? Não sei, mas vale a reflexão.
Esse parêntese é importante para manter nossos olhos abertos. Não podemos relaxar! Donadon só perdeu o mandato porque o PSB apresentou uma representação pedindo a cassação do deputado, que até então estava apenas afastado do cargo para cumprir pena.
Precisamos ficar atentos porque as coisas não acontecem por acaso. É preciso provocar, instigar, questionar e agir. Vejamos: o Brasil acabou de saber que jovens pobres recebem cachê de R$ 150 para praticar atos de vandalismo durante manifestações legítimas da sociedade. Só soubemos disso porque o jovem Caio Souza foi indiciado e preso pela morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade. E eu me pergunto: haveria tanta mobilização da opinião pública e tanto empenho da polícia se o rojão que causou a morte de Andrade tivesse atingido um outro manifestante qualquer?
O mesmo episódio trouxe à lume a personagem Sininho, codinome de Elisa de Quadros Pinto Sanzi. Fada madrinha dos black blocs, ela é uma jovem de 28 anos que não trabalha, tem dois RGs, dois endereços no Rio de Janeiro e já foi presa duas vezes por formação de quadrilha. E a maior agravante: apesar de aparecer na mídia como porta-voz dos manifestantes, ela não os representa.
A cassação de Donadon, a prisão de Caio e a revelação da Sininho só aconteceram porque colocaram luz sobre eles. É preciso manter a luz sempre acesa para se revelar a verdade. Do Evangelho de Lucas destaco duas palavras de Jesus Cristo para nossa inspiração e motivação: “Não há coisa oculta que não haja de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz” e “ninguém, acendendo uma candeia, a põe em oculto nem debaixo do alqueire, mas no velador, para que os que entram vejam a luz”.
Portanto, sejamos luz!
sábado, fevereiro 15, 2014
Dilema do presunto - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 15/02
SÃO PAULO - É absurda a proposta do deputado estadual Feliciano Filho (PEN-SP) que proíbe faculdades de medicina de São Paulo de usar animais vivos para treinar cirurgiões.
Não me entendam mal. Acho que faz sentido colocar pressão sobre as escolas para que elas se modernizem e adquiram os manequins e programas de computador que permitem simular situações de emergência e cirurgias. Isso não apenas reduz a necessidade de usar animais vivos como tende a aprimorar o ensino.
Vou um pouco mais longe e confesso que até eu sou sensível aos charmes da neotenia e, de vez em quando, acho um bichinho fofinho. Isso, contudo, não é motivo para renunciar à racionalidade, que é justamente o que falta ao projeto de lei.
O problema central é que a proposta causa prejuízos e não traz nenhum benefício. Nossas escolas ainda não estão prontas para migrar de vez para o ensino virtual. Em termos materiais, um bom centro de simulação é investimento de vários milhões de reais. Um boneco de última geração, que responde a ações do médico, pode custar R$ 500 mil.
Mesmo que houvesse recursos de sobra, as diferenças entre o virtual e o real são marcantes, especialmente do ponto de vista emocional. Ninguém está pronto para uma cirurgia de verdade sem antes sentir na mão como o bisturi rompe uma derme e o que acontece quando uma artéria é seccionada. Para dar conta disso é preciso treinar previamente com bichos ou gente. Por paroquialismo, fico com a primeira opção.
O aspecto mais importante, porém, é que nem os porcos hoje usados nas escolas médicas ganhariam com o veto. Quando vão parar nas mãos dos estudantes, são anestesiados e sacrificados de forma indolor. Se não fossem para a mesa de cirurgia seu destino seria os matadouros, onde algo bem pior os aguarda. Não faz sentido proibir que os suínos abasteçam cursos de medicina quando aceitamos que virem presunto.
SÃO PAULO - É absurda a proposta do deputado estadual Feliciano Filho (PEN-SP) que proíbe faculdades de medicina de São Paulo de usar animais vivos para treinar cirurgiões.
Não me entendam mal. Acho que faz sentido colocar pressão sobre as escolas para que elas se modernizem e adquiram os manequins e programas de computador que permitem simular situações de emergência e cirurgias. Isso não apenas reduz a necessidade de usar animais vivos como tende a aprimorar o ensino.
Vou um pouco mais longe e confesso que até eu sou sensível aos charmes da neotenia e, de vez em quando, acho um bichinho fofinho. Isso, contudo, não é motivo para renunciar à racionalidade, que é justamente o que falta ao projeto de lei.
O problema central é que a proposta causa prejuízos e não traz nenhum benefício. Nossas escolas ainda não estão prontas para migrar de vez para o ensino virtual. Em termos materiais, um bom centro de simulação é investimento de vários milhões de reais. Um boneco de última geração, que responde a ações do médico, pode custar R$ 500 mil.
Mesmo que houvesse recursos de sobra, as diferenças entre o virtual e o real são marcantes, especialmente do ponto de vista emocional. Ninguém está pronto para uma cirurgia de verdade sem antes sentir na mão como o bisturi rompe uma derme e o que acontece quando uma artéria é seccionada. Para dar conta disso é preciso treinar previamente com bichos ou gente. Por paroquialismo, fico com a primeira opção.
O aspecto mais importante, porém, é que nem os porcos hoje usados nas escolas médicas ganhariam com o veto. Quando vão parar nas mãos dos estudantes, são anestesiados e sacrificados de forma indolor. Se não fossem para a mesa de cirurgia seu destino seria os matadouros, onde algo bem pior os aguarda. Não faz sentido proibir que os suínos abasteçam cursos de medicina quando aceitamos que virem presunto.
O AI-5 bolivarianista - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA
CORREIO BRAZILIENSE - 15/02
A polêmica está lançada. A pretexto de regulamentar artigo da Constituição que trata do crime de terrorismo, governistas manobram para transformar a lei a ser aprovada no Congresso numa blindagem a protestos contra a Copa do Mundo. Será um AI-5 bolivarianista, que é quando um parlamento se vale da legitimidade das urnas para aprovar estrovengas autoritárias supostamente em nome do povo que o elegeu. Ou seja: usa-se instrumento da democracia para golpear a democracia.
Como denunciou o Correio Braziliense, em primeira página que corre o mundo, texto de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) é tão vago e amplo que qualquer participante, até mesmo da mais pacífica das manifestações, pode ser enquadrado como "terrorista" e punido com até 30 anos de prisão. É o fim de garantias constitucionais como não se via desde os anos de chumbo da didatura militar que se instalou no país em 1964. Depois do pão, o circo e a mão de ferro. Um espetáculo grotesto.
Aliados do governo teriam sido orientados a aliviar o texto da lei antiterror para que ativistas de movimentos sociais, como MST, UNE, Passe Livre, sindicatos (e black blocs?) não possam ser alcançados pela lei de exceção. No entanto, se você é simples cidadão comum consciente de que o Estado gasta mal os cinco meses de salário que, em média, cada brasileiro paga de imposto ao ano, aí você corre perigo: se for "flagrado" numa passeata levando um cartaz com dizeres como "escola padrão Fifa" ou "segurança padrão Fifa", pode passar o resto da vida atrás das grades. Simples assim.
Pela lei em discussão, ousar protestar contra o Mundial de Futebol é crime muito mais grave do que roubar dinheiro dos cofres públicos. Não é à toa que antigos defensores do regime linha-dura se sentem tão à vontade hoje nesse governo. Desiludidos estão legiões de eleitores que a pseudoesquerda deixou órfãos na política.
Como denunciou o Correio Braziliense, em primeira página que corre o mundo, texto de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) é tão vago e amplo que qualquer participante, até mesmo da mais pacífica das manifestações, pode ser enquadrado como "terrorista" e punido com até 30 anos de prisão. É o fim de garantias constitucionais como não se via desde os anos de chumbo da didatura militar que se instalou no país em 1964. Depois do pão, o circo e a mão de ferro. Um espetáculo grotesto.
Aliados do governo teriam sido orientados a aliviar o texto da lei antiterror para que ativistas de movimentos sociais, como MST, UNE, Passe Livre, sindicatos (e black blocs?) não possam ser alcançados pela lei de exceção. No entanto, se você é simples cidadão comum consciente de que o Estado gasta mal os cinco meses de salário que, em média, cada brasileiro paga de imposto ao ano, aí você corre perigo: se for "flagrado" numa passeata levando um cartaz com dizeres como "escola padrão Fifa" ou "segurança padrão Fifa", pode passar o resto da vida atrás das grades. Simples assim.
Pela lei em discussão, ousar protestar contra o Mundial de Futebol é crime muito mais grave do que roubar dinheiro dos cofres públicos. Não é à toa que antigos defensores do regime linha-dura se sentem tão à vontade hoje nesse governo. Desiludidos estão legiões de eleitores que a pseudoesquerda deixou órfãos na política.
Cortando na carne - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 15/02
A cassação do deputado Natan Donadon por unanimidade dos presentes no plenário, com apenas uma abstenção - e por motivo justo, o ausente foi um deputado que também está sendo processado e se julgou impedido de votar - , trouxe de volta a PEC dos mensaleiros, a Proposta de Emenda Constitucional que torna automática a perda do mandato parlamentar por condenação por improbidade administrativa e crime contra a administração pública.
O PT pediu vista na comissão especial que trata do tema, já aprovado pelo Senado. Alegam os petistas - com o apoio do PMDB e do PDT - que a mudança constitucional retira da Câmara a prerrogativa de julgar seus pares. Ora, é uma desculpa esfarrapada pois, se a emenda constitucional for aprovada pelo Congresso, é a vontade dos parlamentares que estará sendo cumprida.
O ministro do Supremo tribunal Federal Luís Roberto Barroso, no voto em que definiu que havendo "impossibilidade jurídica" o parlamentar não pode permanecer no exercício do mandato, disse concordar com a tese de que um parlamentar condenado por crime grave deve perder o mandato e advertiu que é papel do Legislativo deixar clara a punição na Constituição, livrando-a de contradições.
De fato, a Constituição de 1988 tem decisões distintas para casos semelhantes, dando margem à confusão. No julgamento do mensalão, o STF havia decidido pela perda dos direitos políticos dos condenados, o que levaria automaticamente à cassação do mandato de acordo com o parágrafo IV do artigo 55 da Constituição.
Nos casos fora do mensalão as penas não se referem à perda dos direitos políticos, e, portanto, abriu-se uma brecha para que fosse usado o parágrafo VI do mesmo artigo 55 da Constituição, que determina que perderá o mandato o deputado ou senador "que sofrer condenação criminal em sentença transitada".
Nesse caso, a cassação, em vez de ser automática, depende de votação secreta do plenário. O termo "condenação criminal" é considerado muito amplo pelos parlamentares, por isso queriam ter a última palavra sobre a cassação, para avaliar se a extensão do crime cometido justifica a perda do mandato.
No entanto, o Ministro Barroso avaliou em sua liminar que todo condenado em regime fechado que tenha que permanecer detido por prazo superior ao que lhe resta de mandato não pode exercer cargo político.
Ele esclareceu, colocando panos quentes na disputa entre Judiciário e Legislativo, que sua decisão não produz perda automática do mandato, "cuja declaração - ainda quando constitua ato vinculado - é de atribuição da Mesa da Câmara".
Os ministros que votaram no julgamento do mensalão pela perda dos direitos políticos dos parlamentares condenados se basearam no artigo 15 da Constituição, segundo o qual a perda ou suspensão dos direitos políticos acontece devido a (...) III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Como não é possível haver um deputado ou senador sem os direitos políticos, a cassação do mandato é automática, bastando que a Mesa da Câmara formalize a decisão. A "impossibilidade jurídica" de um condenado exercer o mandato ficou claramente exposta na decisão do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que convocou imediatamente o suplente de Donadon para assumir o cargo.
Os cinco ministros do STF que haviam votado pela cassação automática do mandato do parlamentar que perdeu seus direitos políticos viam o mesmo problema para os condenados em regime fechado ou semiaberto, pois seriam parlamentares que teriam que dormir na cadeia depois de trabalhar durante o dia como congressistas, uma situação esdrúxula.
Com a PEC dos mensaleiros, as dúvidas estariam sanadas. Não se justifica esse empenho dos petistas para tentar livrar eventuais punições drásticas pois, com o voto aberto, dificilmente um parlamentar condenado por improbidade administrativa e crime contra a administração pública será absolvido. Tanto que os parlamentares envolvidos no mensalão do PT renunciaram aos mandatos depois de condenados.
O Congresso estaria assim colocando um fim à figura do deputado-presidiário, que tanto mal fez à sua já arranhada figura.
O PT pediu vista na comissão especial que trata do tema, já aprovado pelo Senado. Alegam os petistas - com o apoio do PMDB e do PDT - que a mudança constitucional retira da Câmara a prerrogativa de julgar seus pares. Ora, é uma desculpa esfarrapada pois, se a emenda constitucional for aprovada pelo Congresso, é a vontade dos parlamentares que estará sendo cumprida.
O ministro do Supremo tribunal Federal Luís Roberto Barroso, no voto em que definiu que havendo "impossibilidade jurídica" o parlamentar não pode permanecer no exercício do mandato, disse concordar com a tese de que um parlamentar condenado por crime grave deve perder o mandato e advertiu que é papel do Legislativo deixar clara a punição na Constituição, livrando-a de contradições.
De fato, a Constituição de 1988 tem decisões distintas para casos semelhantes, dando margem à confusão. No julgamento do mensalão, o STF havia decidido pela perda dos direitos políticos dos condenados, o que levaria automaticamente à cassação do mandato de acordo com o parágrafo IV do artigo 55 da Constituição.
Nos casos fora do mensalão as penas não se referem à perda dos direitos políticos, e, portanto, abriu-se uma brecha para que fosse usado o parágrafo VI do mesmo artigo 55 da Constituição, que determina que perderá o mandato o deputado ou senador "que sofrer condenação criminal em sentença transitada".
Nesse caso, a cassação, em vez de ser automática, depende de votação secreta do plenário. O termo "condenação criminal" é considerado muito amplo pelos parlamentares, por isso queriam ter a última palavra sobre a cassação, para avaliar se a extensão do crime cometido justifica a perda do mandato.
No entanto, o Ministro Barroso avaliou em sua liminar que todo condenado em regime fechado que tenha que permanecer detido por prazo superior ao que lhe resta de mandato não pode exercer cargo político.
Ele esclareceu, colocando panos quentes na disputa entre Judiciário e Legislativo, que sua decisão não produz perda automática do mandato, "cuja declaração - ainda quando constitua ato vinculado - é de atribuição da Mesa da Câmara".
Os ministros que votaram no julgamento do mensalão pela perda dos direitos políticos dos parlamentares condenados se basearam no artigo 15 da Constituição, segundo o qual a perda ou suspensão dos direitos políticos acontece devido a (...) III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Como não é possível haver um deputado ou senador sem os direitos políticos, a cassação do mandato é automática, bastando que a Mesa da Câmara formalize a decisão. A "impossibilidade jurídica" de um condenado exercer o mandato ficou claramente exposta na decisão do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que convocou imediatamente o suplente de Donadon para assumir o cargo.
Os cinco ministros do STF que haviam votado pela cassação automática do mandato do parlamentar que perdeu seus direitos políticos viam o mesmo problema para os condenados em regime fechado ou semiaberto, pois seriam parlamentares que teriam que dormir na cadeia depois de trabalhar durante o dia como congressistas, uma situação esdrúxula.
Com a PEC dos mensaleiros, as dúvidas estariam sanadas. Não se justifica esse empenho dos petistas para tentar livrar eventuais punições drásticas pois, com o voto aberto, dificilmente um parlamentar condenado por improbidade administrativa e crime contra a administração pública será absolvido. Tanto que os parlamentares envolvidos no mensalão do PT renunciaram aos mandatos depois de condenados.
O Congresso estaria assim colocando um fim à figura do deputado-presidiário, que tanto mal fez à sua já arranhada figura.
Terrorismo - FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE SP - 15/02
BRASÍLIA - Numa aula em Londres em 1986 soube que a agência Reuters usava o termo "terrorismo" com parcimônia. Trata-se de uma expressão que contém juízo de valor, sobretudo o adjetivo "terrorista".
A norma básica da Reuters era usar "terrorismo" quando uma fonte qualificada assim descrevesse um episódio. Até porque, um ato que causa terror pode não ser protagonizado por um terrorista.
Há no momento uma discussão no Congresso a respeito de o Brasil ter uma lei específica para tipificar atos considerados terroristas. Países como os Estados Unidos têm uma norma legal assim. Tenho dúvidas sobre se esse é o melhor caminho para evitar o terrorismo em solo brasileiro.
O que não falta por aqui são leis. Um levantamento de 2011 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) indicava haver no Brasil 155.954 normas federais criadas apenas no período a partir de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Dava uma incrível média de 19 novas regras por dia.
A proposta em discussão no Congresso tem a seguinte definição do crime de terrorismo: "Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa". Como se observa, é muito amplo o escopo desse crime.
Ocorre que a legislação atual já permite à Justiça aplicar penas a quem comete atos dessa natureza. Quem coloca uma bomba em uma lanchonete está praticando um crime. Quem destrói uma ponte também está infringindo a lei.
O problema por aqui é fazer a lei ser aplicada. Por exemplo, dezenas de pessoas responsáveis por crimes em manifestações de rua em junho passado foram indiciadas, mas até agora não há notícias de condenações em série. Esse é o ponto. Copiar a paranoia dos EUA não ajudará. O que melhora o país é uma Justiça mais eficiente e rápida.
BRASÍLIA - Numa aula em Londres em 1986 soube que a agência Reuters usava o termo "terrorismo" com parcimônia. Trata-se de uma expressão que contém juízo de valor, sobretudo o adjetivo "terrorista".
A norma básica da Reuters era usar "terrorismo" quando uma fonte qualificada assim descrevesse um episódio. Até porque, um ato que causa terror pode não ser protagonizado por um terrorista.
Há no momento uma discussão no Congresso a respeito de o Brasil ter uma lei específica para tipificar atos considerados terroristas. Países como os Estados Unidos têm uma norma legal assim. Tenho dúvidas sobre se esse é o melhor caminho para evitar o terrorismo em solo brasileiro.
O que não falta por aqui são leis. Um levantamento de 2011 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) indicava haver no Brasil 155.954 normas federais criadas apenas no período a partir de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Dava uma incrível média de 19 novas regras por dia.
A proposta em discussão no Congresso tem a seguinte definição do crime de terrorismo: "Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa". Como se observa, é muito amplo o escopo desse crime.
Ocorre que a legislação atual já permite à Justiça aplicar penas a quem comete atos dessa natureza. Quem coloca uma bomba em uma lanchonete está praticando um crime. Quem destrói uma ponte também está infringindo a lei.
O problema por aqui é fazer a lei ser aplicada. Por exemplo, dezenas de pessoas responsáveis por crimes em manifestações de rua em junho passado foram indiciadas, mas até agora não há notícias de condenações em série. Esse é o ponto. Copiar a paranoia dos EUA não ajudará. O que melhora o país é uma Justiça mais eficiente e rápida.
Desenvolvimento rural - o que fazer? - ZANDER NAVARRO
O Estado de S.Paulo - 15/02
Inicialmente, é preciso clareza conceitual: desenvolvimento rural é uma política de Estado destinada a induzir amplas transformações sociais e econômicas nos ambientes rurais, numa direção desejável. Desenha o futuro. Por isso mesmo supõe, logicamente, um prévio entendimento sobre o histórico dessas regiões num dado período, pois moldar o futuro exige o passado interpretado (na literatura científica, são as análises sobre o desenvolvimento agrário). Como toda política, requer formulação estratégica, prevendo seu monitoramento e avaliação durante o ciclo de ocorrência, e inclui os setores rurais não agrícolas. Outras expressões próximas são modismos inconsequentes, como desenvolvimento territorial ou desenvolvimento local. Há também o famoso desenvolvimento sustentável, cujo significado exato permanece obscuro, quase três décadas depois de ter sido lançado com estardalhaço.
No Brasil nunca tivemos uma política de desenvolvimento rural. Portanto, a pergunta: precisamos da iniciativa? Será justificado o esforço para promovê-lo? São duas as vias de desenvolvimento rural que podem ser descortinadas. Um "caminho europeu", no qual as regiões rurais manterão alguma densidade social e produtiva, associadas à teia de cidades pequenas e médias espalhadas pelo território; a agropecuária interromperá a sua atual marcha de concentração da produção e, gradualmente, até mesmo a posse da terra também se desconcentrará, mas somente por herança, pois fica mantido o anúncio da "morte da reforma agrária" (por falta de demanda social). Aqui, o objetivo principal seria fortalecer o "esteio do mundo rural" - uma classe média em propriedades modernizadas. O outro caminho é a "via argentina", com o gradual esvaziamento do campo, a supremacia da agricultura de larga escala e o empilhamento da população migrante em poucas, mas grandes regiões metropolitanas (na Argentina incha somente a Grande Buenos Aires).
Se o primeiro cenário é o almejado, será preciso elaborar uma política de desenvolvimento rural radicalmente inovadora. Já para tornar permanente a "argentinização do campo brasileiro" basta manter o que atualmente vem sendo feito - a perversa combinação de uma retórica falsamente social com os processos econômicos em curso, que estão varrendo do campo os produtores de menor porte e, assim, concentrando intensamente a produção agropecuária.
Se o interesse recair na primeira via, que nos permitiria sonhar com o vasto interior povoado significativamente, além de manter uma tessitura econômica e comercial com alta capilaridade geográfica, medidas corajosas serão requeridas. Arrolo algumas dessas ações mais imediatas.
A primeira é de cristalina urgência: extinguir de imediato os dois ministérios da área, eliminando o atual, mas nefasto, hibridismo ministerial. Nasceria então o unificado Ministério do Desenvolvimento Rural (MDR), cuja missão principal seria concretizar no campo a via aqui chamada de europeia.
Os atuais ministérios se esgotaram, afundados, um deles (o da Agricultura) em trajetória de abissal irrelevância, além de maltratar áreas cruciais, como a fiscalização que garante a sanidade alimentar, ou ainda deixando escapar a política agrícola, capturada pelo Ministério da Fazenda. O outro ministério (o do Desenvolvimento Agrário) é fonte de absurdas e delirantes mistificações sobre o rural - e no qual transbordam cargos comissionados a perder de vista. São dois ministérios com a marca de ferro do fracasso institucional e de larga ineficácia operacional. É preciso interromper esse leviano teatro perpetrado com a gigantesca sangria dos fundos da sociedade e ousar em direção mais promissora.
Nascido o MDR, seriam reformulados seus setores, eliminando-se a maior parte das inoperantes secretarias antes existentes. Implantar-se-ia, então, um verdadeiro (e efetivamente democrático) processo de elaboração de uma política de desenvolvimento rural, capaz de criar prosperidade econômica e ativar as capacidades regionais e o protagonismo dos grupos sociais organizados da "sociedade do interior". Seria também preciso coragem para romper com o peso do atraso, extirpando os órgãos em estado terminal, como o Incra, que deveria ser imediatamente extinto (ou transformado numa autarquia destinada a regularizar as terras e emancipar os assentamentos rurais). O foco primordial da nova política seria garantir a ampliação das chances econômicas da agropecuária brasileira, especialmente no tocante aos pequenos produtores. Parece espantoso, mas nos dois ministérios o que menos se discute é a lucratividade da agricultura, como se lucro fosse palavra dos demônios.
Estabelecido o novo ente ministerial e a decisão de promover uma política de rejuvenescimento social e econômico do campo, quatro outras metas cruciais são urgentes: garantir acesso à melhor tecnologia existente aos milhões de produtores hoje desassistidos, mas sem repetir a mesmice corporativista do passado; renovar a pesquisa agrícola e suas instituições, reposicionando suas agendas ainda ancoradas no passado; estimular a solidez decisória das cadeias produtivas, estabelecendo uma nova governança que amplie as chances de inovação; e, finalmente, assegurar bases financeiras robustas para o funcionamento desse setor, adequadas ao país que logo será o maior produtor mundial de alimentos.
Esse seria um esforço capaz de manter como prósperos e eficientes produtores a maior parte das famílias, em especial as moradoras nos estabelecimentos rurais de menor porte econômico, agricultores que hoje lutam desesperadamente para manter seus negócios e atividades nas regiões do interior. Algum presidenciável terá a coragem de discutir este esboço de uma nova política de desenvolvimento rural para o Brasil, assumindo um incontornável compromisso com o futuro?
Inicialmente, é preciso clareza conceitual: desenvolvimento rural é uma política de Estado destinada a induzir amplas transformações sociais e econômicas nos ambientes rurais, numa direção desejável. Desenha o futuro. Por isso mesmo supõe, logicamente, um prévio entendimento sobre o histórico dessas regiões num dado período, pois moldar o futuro exige o passado interpretado (na literatura científica, são as análises sobre o desenvolvimento agrário). Como toda política, requer formulação estratégica, prevendo seu monitoramento e avaliação durante o ciclo de ocorrência, e inclui os setores rurais não agrícolas. Outras expressões próximas são modismos inconsequentes, como desenvolvimento territorial ou desenvolvimento local. Há também o famoso desenvolvimento sustentável, cujo significado exato permanece obscuro, quase três décadas depois de ter sido lançado com estardalhaço.
No Brasil nunca tivemos uma política de desenvolvimento rural. Portanto, a pergunta: precisamos da iniciativa? Será justificado o esforço para promovê-lo? São duas as vias de desenvolvimento rural que podem ser descortinadas. Um "caminho europeu", no qual as regiões rurais manterão alguma densidade social e produtiva, associadas à teia de cidades pequenas e médias espalhadas pelo território; a agropecuária interromperá a sua atual marcha de concentração da produção e, gradualmente, até mesmo a posse da terra também se desconcentrará, mas somente por herança, pois fica mantido o anúncio da "morte da reforma agrária" (por falta de demanda social). Aqui, o objetivo principal seria fortalecer o "esteio do mundo rural" - uma classe média em propriedades modernizadas. O outro caminho é a "via argentina", com o gradual esvaziamento do campo, a supremacia da agricultura de larga escala e o empilhamento da população migrante em poucas, mas grandes regiões metropolitanas (na Argentina incha somente a Grande Buenos Aires).
Se o primeiro cenário é o almejado, será preciso elaborar uma política de desenvolvimento rural radicalmente inovadora. Já para tornar permanente a "argentinização do campo brasileiro" basta manter o que atualmente vem sendo feito - a perversa combinação de uma retórica falsamente social com os processos econômicos em curso, que estão varrendo do campo os produtores de menor porte e, assim, concentrando intensamente a produção agropecuária.
Se o interesse recair na primeira via, que nos permitiria sonhar com o vasto interior povoado significativamente, além de manter uma tessitura econômica e comercial com alta capilaridade geográfica, medidas corajosas serão requeridas. Arrolo algumas dessas ações mais imediatas.
A primeira é de cristalina urgência: extinguir de imediato os dois ministérios da área, eliminando o atual, mas nefasto, hibridismo ministerial. Nasceria então o unificado Ministério do Desenvolvimento Rural (MDR), cuja missão principal seria concretizar no campo a via aqui chamada de europeia.
Os atuais ministérios se esgotaram, afundados, um deles (o da Agricultura) em trajetória de abissal irrelevância, além de maltratar áreas cruciais, como a fiscalização que garante a sanidade alimentar, ou ainda deixando escapar a política agrícola, capturada pelo Ministério da Fazenda. O outro ministério (o do Desenvolvimento Agrário) é fonte de absurdas e delirantes mistificações sobre o rural - e no qual transbordam cargos comissionados a perder de vista. São dois ministérios com a marca de ferro do fracasso institucional e de larga ineficácia operacional. É preciso interromper esse leviano teatro perpetrado com a gigantesca sangria dos fundos da sociedade e ousar em direção mais promissora.
Nascido o MDR, seriam reformulados seus setores, eliminando-se a maior parte das inoperantes secretarias antes existentes. Implantar-se-ia, então, um verdadeiro (e efetivamente democrático) processo de elaboração de uma política de desenvolvimento rural, capaz de criar prosperidade econômica e ativar as capacidades regionais e o protagonismo dos grupos sociais organizados da "sociedade do interior". Seria também preciso coragem para romper com o peso do atraso, extirpando os órgãos em estado terminal, como o Incra, que deveria ser imediatamente extinto (ou transformado numa autarquia destinada a regularizar as terras e emancipar os assentamentos rurais). O foco primordial da nova política seria garantir a ampliação das chances econômicas da agropecuária brasileira, especialmente no tocante aos pequenos produtores. Parece espantoso, mas nos dois ministérios o que menos se discute é a lucratividade da agricultura, como se lucro fosse palavra dos demônios.
Estabelecido o novo ente ministerial e a decisão de promover uma política de rejuvenescimento social e econômico do campo, quatro outras metas cruciais são urgentes: garantir acesso à melhor tecnologia existente aos milhões de produtores hoje desassistidos, mas sem repetir a mesmice corporativista do passado; renovar a pesquisa agrícola e suas instituições, reposicionando suas agendas ainda ancoradas no passado; estimular a solidez decisória das cadeias produtivas, estabelecendo uma nova governança que amplie as chances de inovação; e, finalmente, assegurar bases financeiras robustas para o funcionamento desse setor, adequadas ao país que logo será o maior produtor mundial de alimentos.
Esse seria um esforço capaz de manter como prósperos e eficientes produtores a maior parte das famílias, em especial as moradoras nos estabelecimentos rurais de menor porte econômico, agricultores que hoje lutam desesperadamente para manter seus negócios e atividades nas regiões do interior. Algum presidenciável terá a coragem de discutir este esboço de uma nova política de desenvolvimento rural para o Brasil, assumindo um incontornável compromisso com o futuro?
Mais mercado, menos intervenção - ADRIANO PIRES
FOLHA DE SP - 15/02
Em 2003, as autoridades do PT afirmaram que apagões e racionamentos "nunca mais" ocorreriam.
A realidade tem desmentido os petistas. De 2011 ao dia 4 de fevereiro de 2014, já ocorreram 181 apagões acima de 100 MW e 11 superiores a 1.000 MW. Nestes dois primeiros meses de 2014, com o registro de altas temperaturas, a situação se agravou: os reservatórios de água caíram ao pior nível desde 2002 e o consumo de energia bateu recordes.
O que explica esse cenário de tantos apagões? Com certeza não se pode atribuir exclusivamente à falta de chuvas, às temperaturas elevadas nem aos raios. As principais causas são uma política intervencionista, a falta de planejamento e o desrespeito às regras de mercado.
De olho nas eleições de 2014, o governo editou a medida provisória nº 579 em setembro de 2012, posteriormente convertida na lei nº 12.783/2013, que impôs às empresas uma redução de tarifas num momento em que o preço da energia crescia com o uso das térmicas.
A tarifa artificialmente baixa tinha como objetivo agradar os consumidores e controlar a inflação. As indústrias, que seriam as principais beneficiárias, no fundo foram enganadas, já que a maioria delas está no mercado livre, e as tarifas baixas só atingiram o mercado cativo. Quem ganhou mesmo foram os consumidores residenciais, o que acabou por estimular o desperdício.
Seria preciso que o governo lançasse o quanto antes um plano de uso racional de energia. Entretanto, de forma equivocada, ele confunde plano com racionamento.
A insistência em realizar leilões nacionais e com a presença de todas as modalidades de energia concorrendo entre si levaram a um mau aproveitamento da nossa diversidade de fontes energéticas.
Essa diversidade e a dispersão regional --água e gás natural no Norte, vento no Nordeste, biomassa no Centro Oeste e Sudeste, gás natural no Sudeste e carvão no Sul-- levariam a um melhor gerenciamento dos reservatórios das hidrelétricas, que perderam poder de regularização (capacidade de regularizar o abastecimento de energia elétrica) nos últimos anos pelo fato de o governo ter cedido às pressões ambientalistas e, então, passado a permitir apenas usinas a fio de água (de cisternas pequenas).
O governo não soube transformar a vantagem que a natureza nos deu em uma vantagem econômica e competitiva frente a outros países.
A falta de uma solução adequada para a questão dos licenciamentos ambientais e a adoção de taxas de retorno patrióticas embutidas nos preços dos leilões promoveram atrasos e adiamentos em usinas, linhas de transmissão e subestações --15% do parque eólico brasileiro, por exemplo, está parado por falta de linhas de transmissão.
O governo precisa adotar medidas que mudem a demanda, por meio da implementação de um plano de uso eficiente de energia, e estimulem a oferta, com leilões regionais e por fontes e incentivos ao crescimento do mercado livre.
No curto prazo, o governo deveria incentivar a cogeração a gás natural e a biomassa, que são formas mais eficientes. Um consumo médio da cogeração a gás de aproximadamente 2,4 milhões de metros cúbicos por dia, por exemplo, equivale a uma geração de 450 MW, o que economizaria para o país R$ 2,5 bilhões por ano, considerando o custo evitado do acionamento das térmicas.
O PT teve mais de uma década para modernizar e aumentar o nível de segurança do setor de energia. Entretanto, políticas centralizadoras e populistas tornaram o sistema ainda mais frágil e antiquado.
Em vez de, todos os anos, ficar esperando a chuva e temperaturas amenas, o governo precisa implementar o quanto antes políticas descentralizadoras e práticas de mercado. Só assim para que apagões de fato "nunca mais" ocorram.
Em 2003, as autoridades do PT afirmaram que apagões e racionamentos "nunca mais" ocorreriam.
A realidade tem desmentido os petistas. De 2011 ao dia 4 de fevereiro de 2014, já ocorreram 181 apagões acima de 100 MW e 11 superiores a 1.000 MW. Nestes dois primeiros meses de 2014, com o registro de altas temperaturas, a situação se agravou: os reservatórios de água caíram ao pior nível desde 2002 e o consumo de energia bateu recordes.
O que explica esse cenário de tantos apagões? Com certeza não se pode atribuir exclusivamente à falta de chuvas, às temperaturas elevadas nem aos raios. As principais causas são uma política intervencionista, a falta de planejamento e o desrespeito às regras de mercado.
De olho nas eleições de 2014, o governo editou a medida provisória nº 579 em setembro de 2012, posteriormente convertida na lei nº 12.783/2013, que impôs às empresas uma redução de tarifas num momento em que o preço da energia crescia com o uso das térmicas.
A tarifa artificialmente baixa tinha como objetivo agradar os consumidores e controlar a inflação. As indústrias, que seriam as principais beneficiárias, no fundo foram enganadas, já que a maioria delas está no mercado livre, e as tarifas baixas só atingiram o mercado cativo. Quem ganhou mesmo foram os consumidores residenciais, o que acabou por estimular o desperdício.
Seria preciso que o governo lançasse o quanto antes um plano de uso racional de energia. Entretanto, de forma equivocada, ele confunde plano com racionamento.
A insistência em realizar leilões nacionais e com a presença de todas as modalidades de energia concorrendo entre si levaram a um mau aproveitamento da nossa diversidade de fontes energéticas.
Essa diversidade e a dispersão regional --água e gás natural no Norte, vento no Nordeste, biomassa no Centro Oeste e Sudeste, gás natural no Sudeste e carvão no Sul-- levariam a um melhor gerenciamento dos reservatórios das hidrelétricas, que perderam poder de regularização (capacidade de regularizar o abastecimento de energia elétrica) nos últimos anos pelo fato de o governo ter cedido às pressões ambientalistas e, então, passado a permitir apenas usinas a fio de água (de cisternas pequenas).
O governo não soube transformar a vantagem que a natureza nos deu em uma vantagem econômica e competitiva frente a outros países.
A falta de uma solução adequada para a questão dos licenciamentos ambientais e a adoção de taxas de retorno patrióticas embutidas nos preços dos leilões promoveram atrasos e adiamentos em usinas, linhas de transmissão e subestações --15% do parque eólico brasileiro, por exemplo, está parado por falta de linhas de transmissão.
O governo precisa adotar medidas que mudem a demanda, por meio da implementação de um plano de uso eficiente de energia, e estimulem a oferta, com leilões regionais e por fontes e incentivos ao crescimento do mercado livre.
No curto prazo, o governo deveria incentivar a cogeração a gás natural e a biomassa, que são formas mais eficientes. Um consumo médio da cogeração a gás de aproximadamente 2,4 milhões de metros cúbicos por dia, por exemplo, equivale a uma geração de 450 MW, o que economizaria para o país R$ 2,5 bilhões por ano, considerando o custo evitado do acionamento das térmicas.
O PT teve mais de uma década para modernizar e aumentar o nível de segurança do setor de energia. Entretanto, políticas centralizadoras e populistas tornaram o sistema ainda mais frágil e antiquado.
Em vez de, todos os anos, ficar esperando a chuva e temperaturas amenas, o governo precisa implementar o quanto antes políticas descentralizadoras e práticas de mercado. Só assim para que apagões de fato "nunca mais" ocorram.
Não existe o ‘terrorismo do bem’ - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 15/02
O governo se preocupa em defender ‘organizações sociais’ aliadas, como o MST, para que não sejam atingidas por qualquer mudança de legislação
O assassinato do repórter-cinegrafista Santiago Almeida, da Bandeirantes, pelos black blocs Caio de Souza e Fábio Raposo colocou na agenda do Executivo e Legislativo a necessidade de adequar a legislação ao combate à violência em manifestações de rua. A reação é compreensível, mas não deverá ser fácil melhorar o aparato legal de defesa da sociedade contra grupos violentos que se fortalecem nas franjas de partidos ou fora deles. O primeiro obstáculo é que a esquerda brasileira ainda confunde ações policiais com a atuação arbitrária da ditadura militar.
Ontem, em reunião fechada com 24 secretários de Segurança, acompanhada pelo GLOBO, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez restrição à ideia, defendida, entre outros, pelo secretário fluminense, José Maria Beltrame, de ser proibido por lei o uso de máscaras em manifestações. O ministro prefere uma abordagem mais elegante do mascarado, sem sua penalização, sequer detenção. Uma visão ilusória. A proposta defendida por Beltrame sequer é inédita: foi adotada pela democrática Alemanha, berço dos black blocs, justo com o objetivo de reprimir o grupo, na década de 80. O secretário fluminense deseja, e também com acerto, que haja a obrigatoriedade do aviso antecipado da manifestação à polícia e autoridades de trânsito. O grupo ou pessoa que mandar o aviso ficará responsável pelo que acontecer de anormal. Além da proibição óbvia do porte de objetos que possam ferir terceiros, Beltrame defende o aumento de penas para crimes já previstos em lei e a tipificação da incitação ao vandalismo. O secretário lembra que os dois assassinos de Santiago já haviam sido levados à delegacia. Mas, como a legislação é tíbia e omissa, nada lhes aconteceu e eles continuaram livres para disparar aquele rojão.
O governo se preocupa em defender “organizações sociais” aliadas, como o MST, para que não sejam atingidas por qualquer mudança nessa legislação. Especificamente, o Planalto teme o projeto de uma lei antiterrorismo, no Senado, cuja inexistência é lacuna séria na legislação de um país incluído na agenda de grandes eventos esportivos mundiais. Esta relação espúria do governo com grupos que costumam afrontar o estado de direito é tal que o ministro Gilberto Carvalho, setorista de “movimentos sociais”, chegou a elogiar o MST e a criticar a PM de Brasília, chamada a agir na quinta-feira para evitar a invasão do Supremo por sem-terra. A intoxicação ideológica de auxiliares da presidente não para de surpreender negativamente. No dia seguinte, a própria Dilma recepcionou o MST, gesto que sinaliza a favor da imputabilidade do movimento e outras "organizações sociais" em atos de violência. Muito grave.
Esta é a ideia que o Planalto e o PT parecem querer contrabandear para a legislação antiterrorismo em discussão no Congresso e, agora, nas mudanças a fim de que o Estado enfrente com mais eficácia as manifestações. Mas não existe "terrorismo do bem", tampouco black bloc.
O governo se preocupa em defender ‘organizações sociais’ aliadas, como o MST, para que não sejam atingidas por qualquer mudança de legislação
O assassinato do repórter-cinegrafista Santiago Almeida, da Bandeirantes, pelos black blocs Caio de Souza e Fábio Raposo colocou na agenda do Executivo e Legislativo a necessidade de adequar a legislação ao combate à violência em manifestações de rua. A reação é compreensível, mas não deverá ser fácil melhorar o aparato legal de defesa da sociedade contra grupos violentos que se fortalecem nas franjas de partidos ou fora deles. O primeiro obstáculo é que a esquerda brasileira ainda confunde ações policiais com a atuação arbitrária da ditadura militar.
Ontem, em reunião fechada com 24 secretários de Segurança, acompanhada pelo GLOBO, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez restrição à ideia, defendida, entre outros, pelo secretário fluminense, José Maria Beltrame, de ser proibido por lei o uso de máscaras em manifestações. O ministro prefere uma abordagem mais elegante do mascarado, sem sua penalização, sequer detenção. Uma visão ilusória. A proposta defendida por Beltrame sequer é inédita: foi adotada pela democrática Alemanha, berço dos black blocs, justo com o objetivo de reprimir o grupo, na década de 80. O secretário fluminense deseja, e também com acerto, que haja a obrigatoriedade do aviso antecipado da manifestação à polícia e autoridades de trânsito. O grupo ou pessoa que mandar o aviso ficará responsável pelo que acontecer de anormal. Além da proibição óbvia do porte de objetos que possam ferir terceiros, Beltrame defende o aumento de penas para crimes já previstos em lei e a tipificação da incitação ao vandalismo. O secretário lembra que os dois assassinos de Santiago já haviam sido levados à delegacia. Mas, como a legislação é tíbia e omissa, nada lhes aconteceu e eles continuaram livres para disparar aquele rojão.
O governo se preocupa em defender “organizações sociais” aliadas, como o MST, para que não sejam atingidas por qualquer mudança nessa legislação. Especificamente, o Planalto teme o projeto de uma lei antiterrorismo, no Senado, cuja inexistência é lacuna séria na legislação de um país incluído na agenda de grandes eventos esportivos mundiais. Esta relação espúria do governo com grupos que costumam afrontar o estado de direito é tal que o ministro Gilberto Carvalho, setorista de “movimentos sociais”, chegou a elogiar o MST e a criticar a PM de Brasília, chamada a agir na quinta-feira para evitar a invasão do Supremo por sem-terra. A intoxicação ideológica de auxiliares da presidente não para de surpreender negativamente. No dia seguinte, a própria Dilma recepcionou o MST, gesto que sinaliza a favor da imputabilidade do movimento e outras "organizações sociais" em atos de violência. Muito grave.
Esta é a ideia que o Planalto e o PT parecem querer contrabandear para a legislação antiterrorismo em discussão no Congresso e, agora, nas mudanças a fim de que o Estado enfrente com mais eficácia as manifestações. Mas não existe "terrorismo do bem", tampouco black bloc.
Muito ruim a prévia do PIB - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 15/02
O mau desempenho da economia brasileira no ano passado, já denunciado pelos dados muito ruins da indústria e do emprego industrial e pelos últimos números do consumo, é confirmado por mais um indicador calculado por um órgão de governo. A produção encolheu 0,17% do segundo para o terceiro trimestre e 1,35% de novembro para dezembro, segundo o índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia imperfeita, mas útil, do Produto Interno Bruto (PIB). De janeiro a dezembro houve crescimento de 2,57%, segundo a série livre de fatores sazonais, e de 2,52%, de acordo com as informações registradas sem depuração. Qualquer desses dois números aponta mais um ano de resultados medíocres, o terceiro consecutivo. O PIB cresceu apenas 2,7% em 2011 e 1% em 2012. O número oficial de 2013 deve ser anunciado no fim do mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelas estimativas do mercado financeiro e de consultorias independentes, muito dificilmente será mais animador que o IBC-Br.
Não há discriminação de setores na tabela desse indicador, mas a fraqueza da economia, já se sabe, é explicável, principalmente, pelas más condições da indústria, especialmente do segmento de transformação, pelo baixo nível de investimento e por uma ampla coleção de ineficiências. O crescimento da indústria geral, 1,2% segundo já informou o IBGE, nem sequer bastou para o setor se recuperar da queda de 2,5% no ano anterior.
Pela estimativa do BC, a atividade econômica diminuiu em dois trimestres consecutivos: 0,21% do segundo para o terceiro e 0,17% do terceiro para o quarto. Reduções em dois trimestres seguidos configuram tecnicamente uma recessão. Mas é cedo para usar essa palavra, embora a segunda metade do ano tenha sido indiscutivelmente muito ruim. Mas só os dados do IBGE poderão confirmar ou desmentir um cenário tecnicamente recessivo. Parte da informação necessária já é conhecida. No período de julho a setembro o PIB foi 0,5% menor que nos três meses anteriores. Falta ainda conhecer a estimativa do PIB entre outubro e dezembro.
Para o planejamento empresarial faz pouca diferença, nesta altura, o reconhecimento de uma recessão na segunda metade do ano passado. Tampouco fará diferença o registro oficial de um modesto crescimento do PIB nos três meses finais. De toda forma, o período foi desastroso para a maior parte da indústria, inegavelmente, e quem sobreviveu deve cuidar de outros assuntos para alcançar maior expansão e maior segurança neste ano e nos próximos.
Essa tarefa será especialmente complicada, se o governo insistir nas políticas seguidas nos últimos três anos e der prioridade - como geralmente se espera - às conveniências eleitorais. Um maior dinamismo econômico seria muito conveniente para as pretensões políticas da presidente, mas o empresariado precisa de mais confiança para investir e assumir riscos maiores. Mas a equipe de governo tem mostrado, até agora, pouca disposição para mudar o repertório de políticas.
Completadas as duas primeiras semanas de fevereiro, o Executivo nem sequer anunciou sua meta fiscal para este ano. O compromisso em relação às contas públicas tem de ser ao mesmo tempo crível e realizável sem muita dificuldade, para atender às conveniências eleitorais da presidente. De toda forma, seria precipitado imaginar um ano de austeridade fiscal, com redução da gastança.
O BC, tudo indica, deve continuar sendo o responsável principal - talvez o único - pelo combate à inflação. A contenção dos preços dependerá, portanto, principalmente dos juros. O acesso ao crédito de longo prazo continuará difícil para a maior parte das empresas no País, e mais escasso no exterior.
O câmbio um pouco mais depreciado e pressões salariais mais brandas poderão dar algum oxigênio às indústrias, mas outros custos, como o da energia, poderão pesar nas contas. Se os investimentos em infraestrutura deslancharem, as perspectivas ficarão melhores, mas os bons efeitos só deverão surgir nos próximos anos. É difícil, hoje, apostar em resultados muito melhores que os de 2013.
Não há discriminação de setores na tabela desse indicador, mas a fraqueza da economia, já se sabe, é explicável, principalmente, pelas más condições da indústria, especialmente do segmento de transformação, pelo baixo nível de investimento e por uma ampla coleção de ineficiências. O crescimento da indústria geral, 1,2% segundo já informou o IBGE, nem sequer bastou para o setor se recuperar da queda de 2,5% no ano anterior.
Pela estimativa do BC, a atividade econômica diminuiu em dois trimestres consecutivos: 0,21% do segundo para o terceiro e 0,17% do terceiro para o quarto. Reduções em dois trimestres seguidos configuram tecnicamente uma recessão. Mas é cedo para usar essa palavra, embora a segunda metade do ano tenha sido indiscutivelmente muito ruim. Mas só os dados do IBGE poderão confirmar ou desmentir um cenário tecnicamente recessivo. Parte da informação necessária já é conhecida. No período de julho a setembro o PIB foi 0,5% menor que nos três meses anteriores. Falta ainda conhecer a estimativa do PIB entre outubro e dezembro.
Para o planejamento empresarial faz pouca diferença, nesta altura, o reconhecimento de uma recessão na segunda metade do ano passado. Tampouco fará diferença o registro oficial de um modesto crescimento do PIB nos três meses finais. De toda forma, o período foi desastroso para a maior parte da indústria, inegavelmente, e quem sobreviveu deve cuidar de outros assuntos para alcançar maior expansão e maior segurança neste ano e nos próximos.
Essa tarefa será especialmente complicada, se o governo insistir nas políticas seguidas nos últimos três anos e der prioridade - como geralmente se espera - às conveniências eleitorais. Um maior dinamismo econômico seria muito conveniente para as pretensões políticas da presidente, mas o empresariado precisa de mais confiança para investir e assumir riscos maiores. Mas a equipe de governo tem mostrado, até agora, pouca disposição para mudar o repertório de políticas.
Completadas as duas primeiras semanas de fevereiro, o Executivo nem sequer anunciou sua meta fiscal para este ano. O compromisso em relação às contas públicas tem de ser ao mesmo tempo crível e realizável sem muita dificuldade, para atender às conveniências eleitorais da presidente. De toda forma, seria precipitado imaginar um ano de austeridade fiscal, com redução da gastança.
O BC, tudo indica, deve continuar sendo o responsável principal - talvez o único - pelo combate à inflação. A contenção dos preços dependerá, portanto, principalmente dos juros. O acesso ao crédito de longo prazo continuará difícil para a maior parte das empresas no País, e mais escasso no exterior.
O câmbio um pouco mais depreciado e pressões salariais mais brandas poderão dar algum oxigênio às indústrias, mas outros custos, como o da energia, poderão pesar nas contas. Se os investimentos em infraestrutura deslancharem, as perspectivas ficarão melhores, mas os bons efeitos só deverão surgir nos próximos anos. É difícil, hoje, apostar em resultados muito melhores que os de 2013.
Democracia só ganha com voto aberto - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 15/02
O que fez o plenário da Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira foi muito mais do que cassar o mandato de deputado que atropelou o decoro parlamentar. A votação foi histórica, não apenas por representar passo importante na direção oposta ao fosso que a Casa tem cavado entre a sociedade e seus representantes, mas por marcar a estreia do voto aberto para esse tipo de processo.
Uma ideia do que isso representa para o avanço da democracia entre nós foi dada pelos números estampados no painel de votação. O deputado Natan Donadon (sem partido-RO), condenado pelo Supremo tribunal Federal (STF) a 13 anos de cadeia e recolhido à penitenciária da Papuda, já havia entrado para a história da vergonha brasileira ao se tornar o primeiro parlamentar condenado pela mais alta Corte nacional. Pior: o primeiro deputado presidiário do país.
Ele foi condenado por ter desviado R$ 8 milhões da Assembleia Legislativa de seu estado, quando era seu presidente. Mas nada disso moveu a consciência da maioria dos deputados que, em agosto, ao votar proposta de cassação do mandato de Donadon, decidiu mantê-lo no cargo. Eles não resistiram à tentação corporativista e, no escurinho do voto secreto, atiraram contra o bom senso: 233 votaram pela cassação, mas 131 foram contra, 41 se abstiveram e 131 usaram o recurso covarde da ausência.
Custou caro. A indignação foi geral. O presidente Henrique Eduardo Alves reconheceu que a Câmara tinha sido ferida na reputação já bastante abalada. Graças à campanha movida pelo Correio e pressionado pela imprensa, tomou a iniciativa de acelerar a votação de proposta de emenda constitucional que se arrastava havia 12 anos, acabando com o voto secreto para cassação de mandatos. A Câmara abriu novo processo contra Donadon. O painel, dessa vez, mostrou realidade muito diferente: 467 deputados votaram pela cassação.
É certo que a Câmara, acostumada a perder, ganhou pontos. Mas o mérito da inédita transparência nas votações no Legislativo inaugurada nesta semana não deixou de revelar também uma constrangedora fragilidade nos propósitos e no caráter da maioria dos representantes do povo. Afinal, não foi apenas rápida a mudança de opinião. Foi escandalosa a diferença apurada, o que sugere ao eleitor mais cuidado com quem vai mandar de volta a Brasília.
Além disso, o resultado reforça a tese de que o Senado precisa rever os freios que colocou na aprovação da PEC, mantendo o voto secreto para a indicação de autoridades como ministros do Supremo tribunal Federal e procurador-geral da República. A emblemática cassação de Donadon deve ter ensinado a todos que o primeiro compromisso do parlamentar é com um personagem que, felizmente, vem ganhando força na democracia brasileira: o eleitor.
Bloqueio à informação - EDITORIAL GAZETA DO POVO
GAZETA DO POVO - PR
A rejeição a priori de todos os pedidos de informação e convites a autoridades, quando feitos pela oposição, é tão ruim quanto o uso desse instrumento para fins eleitoreiros
Nos regimes republicanos, ao Legislativo, além de aprovar leis, cabe fiscalizar o Executivo. E, independentemente de serem situacionistas ou oposicionistas, os parlamentares têm o direito de obter do Executivo as informações que considerem de interesse público para o bom cumprimento de seus mandatos. Para tanto, dentro das regras regimentais, podem subscrever os requerimentos cabíveis para que sejam submetidos à aprovação do plenário. É assim que funciona nas democracias que prezam pela transparência.
Entretanto, a Assembleia Legislativa do Paraná vem negando sistematicamente o direito à informação ao minúsculo bloco de oposição; por orientação da liderança situacionista, os requerimentos são invariavelmente rejeitados por sua majoritária bancada. Como a Gazeta do Povo mostrou na terça-feira, até o ano passado situação e oposição tinham um acordo para aprovar todos os pedidos de informação e convites a autoridades. No entanto, desde que foi feito um pedido para que o secretário Pepe Richa fosse à Assembleia explicar denúncias publicadas por uma revista, a bancada governista resolveu barrar todos os pedidos e convites que viessem da oposição.
Essa situação dá sinais de que, a partir de agora e à medida que as eleições se aproximarem, será ainda mais difícil para a oposição o acesso a informações do governo. A estratégia situacionista de insistir nas negativas tem sua lógica e é até compreensível: nem sempre os requerimentos obedecem ao autêntico objetivo de defender o interesse público, mas simplesmente o de criar constrangimentos para deles tirar proveitos político-eleitorais.
Qualquer generalização, no entanto, é danosa. Nem a oposição deve valer-se indiscriminadamente do recurso legal e regimental com finalidades outras que não as de buscar dados relevantes para o exercício do papel de fiscalização inerente ao Legislativo, nem a situação deve arrogar-se ao pretenso direito de não fornecê-los. Se houver supostos interesses político-eleitorais da oposição em seus requerimentos, que sejam denunciados; mas que os pedidos considerados razoáveis possam ser apreciados sem uma rejeição a priori só pelo fato de virem da oposição.
Acima destas duas posturas está o princípio da transparência – hoje um valor quase absoluto na gestão pública. Trata-se de um direito inalienável do cidadão saber com precisão não apenas o destino dado aos impostos que recolhe, como também se estão sendo utilizados segundo os demais princípios inscritos na Constituição – isto é, obedecendo à legalidade, à impessoalidade, à moralidade e à eficiência.
O fato de a campanha já ter começado na prática, com todas as distorções de ordem política ou ideológica e as dificuldades naturais e legais que o período eleitoral impõe aos gestores públicos, não os elide da obrigação de prestar contas diuturnamente de seus atos. A recíproca é absolutamente verdadeira: é direito da oposição parlamentar agir e fiscalizar com rigor, mas limitada às questões que claramente se incluam como de interesse público. O resto, de um lado ou de outro, é política em seu sentido mais pedestre, que não enobrece o papel constitucional do Legislativo.
A rejeição a priori de todos os pedidos de informação e convites a autoridades, quando feitos pela oposição, é tão ruim quanto o uso desse instrumento para fins eleitoreiros
Nos regimes republicanos, ao Legislativo, além de aprovar leis, cabe fiscalizar o Executivo. E, independentemente de serem situacionistas ou oposicionistas, os parlamentares têm o direito de obter do Executivo as informações que considerem de interesse público para o bom cumprimento de seus mandatos. Para tanto, dentro das regras regimentais, podem subscrever os requerimentos cabíveis para que sejam submetidos à aprovação do plenário. É assim que funciona nas democracias que prezam pela transparência.
Entretanto, a Assembleia Legislativa do Paraná vem negando sistematicamente o direito à informação ao minúsculo bloco de oposição; por orientação da liderança situacionista, os requerimentos são invariavelmente rejeitados por sua majoritária bancada. Como a Gazeta do Povo mostrou na terça-feira, até o ano passado situação e oposição tinham um acordo para aprovar todos os pedidos de informação e convites a autoridades. No entanto, desde que foi feito um pedido para que o secretário Pepe Richa fosse à Assembleia explicar denúncias publicadas por uma revista, a bancada governista resolveu barrar todos os pedidos e convites que viessem da oposição.
Essa situação dá sinais de que, a partir de agora e à medida que as eleições se aproximarem, será ainda mais difícil para a oposição o acesso a informações do governo. A estratégia situacionista de insistir nas negativas tem sua lógica e é até compreensível: nem sempre os requerimentos obedecem ao autêntico objetivo de defender o interesse público, mas simplesmente o de criar constrangimentos para deles tirar proveitos político-eleitorais.
Qualquer generalização, no entanto, é danosa. Nem a oposição deve valer-se indiscriminadamente do recurso legal e regimental com finalidades outras que não as de buscar dados relevantes para o exercício do papel de fiscalização inerente ao Legislativo, nem a situação deve arrogar-se ao pretenso direito de não fornecê-los. Se houver supostos interesses político-eleitorais da oposição em seus requerimentos, que sejam denunciados; mas que os pedidos considerados razoáveis possam ser apreciados sem uma rejeição a priori só pelo fato de virem da oposição.
Acima destas duas posturas está o princípio da transparência – hoje um valor quase absoluto na gestão pública. Trata-se de um direito inalienável do cidadão saber com precisão não apenas o destino dado aos impostos que recolhe, como também se estão sendo utilizados segundo os demais princípios inscritos na Constituição – isto é, obedecendo à legalidade, à impessoalidade, à moralidade e à eficiência.
O fato de a campanha já ter começado na prática, com todas as distorções de ordem política ou ideológica e as dificuldades naturais e legais que o período eleitoral impõe aos gestores públicos, não os elide da obrigação de prestar contas diuturnamente de seus atos. A recíproca é absolutamente verdadeira: é direito da oposição parlamentar agir e fiscalizar com rigor, mas limitada às questões que claramente se incluam como de interesse público. O resto, de um lado ou de outro, é política em seu sentido mais pedestre, que não enobrece o papel constitucional do Legislativo.
Força eleitoral - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 15/02
Na antevéspera das eleições presidenciais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sai do ostracismo a que estava relegado pela mudança na estrutura fundiária brasileira e pelos programas sociais do governo e mostra em Brasília que ainda é uma força eleitoral. As 100 mil famílias acampadas e outras tantas já assentadas, além de simpatizantes, representam um contingente eleitoral nada desprezível. Por isso, mais do que pela manifestação tumultuada da véspera, as lideranças do movimento foram recebidas cerimoniosamente pela presidente e saíram do Planalto com a promessa de assentamento de 30 mil famílias neste ano. A verdade, porém, é que o MST perdeu importância no contexto nacional e hoje luta por um modelo de reforma agrária que já não faz sentido.
A mais recente reação do Movimento é típica de um país retardatário no enfrentamento das questões agrárias. Enquanto a maioria das nações resolveu seus dilemas nessa área no século 20, realizando reformas exitosas, aqui as políticas públicas não avançaram. O MST que mobilizou milhares de sem-terra a partir dos anos 80 já era, naquele contexto, uma articulação tardia, decorrente do próprio fracasso dos programas fundiários. Mesmo que se reconheça a legitimidade de quem lutou, naquele período, e continua lutando agora por um pedaço de chão, para levar adiante uma vocação familiar, essa é uma aspiração cada vez mais distante da realidade brasileira.
O Brasil se urbanizou, o chamado latifúndio improdutivo se extinguiu nos Estados que modernizaram a agropecuária e as áreas disponíveis para assentamento ficaram praticamente restritas às regiões da fronteira agrícola que se expandiu em parte do centro e do norte do país. Foi assim que os acampamentos deixaram de ser, nos últimos 10 anos, um fenômeno de massa. Quando afirmam que a presidente Dilma Rousseff vem desapropriando menos terras do que os governos militares, os líderes do MST podem estar certos. A estatística desfavorável ao atual governo não representa necessariamente uma má vontade do Planalto com os anseios dos sem-terra. O que ocorre é que o Brasil tem cada vez menos áreas para oferecer às famílias ainda interessadas em se dedicar às atividades rurais.
Nesse cenário, para contemplar as demandas de pessoas que desejam trabalhar, o governo deveria priorizar os esforços dirigidos à formação profissional em atividades urbanas. Com a crescente demanda por mão de obra na indústria e no setor de serviços, os interesses de todos seriam atendidos de acordo com o novo contexto econômico e a evolução das atividades produtivas. Isso não significaria a suspensão de novos assentamentos, mas sua adequação à atual conjuntura, para que não continuem tendo, de forma equivocada, a importância que tiveram no século passado.
Na antevéspera das eleições presidenciais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sai do ostracismo a que estava relegado pela mudança na estrutura fundiária brasileira e pelos programas sociais do governo e mostra em Brasília que ainda é uma força eleitoral. As 100 mil famílias acampadas e outras tantas já assentadas, além de simpatizantes, representam um contingente eleitoral nada desprezível. Por isso, mais do que pela manifestação tumultuada da véspera, as lideranças do movimento foram recebidas cerimoniosamente pela presidente e saíram do Planalto com a promessa de assentamento de 30 mil famílias neste ano. A verdade, porém, é que o MST perdeu importância no contexto nacional e hoje luta por um modelo de reforma agrária que já não faz sentido.
A mais recente reação do Movimento é típica de um país retardatário no enfrentamento das questões agrárias. Enquanto a maioria das nações resolveu seus dilemas nessa área no século 20, realizando reformas exitosas, aqui as políticas públicas não avançaram. O MST que mobilizou milhares de sem-terra a partir dos anos 80 já era, naquele contexto, uma articulação tardia, decorrente do próprio fracasso dos programas fundiários. Mesmo que se reconheça a legitimidade de quem lutou, naquele período, e continua lutando agora por um pedaço de chão, para levar adiante uma vocação familiar, essa é uma aspiração cada vez mais distante da realidade brasileira.
O Brasil se urbanizou, o chamado latifúndio improdutivo se extinguiu nos Estados que modernizaram a agropecuária e as áreas disponíveis para assentamento ficaram praticamente restritas às regiões da fronteira agrícola que se expandiu em parte do centro e do norte do país. Foi assim que os acampamentos deixaram de ser, nos últimos 10 anos, um fenômeno de massa. Quando afirmam que a presidente Dilma Rousseff vem desapropriando menos terras do que os governos militares, os líderes do MST podem estar certos. A estatística desfavorável ao atual governo não representa necessariamente uma má vontade do Planalto com os anseios dos sem-terra. O que ocorre é que o Brasil tem cada vez menos áreas para oferecer às famílias ainda interessadas em se dedicar às atividades rurais.
Nesse cenário, para contemplar as demandas de pessoas que desejam trabalhar, o governo deveria priorizar os esforços dirigidos à formação profissional em atividades urbanas. Com a crescente demanda por mão de obra na indústria e no setor de serviços, os interesses de todos seriam atendidos de acordo com o novo contexto econômico e a evolução das atividades produtivas. Isso não significaria a suspensão de novos assentamentos, mas sua adequação à atual conjuntura, para que não continuem tendo, de forma equivocada, a importância que tiveram no século passado.
Governança em rede - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 15/02
Após vazamento de dados sobre espionagem da NSA, aumenta uma saudável pressão para que a gestão da internet seja descentralizada
Em documento divulgado na quarta-feira, a União Europeia manifestou-se a favor de uma governança da internet mais "inclusiva, transparente e multilateral".
A declaração vem na esteira de revelações sobre as atividades de espionagem do governo norte-americano. Dados vazados pelo analista Edward Snowden expuseram o monitoramento de chefes de Estado e o amplo acesso da NSA, órgão de inteligência dos EUA, à movimentação de internautas.
Em meio à consternação --e à recorrente retórica antiamericana--, articularam-se reações necessárias. O episódio também ofereceu a outros polos do poder global uma chance para pressionar a principal potência planetária e pôr na mesa uma agenda sobre a governança do mundo digital.
Os EUA, com efeito, detêm amplos poderes no que diz respeito ao funcionamento da internet. Compreende-se, já que a rede foi inventada pelo complexo militar norte-americano e se expandiu graças a tecnologias desenvolvidas no país. De um ponto de vista político, dada sua importância estratégica, não faria sentido para Washington abrir mão de seu domínio.
A rigor até existe relativa descentralização da gestão da rede. Mas os norte-americanos controlam uma área estratégica: o sistema que coordena os endereços da internet em escala global.
Para que alguém se conecte com uma pessoa ou site, o endereço precisa ser único, diferente dos demais. A administração desse "catálogo telefônico da internet" é feita por uma entidade ligada ao governo norte-americano, que também gerencia os servidores onde se armazenam e processam os dados.
É o compartilhamento dessa área que a União Europeia tem em mente. As discussões sobre o tema não são novidade, mas é natural que tenham se intensificado. Entre as propostas que já surgiram, há quem defenda a nacionalização da governança, enquanto outros querem entregá-la à ONU.
Nesse contexto de inquietações, um entendimento com a União Europeia seria uma alternativa mais segura para os EUA, caso cogitem aceitar alguma desconcentração.
A recente visita do presidente da França, François Hollande, a Washington demonstra que os laços entre EUA e Europa continuam a prevalecer sobre eventuais rusgas --como o caso da NSA, que já se considerou "superado". Por ora, de todo modo, é difícil imaginar que o governo norte-americano faça concessões significativas.
A internet é uma realidade recente, que transformou a vida e as comunicações do mundo. É normal --e saudável-- que os diversos atores globais queiram influir em sua gestão e seus desenvolvimentos futuros. A demanda por uma governança multilateral não deve sair da pauta, tornando-se mais presente nos debates internacionais.
Após vazamento de dados sobre espionagem da NSA, aumenta uma saudável pressão para que a gestão da internet seja descentralizada
Em documento divulgado na quarta-feira, a União Europeia manifestou-se a favor de uma governança da internet mais "inclusiva, transparente e multilateral".
A declaração vem na esteira de revelações sobre as atividades de espionagem do governo norte-americano. Dados vazados pelo analista Edward Snowden expuseram o monitoramento de chefes de Estado e o amplo acesso da NSA, órgão de inteligência dos EUA, à movimentação de internautas.
Em meio à consternação --e à recorrente retórica antiamericana--, articularam-se reações necessárias. O episódio também ofereceu a outros polos do poder global uma chance para pressionar a principal potência planetária e pôr na mesa uma agenda sobre a governança do mundo digital.
Os EUA, com efeito, detêm amplos poderes no que diz respeito ao funcionamento da internet. Compreende-se, já que a rede foi inventada pelo complexo militar norte-americano e se expandiu graças a tecnologias desenvolvidas no país. De um ponto de vista político, dada sua importância estratégica, não faria sentido para Washington abrir mão de seu domínio.
A rigor até existe relativa descentralização da gestão da rede. Mas os norte-americanos controlam uma área estratégica: o sistema que coordena os endereços da internet em escala global.
Para que alguém se conecte com uma pessoa ou site, o endereço precisa ser único, diferente dos demais. A administração desse "catálogo telefônico da internet" é feita por uma entidade ligada ao governo norte-americano, que também gerencia os servidores onde se armazenam e processam os dados.
É o compartilhamento dessa área que a União Europeia tem em mente. As discussões sobre o tema não são novidade, mas é natural que tenham se intensificado. Entre as propostas que já surgiram, há quem defenda a nacionalização da governança, enquanto outros querem entregá-la à ONU.
Nesse contexto de inquietações, um entendimento com a União Europeia seria uma alternativa mais segura para os EUA, caso cogitem aceitar alguma desconcentração.
A recente visita do presidente da França, François Hollande, a Washington demonstra que os laços entre EUA e Europa continuam a prevalecer sobre eventuais rusgas --como o caso da NSA, que já se considerou "superado". Por ora, de todo modo, é difícil imaginar que o governo norte-americano faça concessões significativas.
A internet é uma realidade recente, que transformou a vida e as comunicações do mundo. É normal --e saudável-- que os diversos atores globais queiram influir em sua gestão e seus desenvolvimentos futuros. A demanda por uma governança multilateral não deve sair da pauta, tornando-se mais presente nos debates internacionais.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Delúbio poderia emprestar sua expertise...”
Ministro Gilmar Mendes (STF), sugerindo vaquinha para restituir o roubo do mensalão
PIZZOLATO DERRUBOU ‘SEGURANÇA’ DO VOTO ELETRÔNICO
A prisão do meliante Henrique Pizzolato revelou a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro, que se proclama “um dos mais seguros do mundo”. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio expediu em 2008 título eleitoral para um morto, sem averiguar se ele existia. Pior, deixou que a partir de então uma mesma pessoa votasse duas vezes, mostrando que também a urna eletrônica é vulnerável a eleitores fantasmas.
OBRIGATÓRIO?
Se estivesse vivo, “Celso” Pizzolato teria ficado 30 anos sem Título de Eleitor, documento obrigatório a todo brasileiro, até “obtê-lo” em 2008.
INUTILIDADE
Faz tanto tempo que Celso Pizzolato faleceu, que, na época, o ano de 1978, nem sequer havia eleições diretas.
SEM QUALIFICAÇÃO
Mesários nas eleições, obrigados a trabalhar gratuitamente para a Justiça Eleitoral, não são qualificados para identificar falsificações.
COLEÇÃO DE PENAS
Além da condenação do mensalão, Henrique Pizzolato pode responder por crime eleitoral por fraudar o documento, segundo o TRE do Rio de Janeiro.
MAPA DA MINA DO ‘E-MAIL JABUTICABA’ ESTÁ ON-LINE
O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) insiste que é “seguro” o e-mail criado para blindar o governo de espionagem, mas os passos da sua criação estão disponíveis na internet, incluindo senhas, usuários, comunicação interna do Serpro, e versões dos programas usados na programação. O “e-mail jabuticaba” é baseado em linguagem alemã, o Tine 2.0 – que é “aberta” e, portanto, vulnerável.
DÊ UMA OLHADA
Todos os detalhes do Expresso V3, o “e-mail seguro” do Serpro, estão no link: https://comunidadeexpresso.serpro.gov.br/mediawiki/.
CARA FEIA NÃO BLINDA
Designada para explicar a “segurança” do e-mail jabuticaba, servidora apenas alega que o “Serpro não foi invadido em 50 anos”. Mas o será.
100% ÜBERREGIONAL
O Expresso V3 foi criado pelo Serpro com base na linguagem Tine 2.0, tecnologia já obsoleta de uma empresa de Hamburgo, na Alemanha.
QUEM DIZ O QUE QUER...
Eduardo Suplicy se queixou do ministro Gilmar Mendes, que suspeita da origem das doações a mensaleiros, e tomou uma bela resposta. O ministro sugeriu que o senador abilolado lidere vaquinha para ressarcir o erário dos R$ 100 milhões surrupiados na gatunagem do mensalão.
VAI PERDER O PINTO
Dilma fará bate-volta a Maceió na terça (18). Adiando a visita por três dias, participaria sábado (21) da maior festa popular da cidade, o bloco carnavalesco Pinto da Madrugada, que atrai mais de 300 mil foliões.
SÃO UNS COVARDES
“Black blocs” sonham com um cadáver, como no caso de Edson Luiz, estudante cujo assassinato numa passeata no Rio de Janeiro, em 1968, incendiou o País. A diferença é que, na época, os manifestantes enfrentavam a ditadura, de peito aberto e sem máscaras.
BANHO-MARIA
Diante da reação do PMDB contra proposta para reforma ministerial, a presidente Dilma colocou o partido de molho e só voltará a discutir o tema depois de consultar quem realmente manda: o ex-presidente Lula.
COTADA
Diante das incertezas no cenário eleitoral de Pernambuco, ala do PT já defende a candidatura da presidente estadual, deputada Teresa Leitão, ao Senado na chapa do senador Armando Monteiro (PTB) ao governo.
MENOS MÉDICOS
Dos quatro profissionais cubanos do Mais Médicos que fugiram para Miami, nos EUA, o Ministério da Saúde só reconhece a ausência de dois. Alega que, apesar de inscrito no programa, o médico José Luiz Menchaca “não teria homologado” a participação no Mais Médicos.
NINGUÉM MERECE
O deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES) critica a ineficiência do governo brasileiro: “Em uma semana, tivemos dois apagões, as operadoras de celulares não prestam, sem falar nos atrasos e problemas nos voos”.
MISE-EN-SCÈNE
Ligado ao governador Siqueira Campos (PSDB-TO), o deputado Júnior Coimbra iniciou périplo no estado alegando que disputará o governo. O PMDB acha que é só para atrapalhar candidatura de Marcelo Miranda.
MAU COMEÇO
Registrado em São Paulo em nome da filha Joana, o site da “vaquinha” de José Dirceu está hospedado na Locaweb, muito ruim de serviço.
PODER SEM PUDOR
SERRA NÃO GOSTA DE VICES
Certa vez, durante sabatina na OAB, José Serra defendeu a extinção do vice, como no Chile. Sentado ao lado, o vice-presidente da OAB, Alberto de Paula Machado, que é muito espirituoso, reagiu na bucha, arrancando gargalhadas:
- Ele quer acabar logo com o meu cargo!
Serra, acredite, sorriu:
- Minha ideia é acabar com as figuras de vice apenas na política...
Ministro Gilmar Mendes (STF), sugerindo vaquinha para restituir o roubo do mensalão
PIZZOLATO DERRUBOU ‘SEGURANÇA’ DO VOTO ELETRÔNICO
A prisão do meliante Henrique Pizzolato revelou a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro, que se proclama “um dos mais seguros do mundo”. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio expediu em 2008 título eleitoral para um morto, sem averiguar se ele existia. Pior, deixou que a partir de então uma mesma pessoa votasse duas vezes, mostrando que também a urna eletrônica é vulnerável a eleitores fantasmas.
OBRIGATÓRIO?
Se estivesse vivo, “Celso” Pizzolato teria ficado 30 anos sem Título de Eleitor, documento obrigatório a todo brasileiro, até “obtê-lo” em 2008.
INUTILIDADE
Faz tanto tempo que Celso Pizzolato faleceu, que, na época, o ano de 1978, nem sequer havia eleições diretas.
SEM QUALIFICAÇÃO
Mesários nas eleições, obrigados a trabalhar gratuitamente para a Justiça Eleitoral, não são qualificados para identificar falsificações.
COLEÇÃO DE PENAS
Além da condenação do mensalão, Henrique Pizzolato pode responder por crime eleitoral por fraudar o documento, segundo o TRE do Rio de Janeiro.
MAPA DA MINA DO ‘E-MAIL JABUTICABA’ ESTÁ ON-LINE
O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) insiste que é “seguro” o e-mail criado para blindar o governo de espionagem, mas os passos da sua criação estão disponíveis na internet, incluindo senhas, usuários, comunicação interna do Serpro, e versões dos programas usados na programação. O “e-mail jabuticaba” é baseado em linguagem alemã, o Tine 2.0 – que é “aberta” e, portanto, vulnerável.
DÊ UMA OLHADA
Todos os detalhes do Expresso V3, o “e-mail seguro” do Serpro, estão no link: https://comunidadeexpresso.serpro.gov.br/mediawiki/.
CARA FEIA NÃO BLINDA
Designada para explicar a “segurança” do e-mail jabuticaba, servidora apenas alega que o “Serpro não foi invadido em 50 anos”. Mas o será.
100% ÜBERREGIONAL
O Expresso V3 foi criado pelo Serpro com base na linguagem Tine 2.0, tecnologia já obsoleta de uma empresa de Hamburgo, na Alemanha.
QUEM DIZ O QUE QUER...
Eduardo Suplicy se queixou do ministro Gilmar Mendes, que suspeita da origem das doações a mensaleiros, e tomou uma bela resposta. O ministro sugeriu que o senador abilolado lidere vaquinha para ressarcir o erário dos R$ 100 milhões surrupiados na gatunagem do mensalão.
VAI PERDER O PINTO
Dilma fará bate-volta a Maceió na terça (18). Adiando a visita por três dias, participaria sábado (21) da maior festa popular da cidade, o bloco carnavalesco Pinto da Madrugada, que atrai mais de 300 mil foliões.
SÃO UNS COVARDES
“Black blocs” sonham com um cadáver, como no caso de Edson Luiz, estudante cujo assassinato numa passeata no Rio de Janeiro, em 1968, incendiou o País. A diferença é que, na época, os manifestantes enfrentavam a ditadura, de peito aberto e sem máscaras.
BANHO-MARIA
Diante da reação do PMDB contra proposta para reforma ministerial, a presidente Dilma colocou o partido de molho e só voltará a discutir o tema depois de consultar quem realmente manda: o ex-presidente Lula.
COTADA
Diante das incertezas no cenário eleitoral de Pernambuco, ala do PT já defende a candidatura da presidente estadual, deputada Teresa Leitão, ao Senado na chapa do senador Armando Monteiro (PTB) ao governo.
MENOS MÉDICOS
Dos quatro profissionais cubanos do Mais Médicos que fugiram para Miami, nos EUA, o Ministério da Saúde só reconhece a ausência de dois. Alega que, apesar de inscrito no programa, o médico José Luiz Menchaca “não teria homologado” a participação no Mais Médicos.
NINGUÉM MERECE
O deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES) critica a ineficiência do governo brasileiro: “Em uma semana, tivemos dois apagões, as operadoras de celulares não prestam, sem falar nos atrasos e problemas nos voos”.
MISE-EN-SCÈNE
Ligado ao governador Siqueira Campos (PSDB-TO), o deputado Júnior Coimbra iniciou périplo no estado alegando que disputará o governo. O PMDB acha que é só para atrapalhar candidatura de Marcelo Miranda.
MAU COMEÇO
Registrado em São Paulo em nome da filha Joana, o site da “vaquinha” de José Dirceu está hospedado na Locaweb, muito ruim de serviço.
PODER SEM PUDOR
SERRA NÃO GOSTA DE VICES
Certa vez, durante sabatina na OAB, José Serra defendeu a extinção do vice, como no Chile. Sentado ao lado, o vice-presidente da OAB, Alberto de Paula Machado, que é muito espirituoso, reagiu na bucha, arrancando gargalhadas:
- Ele quer acabar logo com o meu cargo!
Serra, acredite, sorriu:
- Minha ideia é acabar com as figuras de vice apenas na política...
sexta-feira, fevereiro 14, 2014
Sem saída - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 14/02
Na Venezuela, desajuste político apenas emoldura o desastre econômico
- Eles são os responsáveis pelo que está acontecendo - gritava o presidente da Assembleia Nacional, referindo-se aos líderes da rarefeita bancada de oposição no parlamento. - Vagabundos! Imorais! Vocês nunca vão governar este país! - acrescentou Diosdado Cabello, reconhecido como o segundo homem no poder na Venezuela.
Já se contavam três mortos e mais de 90 prisões de estudantes, na quarta-feira 12 de fevereiro, em meio à celebração dos 200 anos da "Batalla de La Victoria" - importante episódio na guerra da independência venezuelana, no qual o general José Félix Ribas convocou um punhado de estudantes, entregou-lhes fuzis e os conduziu à luta contra “o furor dos tiranos”.
Enquanto Cabello xingava adversários, culpando as “horas fascistas da direita”, estudantes protestavam em todo o país. Nicolás Maduro, presidente, denunciava mais uma suposta tentativa de golpe - já anunciou mais de três dezenas desde a posse, em abril do ano passado, intercalados por comunicados sobre supostos planos para assassiná-lo. Como sempre, sem provas.
A percepção de que Maduro e Cabello são os responsáveis pela deblace venezuelana cresce na proporção do reconhecimento público da incapacidade de ambos para conduzir o país a uma saída política da crise em que submergiu. Herdeiros da ruína legada por Hugo Chávez, cultuam o fracasso na imposição da ordem unida - agora com a adoção da censura prévia à imprensa, ordens de prisão expedidas contra estudantes e líderes oposicionistas e instituição de um sistema de cassação de direitos políticos dos adversários “por toda la vida”, como anunciou Maduro no início da semana.
O desajuste político apenas emoldura o desastre econômico. Maduro e Cabello nem podem esgrimir com o clássico "eu não sabia", porque na campanha eleitoral de março passado receberam um diagnóstico produzido por economistas aliados.
O documento ("Qué hacer"), divulgado na época, alertava "sobre uma bomba atômica que praticamente já explodiu devido às políticas econômicas inadequadas da nossa equipe econômica."Acrescentava: "É preciso uma reformulação ( das políticas) para um urgente controle dos danos, por um lado, e um relançamento da economia, por outro (...) Até agora as classes baixas, que apoiam o processo revolucionário, têm sido pacientes (...) Mas se escuta no ambiente a possibilidade de uma comoção social, como efeito da reverberação das ondas de choque da bomba econômica que já explodiu".
Dias atrás, um grupo de organizações de economistas divulgou outro documento, onde se lê: "A continuar o governo no atual rumo, os problemas econômicos dos venezolanos se agravarão de forma dramática. A alta sustentada dos preços, a queda dos salários reais, as limitações às oportunidade de empregos bem melhor remunerados e a escassez de alimentos, remédios e uma variedade de bens de uso frequente, farão da vida dos venezuelanos um processo de empobrecimento e padecimento por pesadas dificuldades econômicas, todas relacionadas entre si".
Em 11 meses no poder, Maduro e Cabello esboçaram uma única reação, assim resumida pelo presidente:
- Vou militarizar (o país) para proteger o povo.
Nomearam 368 militares para a chefia de áreas-chave do governo, inclusive a economia. É um contingente significativo em um país com 300 generais, almirantes e brigadeiros (o Brasil, por exemplo, sustenta 150 para uma tropa de 190 mil). Como nos quartéis a contabilidade oficial é de 73,7 mil profissionais em armas, significa que há um general para cada grupo de 250 soldados. Quase todos só devem passar à reserva em 2020 — em tese, deteriam o comando das forças pelos próximos sete anos.
Entre eles e a tropa existem oito mil oficiais — todos à espera de uma promoção ao generalato. Embaixo desses estão mais 27,5 mil oficiais técnicos.
Na vida real, apenas 80 generais-comandantes têm controle efetivo do poder de fogo, dominando as áreas mais estratégicas da caserna. Todos são beneficiários da política de altos salários para a caserna. Na Venezuela, as Forças Armadas têm seu próprio banco (Banfanb), sua empresa de transporte (Emiltra), sua construtora até uma empresa agrícola (Agrofanb), para garantir o suprimento da caserna. E desde o início deste ano têm, também, sua própria emissora de televisão (TVFanb)
Fernando Antich Ochoa, ex-chanceler e ministro da Defesa do governo Carlos Andrés Perez (1991 a 1994), acha que a dupla Maduro-Cabello optou pela via da militarização do país pela fragilidade com que emergiram das urnas, nas eleições presidenciais do ano passado ao vencer por uma questionável diferença (1,5%), jamais auditada nos boletins de votação. E, principalmente, como tática de imagem, acreditando que "com os venezuelanos vinculando o governo às Forças Armadas seria, em tese, mais difícil um apoio popular aos militares caso viessem a intervir no processo político para interrompê-lo".
O problema de Maduro e Cabello, agora, é o ronco das ruas. A opção governamental pela radicalização equivale ao bilhete ritual de um suicídio político.
Na Venezuela, desajuste político apenas emoldura o desastre econômico
- Eles são os responsáveis pelo que está acontecendo - gritava o presidente da Assembleia Nacional, referindo-se aos líderes da rarefeita bancada de oposição no parlamento. - Vagabundos! Imorais! Vocês nunca vão governar este país! - acrescentou Diosdado Cabello, reconhecido como o segundo homem no poder na Venezuela.
Já se contavam três mortos e mais de 90 prisões de estudantes, na quarta-feira 12 de fevereiro, em meio à celebração dos 200 anos da "Batalla de La Victoria" - importante episódio na guerra da independência venezuelana, no qual o general José Félix Ribas convocou um punhado de estudantes, entregou-lhes fuzis e os conduziu à luta contra “o furor dos tiranos”.
Enquanto Cabello xingava adversários, culpando as “horas fascistas da direita”, estudantes protestavam em todo o país. Nicolás Maduro, presidente, denunciava mais uma suposta tentativa de golpe - já anunciou mais de três dezenas desde a posse, em abril do ano passado, intercalados por comunicados sobre supostos planos para assassiná-lo. Como sempre, sem provas.
A percepção de que Maduro e Cabello são os responsáveis pela deblace venezuelana cresce na proporção do reconhecimento público da incapacidade de ambos para conduzir o país a uma saída política da crise em que submergiu. Herdeiros da ruína legada por Hugo Chávez, cultuam o fracasso na imposição da ordem unida - agora com a adoção da censura prévia à imprensa, ordens de prisão expedidas contra estudantes e líderes oposicionistas e instituição de um sistema de cassação de direitos políticos dos adversários “por toda la vida”, como anunciou Maduro no início da semana.
O desajuste político apenas emoldura o desastre econômico. Maduro e Cabello nem podem esgrimir com o clássico "eu não sabia", porque na campanha eleitoral de março passado receberam um diagnóstico produzido por economistas aliados.
O documento ("Qué hacer"), divulgado na época, alertava "sobre uma bomba atômica que praticamente já explodiu devido às políticas econômicas inadequadas da nossa equipe econômica."Acrescentava: "É preciso uma reformulação ( das políticas) para um urgente controle dos danos, por um lado, e um relançamento da economia, por outro (...) Até agora as classes baixas, que apoiam o processo revolucionário, têm sido pacientes (...) Mas se escuta no ambiente a possibilidade de uma comoção social, como efeito da reverberação das ondas de choque da bomba econômica que já explodiu".
Dias atrás, um grupo de organizações de economistas divulgou outro documento, onde se lê: "A continuar o governo no atual rumo, os problemas econômicos dos venezolanos se agravarão de forma dramática. A alta sustentada dos preços, a queda dos salários reais, as limitações às oportunidade de empregos bem melhor remunerados e a escassez de alimentos, remédios e uma variedade de bens de uso frequente, farão da vida dos venezuelanos um processo de empobrecimento e padecimento por pesadas dificuldades econômicas, todas relacionadas entre si".
Em 11 meses no poder, Maduro e Cabello esboçaram uma única reação, assim resumida pelo presidente:
- Vou militarizar (o país) para proteger o povo.
Nomearam 368 militares para a chefia de áreas-chave do governo, inclusive a economia. É um contingente significativo em um país com 300 generais, almirantes e brigadeiros (o Brasil, por exemplo, sustenta 150 para uma tropa de 190 mil). Como nos quartéis a contabilidade oficial é de 73,7 mil profissionais em armas, significa que há um general para cada grupo de 250 soldados. Quase todos só devem passar à reserva em 2020 — em tese, deteriam o comando das forças pelos próximos sete anos.
Entre eles e a tropa existem oito mil oficiais — todos à espera de uma promoção ao generalato. Embaixo desses estão mais 27,5 mil oficiais técnicos.
Na vida real, apenas 80 generais-comandantes têm controle efetivo do poder de fogo, dominando as áreas mais estratégicas da caserna. Todos são beneficiários da política de altos salários para a caserna. Na Venezuela, as Forças Armadas têm seu próprio banco (Banfanb), sua empresa de transporte (Emiltra), sua construtora até uma empresa agrícola (Agrofanb), para garantir o suprimento da caserna. E desde o início deste ano têm, também, sua própria emissora de televisão (TVFanb)
Fernando Antich Ochoa, ex-chanceler e ministro da Defesa do governo Carlos Andrés Perez (1991 a 1994), acha que a dupla Maduro-Cabello optou pela via da militarização do país pela fragilidade com que emergiram das urnas, nas eleições presidenciais do ano passado ao vencer por uma questionável diferença (1,5%), jamais auditada nos boletins de votação. E, principalmente, como tática de imagem, acreditando que "com os venezuelanos vinculando o governo às Forças Armadas seria, em tese, mais difícil um apoio popular aos militares caso viessem a intervir no processo político para interrompê-lo".
O problema de Maduro e Cabello, agora, é o ronco das ruas. A opção governamental pela radicalização equivale ao bilhete ritual de um suicídio político.
A argentinização em marcha - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O GLOBO - 14/02
Na esteira do desalento com a inconsequência da atuação do governo, vem-se disseminando o temor de que o país acabe transformado numa imensa Argentina. Embora o pesadelo seja compreensível, não faltam bons argumentos para convencer os mais pessimistas de que ainda falta muito para que a Brasília de Dilma se converta na Buenos Aires de Cristina. Mas há que se reconhecer que, em certas áreas, a argentinização vem avançando de forma assustadora. Um bom exemplo é o do setor elétrico.
Esse é um setor em que, há muitos anos, o governo se tem permitido ser particularmente irracional. Em meados de 2003, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, apresentou uma proposta de reestruturação do setor elétrico que simplesmente não fazia sentido. Entre pontos inegociáveis e delírios voluntaristas, a proposta mostrava completo descaso por incentivos e fatores de risco que pautam decisões de investimento no setor. Bem mais de um ano se passou até que, com o país mais uma vez convertido em custoso navio-escola, especialistas de fora do governo conseguissem convencer a ministra a transformar a proposta em algo menos rudimentar.
Mas o vezo voluntarista e o desprezo pelo mercado não puderam ser eliminados. E, não tendo conseguido construir um ambiente regulatório que engendrasse tarifas módicas naturalmente, o governo vem, já há algum tempo, tentando assegurar modicidade tarifária na marra. No caso das hidrelétricas da Amazônia, fixou tarifas arbitrariamente baixas e, depois, despejou sobre os projetos de investimento todo o dinheiro público que se fez necessário para torná-los viáveis .
Há cerca de um ano e meio, preocupado com a inflação, o governo decidiu reduzir tarifas de energia. Poderia ter diminuído a carga tributária que incide sobre as tarifas. Mas preferiu partir para a redução de preços pagos aos produtores de energia, por meio de truculenta antecipação do vencimento dos contratos de concessão. Até hoje o setor não se recuperou da desorganização deflagrada por essa intervenção.
Tendo conseguido impor expressiva redução tarifária, o governo logo se deu conta de que tal redução estava fadada a ser revertida, em decorrência da necessidade de repassar aos consumidores os custos de operação das usinas térmicas. E, para evitar que isso ocorresse, permitiu-se, mais uma vez, adotar solução flagrantemente populista: repassar a conta das térmicas para o Tesouro.
Ter tudo isso em mente ajuda a perceber com mais clareza o entalo em que agora se meteu o Planalto. A precariedade do suprimento de energia elétrica com que hoje conta o país tornou-se evidente. E a probabilidade de que um racionamento se torne necessário já passou a ser preocupante.
Em condições normais, caberia ao governo reconhecer o problema e adotar medidas preventivas de racionalização da demanda, como elevação de tarifas e estímulos à conservação de energia. O grande problema é que, a sete meses e meio das eleições, o governo se recusa terminantemente a reconhecer a simples existência do problema. E é fácil perceber por quê. Tendo feito o que bem entendeu no setor por 11 anos, a presidente não tem a quem culpar. É a única e exclusiva responsável pelo quadro de precariedade da oferta de energia que hoje se vê. A palavra de ordem, portanto, é não admitir, sob nenhuma hipótese, que o problema sequer exista. Negar, negar e negar.
Salta aos olhos que essa negação, conjugada com a aposta desesperada nas águas de março, é estratégia altamente arriscada. E, até que saiba o desfecho da aposta, o governo estará exposto a grande desgaste. Para evitar que o custo de operação das térmicas seja repassado aos consumidores, o Tesouro terá de arcar com gastos da ordem de R$ 18 bilhões em 2014. Se, num surto de inconsequência, o governo decidir ir em frente com o repasse desse custo para o Tesouro, quando o país se defronta com um quadro de oferta de energia tão precário, o escandaloso populismo da decisão deverá marcar alarmante escalada no processo de argentinização do setor.
Esvaziado e sem rumo - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 14/02
O Movimento dos Sem Terra (MST) tem uma história de 30 anos permeada de invasões e atos de violência, mas é a primeira vez que tenta peitar instituições democráticas, como aconteceu nos tumultos praticados quarta-feira nas manifestações em Brasília. Já é, parece, o reflexo de um movimento esvaziado, sem discurso e sem rumo.
Ao contrário do que muita gente pensa, o MST é um movimento conservador. Nasceu em 1984 como fruto da Pastoral da Terra da Igreja Católica, em cuja órbita continua girando. Na prática, sua função social foi organizar e impor certa disciplina a camadas subempregadas na periferia das grandes cidades, graças a promessas de acesso à terra e práticas de liturgia de "enturmação".
Não faz sentido insistir nas denúncias do latifúndio improdutivo, como faz o MST. A presidente Dilma, cuja base de apoio político é liderada por um partido que sempre defendeu a reforma agrária, acaba de deitar louvação nos resultados da agricultura, que "em duas décadas aumentou em 221% a produção de grãos, com acréscimo da área plantada de apenas 41%". Independentemente da exatidão desses números, este não é o resultado da atuação só de grandes empresas. A agricultura familiar capitalizada e detentora de tecnologias de ponta em preparo da terra, seleção de sementes, plantio, irrigação, colheita, armazenamento e práticas financeiras avançadas, também tem muito a ver com isso.
A tal "produtividade na veia" a que se referiu a presidente Dilma acontece na agropecuária, e não nos assentamentos. Hoje, o setor coloca no mercado quase 200 milhões de toneladas de grãos que, em mais dez anos, deverão ser alguma coisa entre 300 milhões e 400 milhões de toneladas.
Não foi apenas o sucesso do agronegócio que esvaziou o MST. Também os governos do PT trabalharam diretamente para isso, na medida em que promoveram farta distribuição de bolsas família e tiraram impulso das lutas pelo acesso à propriedade de um pedaço de terra e por um posto de trabalho. Ficou comprovado que o desemprego se resolve com crescimento econômico, e não com reforma agrária.
As próprias análises internas do MST reconhecem que o Programa Bolsa Família e o aumento do emprego atrapalharam os planos dos seus dirigentes. Eles agora acusam o governo de traição à causa e de conluio com a bancada ruralista. Parecem incapazes de reconhecer que os projetos de reforma agrária não mais farão parte da agenda de prioridades de nenhum governo, seja qual for sua coloração ideológica.
Os líderes do MST não têm clareza sobre seu próprio futuro. Como não conseguiram emplacar seus projetos originais de redistribuição de terras, aderiram a um ambientalismo confuso e, em nome dele, se puseram a destruir plantações de laranja, de eucalipto, de cana-de-açúcar e de canteiros de pesquisas agronômicas, sob a argumentação de que toda cultura extensiva, especialmente a obtida a partir de sementes geneticamente modificadas, envenena as pessoas e o meio ambiente e destrói a agricultura tradicional.
Em todo o caso, mesmo em decadência e sem perspectivas, o MST ainda tenta invadir o Palácio do Planalto e consegue suspender uma sessão do Supremo, como aconteceu quarta-feira.
O Movimento dos Sem Terra (MST) tem uma história de 30 anos permeada de invasões e atos de violência, mas é a primeira vez que tenta peitar instituições democráticas, como aconteceu nos tumultos praticados quarta-feira nas manifestações em Brasília. Já é, parece, o reflexo de um movimento esvaziado, sem discurso e sem rumo.
Ao contrário do que muita gente pensa, o MST é um movimento conservador. Nasceu em 1984 como fruto da Pastoral da Terra da Igreja Católica, em cuja órbita continua girando. Na prática, sua função social foi organizar e impor certa disciplina a camadas subempregadas na periferia das grandes cidades, graças a promessas de acesso à terra e práticas de liturgia de "enturmação".
Não faz sentido insistir nas denúncias do latifúndio improdutivo, como faz o MST. A presidente Dilma, cuja base de apoio político é liderada por um partido que sempre defendeu a reforma agrária, acaba de deitar louvação nos resultados da agricultura, que "em duas décadas aumentou em 221% a produção de grãos, com acréscimo da área plantada de apenas 41%". Independentemente da exatidão desses números, este não é o resultado da atuação só de grandes empresas. A agricultura familiar capitalizada e detentora de tecnologias de ponta em preparo da terra, seleção de sementes, plantio, irrigação, colheita, armazenamento e práticas financeiras avançadas, também tem muito a ver com isso.
A tal "produtividade na veia" a que se referiu a presidente Dilma acontece na agropecuária, e não nos assentamentos. Hoje, o setor coloca no mercado quase 200 milhões de toneladas de grãos que, em mais dez anos, deverão ser alguma coisa entre 300 milhões e 400 milhões de toneladas.
Não foi apenas o sucesso do agronegócio que esvaziou o MST. Também os governos do PT trabalharam diretamente para isso, na medida em que promoveram farta distribuição de bolsas família e tiraram impulso das lutas pelo acesso à propriedade de um pedaço de terra e por um posto de trabalho. Ficou comprovado que o desemprego se resolve com crescimento econômico, e não com reforma agrária.
As próprias análises internas do MST reconhecem que o Programa Bolsa Família e o aumento do emprego atrapalharam os planos dos seus dirigentes. Eles agora acusam o governo de traição à causa e de conluio com a bancada ruralista. Parecem incapazes de reconhecer que os projetos de reforma agrária não mais farão parte da agenda de prioridades de nenhum governo, seja qual for sua coloração ideológica.
Os líderes do MST não têm clareza sobre seu próprio futuro. Como não conseguiram emplacar seus projetos originais de redistribuição de terras, aderiram a um ambientalismo confuso e, em nome dele, se puseram a destruir plantações de laranja, de eucalipto, de cana-de-açúcar e de canteiros de pesquisas agronômicas, sob a argumentação de que toda cultura extensiva, especialmente a obtida a partir de sementes geneticamente modificadas, envenena as pessoas e o meio ambiente e destrói a agricultura tradicional.
Em todo o caso, mesmo em decadência e sem perspectivas, o MST ainda tenta invadir o Palácio do Planalto e consegue suspender uma sessão do Supremo, como aconteceu quarta-feira.
Da "Primavera" ao "terrorismo" - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 14/02
Retórica da discussão pública lembra a de um país convulsionado, mas não é o caso
NA "PRIMAVERA brasileira", o "gigante acordou". Gigantes, ou pelo menos grandiosas e grandiloquentes, eram as palavras de então. Mais à esquerda do arco-íris desbotado da política hodierna, havia júbilo com "movimentos horizontais", "devir das personalidades", coletivos, democracia direta, política sem hierarquias. O governo, mas não apenas, aparecia com a ideia de Constituinte.
Sete meses depois, num verão que parece ter torrado nossos miolos, a conversa desandou para leis contra o terrorismo, fantasia agora de direita. Viajamos no arco-íris ideológico.
Há decerto um mal-estar na falta de civilização do Brasil. Ou, melhor, evidenciaram-se desconfortos ou a revolta contra alguns horrores rotineiros. O país, porém, não está caindo aos pedaços, nem se despedaça em divisões políticas concretas e extremadas. Há uma desproporção entre surtos de exagero político discursivo e problemas reais; entre os arrebatamentos discursivos e as divisões políticas reais.
Do inverno da "Primavera" até este verão, nem mesmo se organizaram forças políticas novas de relevo, capazes de balançar o coreto da política partidária ou de dar intensidade, direção e sentido a um movimento social de peso, que levasse os atores políticos a dar tratos à bola.
Não se trata de dizer que não houve novidades, mas de notar que os abalos de 2013 não abalaram a política mais ou menos convencional. O ambiente ficou mais tenso. Ficou mais embolado o meio de campo da política partidária. O cálculo eleitoral pragmático eleitoral tornou-se mais impreciso devido ao "risco rua".
Isto posto, até agora, o governo não se viu decisivamente obrigado a tomar alguma atitude relevante para responder ou se amoldar à voz rouca ou estridente das ruas. A oposição, por inépcia, inapetência, caduquice ou desinteresse oportunista, não soube incorporar a força do protesto que apareceu em junho de 2013.
Afora exageros e maluquices retóricos, por enquanto não aconteceu mais nada de politicamente decisivo. Aliás, desde junho, apesar do tumulto das ruas e do tumulto na finança mundial, aliás coetâneos mas disjuntos, quase nada aconteceu.
Desde que o clima voltou a azedar na finança mundial, em maio, o governo de certo modo jogou a toalha e deu um tempo nas suas tentativas de anabolizar a economia, mesmo porque acabou o estoque de remédios artificiais de crescimento.
Ainda assim, mesmo após a divulgação dos horríveis resultados da política econômica, no trimestre final do ano, o governo no máximo ofereceu panos quentes e promessas vagas de mudança, de "mudar a interlocução com o mercado", no fim das contas uma bobagem.
Da "Primavera" até agora, ficou claro, ainda que aos poucos, que não só o crescimento brasileiro minguara, já sabido, mas que a "economia do povo", que ia bem, perdia seu gás. Salários e consumo crescem, mas cada vez mais devagar. No entanto, não houve desastre, nem de longe; nem a percepção popular da economia parece ter piorado de modo notável.
Basicamente, não aconteceu grande coisa. Há mau humor, tensão, certo. A retórica da conversa pública, porém, parece a de uma situação convulsionada.
Retórica da discussão pública lembra a de um país convulsionado, mas não é o caso
NA "PRIMAVERA brasileira", o "gigante acordou". Gigantes, ou pelo menos grandiosas e grandiloquentes, eram as palavras de então. Mais à esquerda do arco-íris desbotado da política hodierna, havia júbilo com "movimentos horizontais", "devir das personalidades", coletivos, democracia direta, política sem hierarquias. O governo, mas não apenas, aparecia com a ideia de Constituinte.
Sete meses depois, num verão que parece ter torrado nossos miolos, a conversa desandou para leis contra o terrorismo, fantasia agora de direita. Viajamos no arco-íris ideológico.
Há decerto um mal-estar na falta de civilização do Brasil. Ou, melhor, evidenciaram-se desconfortos ou a revolta contra alguns horrores rotineiros. O país, porém, não está caindo aos pedaços, nem se despedaça em divisões políticas concretas e extremadas. Há uma desproporção entre surtos de exagero político discursivo e problemas reais; entre os arrebatamentos discursivos e as divisões políticas reais.
Do inverno da "Primavera" até este verão, nem mesmo se organizaram forças políticas novas de relevo, capazes de balançar o coreto da política partidária ou de dar intensidade, direção e sentido a um movimento social de peso, que levasse os atores políticos a dar tratos à bola.
Não se trata de dizer que não houve novidades, mas de notar que os abalos de 2013 não abalaram a política mais ou menos convencional. O ambiente ficou mais tenso. Ficou mais embolado o meio de campo da política partidária. O cálculo eleitoral pragmático eleitoral tornou-se mais impreciso devido ao "risco rua".
Isto posto, até agora, o governo não se viu decisivamente obrigado a tomar alguma atitude relevante para responder ou se amoldar à voz rouca ou estridente das ruas. A oposição, por inépcia, inapetência, caduquice ou desinteresse oportunista, não soube incorporar a força do protesto que apareceu em junho de 2013.
Afora exageros e maluquices retóricos, por enquanto não aconteceu mais nada de politicamente decisivo. Aliás, desde junho, apesar do tumulto das ruas e do tumulto na finança mundial, aliás coetâneos mas disjuntos, quase nada aconteceu.
Desde que o clima voltou a azedar na finança mundial, em maio, o governo de certo modo jogou a toalha e deu um tempo nas suas tentativas de anabolizar a economia, mesmo porque acabou o estoque de remédios artificiais de crescimento.
Ainda assim, mesmo após a divulgação dos horríveis resultados da política econômica, no trimestre final do ano, o governo no máximo ofereceu panos quentes e promessas vagas de mudança, de "mudar a interlocução com o mercado", no fim das contas uma bobagem.
Da "Primavera" até agora, ficou claro, ainda que aos poucos, que não só o crescimento brasileiro minguara, já sabido, mas que a "economia do povo", que ia bem, perdia seu gás. Salários e consumo crescem, mas cada vez mais devagar. No entanto, não houve desastre, nem de longe; nem a percepção popular da economia parece ter piorado de modo notável.
Basicamente, não aconteceu grande coisa. Há mau humor, tensão, certo. A retórica da conversa pública, porém, parece a de uma situação convulsionada.
Compromisso com meta terá que ser provado mês a mês - CLAUDIA SAFATLE
VALOR ECONÔMICO - 14/02
O anúncio da meta fiscal para este ano, que será feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, até quinta feira, dia 20, é visto pelo governo como uma decisão de alto valor estratégico em um momento de grandes incertezas para as economias emergentes e, particularmente, para o Brasil.
O tamanho do contingenciamento do Orçamento para viabilizar a meta que for definida ainda está sob intensa discussão no âmbito da junta orçamentária, com suas conhecidas divergências e as inesperadas despesas que chegam da área de energia.
Espera-se da decisão, no entanto, pelo menos dois sinais claros: 1) que o superávit primário seja suficiente para estabilizar a dívida pública bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e, assim, afastar o risco de rebaixamento do grau de investimento pelas agências de rating; 2) que a política fiscal seja, no mínimo, neutra para o controle da inflação, conforme preconizou o Banco Central pela primeira vez na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro de 2013.
Um fator relevante para montar esses cálculos é o comportamento do PIB esperado para o ano. Nesse aspecto, as notícias não são boas. Está havendo uma rápida deterioração das expectativas de crescimento econômico. As principais casas financeiras estão convergindo para uma modestíssima expansão do PIB, de algo próximo a 1,5%.
Se esse for o cenário, uma meta de superávit primário consolidado do setor público em torno de 1,5% do PIB já entraria no campo da neutralidade, se não ajudando pelo menos não atrapalhando a batalha do combate à inflação travada pela política monetária. Mas não seria suficiente para estabilizar a dívida bruta/PIB, cuja trajetória está no centro das preocupações das agências de rating, sobretudo da Standard & Poor"s.
Recentemente, o Banco Central apresentou dois exercícios para as variáveis fiscais ao fim de 2014, levando em conta o cenário de mercado naqueles dias: IPCA de 6,02%, taxa de câmbio de R$ 2,45, juros de 10,8% e crescimento de 1,91%.
Com um saldo primário de 1,4% do PIB, conforme projetava o Focus, a dívida líquida subiria de 33,8% do PIB em 2013 para 34,5% do PIB este ano. A dívida bruta aumentaria de 57,2% do PIB para 58,1% do PIB e o déficit nominal cresceria de 3,28% do PIB para 3,7% do PIB, em igual período.
Tomando o superávit primário de 2,2%, citado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a dívida líquida ficaria estável em 33,8% do PIB, a bruta aumentaria de forma marginal, para 57,4% do PIB e o déficit nominal seria de 3,1% do PIB. Conforme a hipótese de PIB para o ano esses números mudam substancialmente. É provável que para um crescimento inferior a 2% este ano, o superávit próximo a 2% do PIB seja suficiente para estabilizar a dívida bruta.
Tão importante quanto a definição da meta fiscal será a sua comunicação. Se as premissas usadas pela área econômica estiverem distantes das que o mercado considera razoáveis, por exemplo para a taxa de crescimento, a confiança nos propósitos do governo terá vida curta.
Gato escaldado, aliás, a tendência dos agentes econômicos é de ver para crer. Economistas e analistas do setor privado argumentam que a despeito da divulgação oficial da meta, dia 20, vão querer primeiro ver os resultados mês a mês e se eles são consistentes com o objetivo anunciado para o ano. "Agora é São Tomé. A prova provada", disse um economista influente. Perde-se, aí, o ganho antecipado de uma melhora das expectativas, tão importante para a condução da política monetária pelo Banco Central.
Se o governo considera a decisão sobre a política fiscal como de importante valor estratégico, os analistas do setor privado a veem com uma dose considerável de ceticismo. Até gostariam de acreditar, pois uma virada na gestão das contas públicas em ano eleitoral poderia ser um divisor de águas e marcar uma substancial mudança nas convicções da presidente Dilma Rousseff.
Uma pergunta frequente em rodas de empresários, hoje, é se Dilma Rousseff, caso reeleita, vai dobrar a aposta no estilo e conteúdo que marcou sua primeira gestão; ou se a experiência desses quatro anos, com todos os seus percalços e o baixo crescimento do país, abalou as crenças da presidente. A resposta a essa indagação pode começar a ser escrita na semana que vem.
O; relatório do Federal Reserve, entregue ao Congresso americano no mesmo dia da sabatina de Janet Yellen, esta semana, nas duas páginas em que trata dos países emergentes, causou grande contrariedade na área econômica do governo. O texto citou nominalmente o Brasil como um dos países mais vulneráveis às intempéries externas, a partir de um índice de vulnerabilidade construído pelos economistas do Fed, cuja metodologia não foi explicitada.
O assunto foi tema de discussão no Ministério da Fazenda nos últimos dias e um economista graduado do governo alinhou alguns dos motivos pelos quais seriam falhos os argumentos do Fed. Um deles, por exemplo, é de desprezar o fato de que o real era a moeda mais sobrevalorizada do planeta.
O índice foi calculado para uma amostra de 15 economias emergentes com base em seis indicadores e encontrou correlação desse índice e as desvalorizações cambiais dos emergentes. Brasil e Turquia aparecem como os mais vulneráveis.
Dois experientes economistas, com intensa vivência internacional, também reagiram com espanto ao relatório. "Totalmente absurda a comparação do Brasil com a Turquia", comentou Murilo Portugal, que por 13 anos foi do alto escalão do Fundo Monetário Internacional. "Nós temos menor déficit em conta corrente, reservas mais elevadas, instituições sólidas e coesão interna", ponderou ele.
O ex-ministro Delfim Netto também reagiu: "Esse relatório é um absurdo!". Delfim atribui a citação do Brasil a uma contaminação do Fed pelo ambiente geral de "má vontade" dos investidores internacionais com o país.
O anúncio da meta fiscal para este ano, que será feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, até quinta feira, dia 20, é visto pelo governo como uma decisão de alto valor estratégico em um momento de grandes incertezas para as economias emergentes e, particularmente, para o Brasil.
O tamanho do contingenciamento do Orçamento para viabilizar a meta que for definida ainda está sob intensa discussão no âmbito da junta orçamentária, com suas conhecidas divergências e as inesperadas despesas que chegam da área de energia.
Espera-se da decisão, no entanto, pelo menos dois sinais claros: 1) que o superávit primário seja suficiente para estabilizar a dívida pública bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e, assim, afastar o risco de rebaixamento do grau de investimento pelas agências de rating; 2) que a política fiscal seja, no mínimo, neutra para o controle da inflação, conforme preconizou o Banco Central pela primeira vez na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro de 2013.
Um fator relevante para montar esses cálculos é o comportamento do PIB esperado para o ano. Nesse aspecto, as notícias não são boas. Está havendo uma rápida deterioração das expectativas de crescimento econômico. As principais casas financeiras estão convergindo para uma modestíssima expansão do PIB, de algo próximo a 1,5%.
Se esse for o cenário, uma meta de superávit primário consolidado do setor público em torno de 1,5% do PIB já entraria no campo da neutralidade, se não ajudando pelo menos não atrapalhando a batalha do combate à inflação travada pela política monetária. Mas não seria suficiente para estabilizar a dívida bruta/PIB, cuja trajetória está no centro das preocupações das agências de rating, sobretudo da Standard & Poor"s.
Recentemente, o Banco Central apresentou dois exercícios para as variáveis fiscais ao fim de 2014, levando em conta o cenário de mercado naqueles dias: IPCA de 6,02%, taxa de câmbio de R$ 2,45, juros de 10,8% e crescimento de 1,91%.
Com um saldo primário de 1,4% do PIB, conforme projetava o Focus, a dívida líquida subiria de 33,8% do PIB em 2013 para 34,5% do PIB este ano. A dívida bruta aumentaria de 57,2% do PIB para 58,1% do PIB e o déficit nominal cresceria de 3,28% do PIB para 3,7% do PIB, em igual período.
Tomando o superávit primário de 2,2%, citado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a dívida líquida ficaria estável em 33,8% do PIB, a bruta aumentaria de forma marginal, para 57,4% do PIB e o déficit nominal seria de 3,1% do PIB. Conforme a hipótese de PIB para o ano esses números mudam substancialmente. É provável que para um crescimento inferior a 2% este ano, o superávit próximo a 2% do PIB seja suficiente para estabilizar a dívida bruta.
Tão importante quanto a definição da meta fiscal será a sua comunicação. Se as premissas usadas pela área econômica estiverem distantes das que o mercado considera razoáveis, por exemplo para a taxa de crescimento, a confiança nos propósitos do governo terá vida curta.
Gato escaldado, aliás, a tendência dos agentes econômicos é de ver para crer. Economistas e analistas do setor privado argumentam que a despeito da divulgação oficial da meta, dia 20, vão querer primeiro ver os resultados mês a mês e se eles são consistentes com o objetivo anunciado para o ano. "Agora é São Tomé. A prova provada", disse um economista influente. Perde-se, aí, o ganho antecipado de uma melhora das expectativas, tão importante para a condução da política monetária pelo Banco Central.
Se o governo considera a decisão sobre a política fiscal como de importante valor estratégico, os analistas do setor privado a veem com uma dose considerável de ceticismo. Até gostariam de acreditar, pois uma virada na gestão das contas públicas em ano eleitoral poderia ser um divisor de águas e marcar uma substancial mudança nas convicções da presidente Dilma Rousseff.
Uma pergunta frequente em rodas de empresários, hoje, é se Dilma Rousseff, caso reeleita, vai dobrar a aposta no estilo e conteúdo que marcou sua primeira gestão; ou se a experiência desses quatro anos, com todos os seus percalços e o baixo crescimento do país, abalou as crenças da presidente. A resposta a essa indagação pode começar a ser escrita na semana que vem.
O; relatório do Federal Reserve, entregue ao Congresso americano no mesmo dia da sabatina de Janet Yellen, esta semana, nas duas páginas em que trata dos países emergentes, causou grande contrariedade na área econômica do governo. O texto citou nominalmente o Brasil como um dos países mais vulneráveis às intempéries externas, a partir de um índice de vulnerabilidade construído pelos economistas do Fed, cuja metodologia não foi explicitada.
O assunto foi tema de discussão no Ministério da Fazenda nos últimos dias e um economista graduado do governo alinhou alguns dos motivos pelos quais seriam falhos os argumentos do Fed. Um deles, por exemplo, é de desprezar o fato de que o real era a moeda mais sobrevalorizada do planeta.
O índice foi calculado para uma amostra de 15 economias emergentes com base em seis indicadores e encontrou correlação desse índice e as desvalorizações cambiais dos emergentes. Brasil e Turquia aparecem como os mais vulneráveis.
Dois experientes economistas, com intensa vivência internacional, também reagiram com espanto ao relatório. "Totalmente absurda a comparação do Brasil com a Turquia", comentou Murilo Portugal, que por 13 anos foi do alto escalão do Fundo Monetário Internacional. "Nós temos menor déficit em conta corrente, reservas mais elevadas, instituições sólidas e coesão interna", ponderou ele.
O ex-ministro Delfim Netto também reagiu: "Esse relatório é um absurdo!". Delfim atribui a citação do Brasil a uma contaminação do Fed pelo ambiente geral de "má vontade" dos investidores internacionais com o país.
A esquerda e os liberais - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 14/02
O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas
A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.
A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.
A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.
A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.
O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.
Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.
A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.
O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.
Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.
O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas
A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.
A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.
A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.
A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.
O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.
Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.
A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.
O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.
Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.
Em desaceleração - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 14/02
O comércio varejista de dezembro teve uma queda pequena, mas confirma que o cenário ficou mais negativo para o PIB. Hoje, sai o IBC-Br de dezembro. No dia 27, o IBGE divulga o PIB do quarto trimestre. As previsões são de um resultado negativo no índice usado pelo Banco Central para calcular a atividade; e de um número muito baixo para o PIB trimestral. A economia está desacelerando.
Em dezembro, o comércio varejista restrito caiu 0,2%, mas quando ele é ampliado com as vendas de automóveis e construção a queda é de 1,5%. A indústria em dezembro encolheu 3,5%. Os dois números juntos deixam o cenário mais difícil para o PIB deste ano; não apenas o de 2013.
Os dados devem confirmar que a economia cresceu um pouco mais de 2% em 2013. Qual o número exato, só se saberá dia 27, mas será melhor do que 2012. Essa redução do ritmo que se vê na indústria e no varejo, no entanto, mostra que a economia entra em 2014 com menos embalo. O comércio no início de 2013 estava com alta de 8,3%, em 12 meses, e terminou o ano com 4,3%. Está perdendo vigor. Já a indústria melhorou, mas de forma lenta: foi de -1,83% para 1,15%.
As quedas na indústria e no comércio no último mês do ano provocam o que os economistas chamam de carregamento estatístico negativo. Ou seja, é preciso recuperar primeiro o que se perdeu, para depois voltar a crescer. Por isso, o momento nos bancos, consultorias e grandes empresas é de voltar às planilhas e refazer as contas com viés de baixa. O Itaú Unibanco vai divulgar hoje suas novas projeções. Até ontem, o número do PIB de 2014 era de 1,9% e, agora, deve ficar menor.
— A queda forte da indústria vai influenciar na conta e os seus efeitos serão mais sentidos em 2014 do que no PIB do quarto trimestre de 2013 — explicou o economista Luka Machado Barbosa, do Itaú Unibanco.
Segundo Luka, o crescimento este ano será baixo por vários motivos. O comércio está desacelerando, na taxa em 12 meses, desde novembro de 2012, quando crescia a um ritmo de 8,6%. Chegou em dezembro em 4,3%, e o Itaú estima que termine este ano com apenas 3% de alta.
O economista Armando Castelar, do Ibre/ FGV, diz que a estimativa é de um PIB entre 1,5% e 2% em 2014. Com o resultado do comércio e da indústria de dezembro, ele acredita que o número ficará mais próximo de 1,5%. Enquanto o comércio perde vigor, a indústria não consegue se recuperar, mesmo com a desvalorização do real, que dificulta as importações e facilita as exportações.
— A confiança dos empresários e dos consumidores está baixa e isso afeta o investimento. A indústria vai sentir a crise da Argentina, que compra nossos manufaturados. A China está crescendo menos, o que não ajuda a exportação de commodities. Temos inflação alta, um governo intervencionista, e até risco de racionamento de energia — disse Castelar.
Ontem, o governo admitiu que há riscos — mas “baixíssimos” — de dificuldade de suprimento de energia. Felizmente, as chuvas estão voltando nesta segunda metade de fevereiro. Parte do período chuvoso se perdeu.
O risco de rebaixamento da nota de crédito do país limita a capacidade do governo de gastar para impulsionar o PIB mesmo sendo ano de eleição. Há pouca margem para gastos no Orçamento. O aumento do custo da conta de energia torna menor ainda a margem de manobra.
A agricultura, que teve crescimento muito forte em 2013, deve repetir um bom resultado este ano, embora a seca possa afetar o plantio de algumas colheitas. O setor tem pouco peso no cálculo do PIB feito pelo IBGE, mas é fundamental nas contas externas.
Após a queda do PIB no terceiro trimestre, de 0,5%, o país voltará a crescer no quarto, segundo a maioria das projeções. A consultoria inglesa Capital Economics estima alta de 0,5%. O Itaú prevê 0,6%, mas o dado pode ficar menor com a revisão que está sendo feita. Castelar prevê 0,3%. Mesmo os números sendo baixos, se for confirmado um dado acima de zero, o país escapa da recessão técnica que ocorre quando há dois trimestres negativos. Alguns economistas, como Luis Otávio Leal, acham que o resultado do varejo eleva o risco de o último trimestre fechar negativo, o que tecnicamente colocaria o país em recessão. Seja como for, o que os números mostram é que o país está reduzindo o crescimento, quando deveria acelerar.
O comércio varejista de dezembro teve uma queda pequena, mas confirma que o cenário ficou mais negativo para o PIB. Hoje, sai o IBC-Br de dezembro. No dia 27, o IBGE divulga o PIB do quarto trimestre. As previsões são de um resultado negativo no índice usado pelo Banco Central para calcular a atividade; e de um número muito baixo para o PIB trimestral. A economia está desacelerando.
Em dezembro, o comércio varejista restrito caiu 0,2%, mas quando ele é ampliado com as vendas de automóveis e construção a queda é de 1,5%. A indústria em dezembro encolheu 3,5%. Os dois números juntos deixam o cenário mais difícil para o PIB deste ano; não apenas o de 2013.
Os dados devem confirmar que a economia cresceu um pouco mais de 2% em 2013. Qual o número exato, só se saberá dia 27, mas será melhor do que 2012. Essa redução do ritmo que se vê na indústria e no varejo, no entanto, mostra que a economia entra em 2014 com menos embalo. O comércio no início de 2013 estava com alta de 8,3%, em 12 meses, e terminou o ano com 4,3%. Está perdendo vigor. Já a indústria melhorou, mas de forma lenta: foi de -1,83% para 1,15%.
As quedas na indústria e no comércio no último mês do ano provocam o que os economistas chamam de carregamento estatístico negativo. Ou seja, é preciso recuperar primeiro o que se perdeu, para depois voltar a crescer. Por isso, o momento nos bancos, consultorias e grandes empresas é de voltar às planilhas e refazer as contas com viés de baixa. O Itaú Unibanco vai divulgar hoje suas novas projeções. Até ontem, o número do PIB de 2014 era de 1,9% e, agora, deve ficar menor.
— A queda forte da indústria vai influenciar na conta e os seus efeitos serão mais sentidos em 2014 do que no PIB do quarto trimestre de 2013 — explicou o economista Luka Machado Barbosa, do Itaú Unibanco.
Segundo Luka, o crescimento este ano será baixo por vários motivos. O comércio está desacelerando, na taxa em 12 meses, desde novembro de 2012, quando crescia a um ritmo de 8,6%. Chegou em dezembro em 4,3%, e o Itaú estima que termine este ano com apenas 3% de alta.
O economista Armando Castelar, do Ibre/ FGV, diz que a estimativa é de um PIB entre 1,5% e 2% em 2014. Com o resultado do comércio e da indústria de dezembro, ele acredita que o número ficará mais próximo de 1,5%. Enquanto o comércio perde vigor, a indústria não consegue se recuperar, mesmo com a desvalorização do real, que dificulta as importações e facilita as exportações.
— A confiança dos empresários e dos consumidores está baixa e isso afeta o investimento. A indústria vai sentir a crise da Argentina, que compra nossos manufaturados. A China está crescendo menos, o que não ajuda a exportação de commodities. Temos inflação alta, um governo intervencionista, e até risco de racionamento de energia — disse Castelar.
Ontem, o governo admitiu que há riscos — mas “baixíssimos” — de dificuldade de suprimento de energia. Felizmente, as chuvas estão voltando nesta segunda metade de fevereiro. Parte do período chuvoso se perdeu.
O risco de rebaixamento da nota de crédito do país limita a capacidade do governo de gastar para impulsionar o PIB mesmo sendo ano de eleição. Há pouca margem para gastos no Orçamento. O aumento do custo da conta de energia torna menor ainda a margem de manobra.
A agricultura, que teve crescimento muito forte em 2013, deve repetir um bom resultado este ano, embora a seca possa afetar o plantio de algumas colheitas. O setor tem pouco peso no cálculo do PIB feito pelo IBGE, mas é fundamental nas contas externas.
Após a queda do PIB no terceiro trimestre, de 0,5%, o país voltará a crescer no quarto, segundo a maioria das projeções. A consultoria inglesa Capital Economics estima alta de 0,5%. O Itaú prevê 0,6%, mas o dado pode ficar menor com a revisão que está sendo feita. Castelar prevê 0,3%. Mesmo os números sendo baixos, se for confirmado um dado acima de zero, o país escapa da recessão técnica que ocorre quando há dois trimestres negativos. Alguns economistas, como Luis Otávio Leal, acham que o resultado do varejo eleva o risco de o último trimestre fechar negativo, o que tecnicamente colocaria o país em recessão. Seja como for, o que os números mostram é que o país está reduzindo o crescimento, quando deveria acelerar.
2014, o ano que não podemos perder - PEDRO LUIZ PASSOS
FOLHA DE SP - 14/02
É inaceitável adiar para 2015 as reformas para dinamizar a atividade interna e inserir o país na economia mundial
O clima de desalento que se espalha pela economia não pode alimentar a paralisia diante de alguns temas de inegável prioridade para o desenvolvimento nacional e mesmo para dar maior segurança aos avanços sociais.
A expectativa de mais um ano de crescimento anêmico, associada à realização da Copa do Mundo a partir de junho e eleições presidenciais no segundo semestre, criou uma espécie de consenso, segundo o qual respostas assertivas às demandas mais imediatas do cenário econômico ficam automaticamente adiadas para 2015.
Restaria a 2014 o papel de mera ponte entre um presente sem muito brilho e um futuro de contornos difusos, sem a clareza de onde queremos chegar. É como se, do ponto de vista prático, 2014 estivesse fadado a ser um ano de passagem.
Trata-se de um duplo equívoco, em nossa avaliação. No curto prazo, o conformismo diante dos resultados decepcionantes da economia como um todo, e da indústria em particular, reúne os elementos de uma profecia autorrealizável.
Estabelecido o consenso de que não há condições plenas para a retomada do crescimento, as empresas engavetam planos de investimentos e os consumidores adiam seus desejos, inibindo ain- da mais uma atividade econômica já deprimida.
No fim, reforça-se a própria estagnação que gerou esse esta- do de espírito. É um processo que se autoalimenta e mantém vivo um ambiente hostil aos investimentos produtivos, justamente o elo frágil do desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro nos últimos anos.
Gerada pela lente do curto prazo, essa visão, embora embasada em dados reais, também embute um inaceitável atraso do debate sobre as mudanças estruturais neces- sárias para recolocar o país no caminho do desenvolvimento sustentado --e aí reside o segundo equívoco em aceitar 2014 como um ano perdido.
A campanha eleitoral, em vez de retardar a reflexão sobre tais questões, deveria, na verdade, contribuir para romper o imobilismo, transformando-se num amplo e legítimo fórum de discussão sobre o rumo que, afinal, o país quer dar à sua indústria e o espaço que pretende ocupar na economia global.
Em uma democracia madura --e é isso que se almeja para o país--, eleições são o momento propício para discutir soluções que nos permitam superar os entraves econômicos, e não um obstáculo às transformações necessárias.
O pré-requisito desse debate é um firme compromisso com a preservação de importantes conquistas dos últimos 20 anos, como o controle da inflação e a ascensão social que possibilitaram o ingresso de mais de 35 milhões de brasileiros no mercado de consumo.
Como valores incorporados ao exercício da cidadania, elas são pontos inegociáveis. Um recuo nesse campo anularia os efeitos dos demais esforços para elevar os níveis de competitividade da economia brasileira.
Definida essa base, duas agendas se impõem. A primeira, uma política econômica clara, com a explicitação de metas a serem perseguidas --e, nesse caso, estamos falando, entre outras, de inflação e superavit fiscal.
A segunda agenda remete às medidas necessárias para que desponte um novo horizonte de crescimento econômico.
Além de promover mudanças internas, como a melhoria da educação, a aceleração do programa de concessões e ações muito fortes para reformular e simplificar a tributação e os marcos regulatórios, é preciso ousadia para dinamizar o comércio exterior.
A economia carece de uma abertura cautelosa, sustentada por acordos comerciais que permitam o acesso de nossas empresas a novos mercados de consumo e tragam referências internacionais para nossos custos, a produtividade e a eficiência gerencial.
As duas agendas conversam entre si --a falta de compromisso com uma delas prejudica a outra. Só a disposição em colocá-las em pauta já deve garantir que 2014 se torne ponto de partida para reverter as expectativas ruins, e não um ano de muita torcida e pouco resultado, noves fora a esperança de que a Copa do Mundo é nossa.
É inaceitável adiar para 2015 as reformas para dinamizar a atividade interna e inserir o país na economia mundial
O clima de desalento que se espalha pela economia não pode alimentar a paralisia diante de alguns temas de inegável prioridade para o desenvolvimento nacional e mesmo para dar maior segurança aos avanços sociais.
A expectativa de mais um ano de crescimento anêmico, associada à realização da Copa do Mundo a partir de junho e eleições presidenciais no segundo semestre, criou uma espécie de consenso, segundo o qual respostas assertivas às demandas mais imediatas do cenário econômico ficam automaticamente adiadas para 2015.
Restaria a 2014 o papel de mera ponte entre um presente sem muito brilho e um futuro de contornos difusos, sem a clareza de onde queremos chegar. É como se, do ponto de vista prático, 2014 estivesse fadado a ser um ano de passagem.
Trata-se de um duplo equívoco, em nossa avaliação. No curto prazo, o conformismo diante dos resultados decepcionantes da economia como um todo, e da indústria em particular, reúne os elementos de uma profecia autorrealizável.
Estabelecido o consenso de que não há condições plenas para a retomada do crescimento, as empresas engavetam planos de investimentos e os consumidores adiam seus desejos, inibindo ain- da mais uma atividade econômica já deprimida.
No fim, reforça-se a própria estagnação que gerou esse esta- do de espírito. É um processo que se autoalimenta e mantém vivo um ambiente hostil aos investimentos produtivos, justamente o elo frágil do desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro nos últimos anos.
Gerada pela lente do curto prazo, essa visão, embora embasada em dados reais, também embute um inaceitável atraso do debate sobre as mudanças estruturais neces- sárias para recolocar o país no caminho do desenvolvimento sustentado --e aí reside o segundo equívoco em aceitar 2014 como um ano perdido.
A campanha eleitoral, em vez de retardar a reflexão sobre tais questões, deveria, na verdade, contribuir para romper o imobilismo, transformando-se num amplo e legítimo fórum de discussão sobre o rumo que, afinal, o país quer dar à sua indústria e o espaço que pretende ocupar na economia global.
Em uma democracia madura --e é isso que se almeja para o país--, eleições são o momento propício para discutir soluções que nos permitam superar os entraves econômicos, e não um obstáculo às transformações necessárias.
O pré-requisito desse debate é um firme compromisso com a preservação de importantes conquistas dos últimos 20 anos, como o controle da inflação e a ascensão social que possibilitaram o ingresso de mais de 35 milhões de brasileiros no mercado de consumo.
Como valores incorporados ao exercício da cidadania, elas são pontos inegociáveis. Um recuo nesse campo anularia os efeitos dos demais esforços para elevar os níveis de competitividade da economia brasileira.
Definida essa base, duas agendas se impõem. A primeira, uma política econômica clara, com a explicitação de metas a serem perseguidas --e, nesse caso, estamos falando, entre outras, de inflação e superavit fiscal.
A segunda agenda remete às medidas necessárias para que desponte um novo horizonte de crescimento econômico.
Além de promover mudanças internas, como a melhoria da educação, a aceleração do programa de concessões e ações muito fortes para reformular e simplificar a tributação e os marcos regulatórios, é preciso ousadia para dinamizar o comércio exterior.
A economia carece de uma abertura cautelosa, sustentada por acordos comerciais que permitam o acesso de nossas empresas a novos mercados de consumo e tragam referências internacionais para nossos custos, a produtividade e a eficiência gerencial.
As duas agendas conversam entre si --a falta de compromisso com uma delas prejudica a outra. Só a disposição em colocá-las em pauta já deve garantir que 2014 se torne ponto de partida para reverter as expectativas ruins, e não um ano de muita torcida e pouco resultado, noves fora a esperança de que a Copa do Mundo é nossa.
Eu acuso. Ou Dilma 'Red Block' - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 14/02
Dois dias depois da morte de Santiago, o MST feriu 30 policiais. A presidente decidiu receber a turba
O cinegrafista Santiago Andrade está morto. Não vai comparecer à próxima manifestação nem ao almoço de domingo. Quem o subtraiu da vida roubou também o pai, o marido, o amigo e a liberdade de imprensa.
Eu acuso Franklin Martins de ser o chefe de uma milícia oportunista contra a imprensa livre.
Eu acuso o governo federal e as estatais, que financiam páginas e veículos que pregam o ódio ao jornalismo independente, de ser corresponsáveis por essa morte.
Eu acuso o ministro José Eduardo Cardozo de ser, querendo ou não, na prática, um dos incitadores da desordem.
Eu acuso o ministro Gilberto Carvalho de especular com o confronto de todos contra todos.
Eu acuso jornalistas de praticar a sujeição voluntária porque se calam sobre o fato de que são caçados nas ruas pelos ditos "ativistas" e obrigados a trabalhar clandestinamente.
Eu acuso empresas e jornalistas de se render a milicianos das redes sociais e de se preocupar mais com "o que elas vão dizer de nós" do que com o que "nós temos de dizer a elas".
Eu acuso uns e outros de se deixar pautar por dinossauros com um iPad nas patas.
No começo deste mês, Franklin Martins participou de "um debate" com gente que concorda com ele num aparelho sindical a serviço do PT. Malhou a imprensa à vontade, num ambiente em que só o ressentimento superava a burrice. Num dado momento, afirmou: "Há por parte da maioria dos órgãos de comunicação uma oposição reiterada, sistemática, muitas vezes raivosa, contra o governo; [isso] implica que o governo tenha de fazer a disputa política de modo permanente; ou seja, não é de vez em quando; tem de fazer sempre."
Aí está a origem do mal. A afirmação de Martins é mentirosa. Não existe essa imprensa de oposição. É delírio autoritário de quem precisa inventar um fantasma para endurecer o jogo com os "inimigos". Ele será o homem forte da campanha de Dilma à reeleição e voltou a ser a mão que balança o berço na Secom, que distribui a verba de publicidade aos linchadores.
Constrangido por essa patrulha financiada por dinheiro público, que literalmente arma a mão de delinquentes, o jornalismo se intimida, se esconde e se esquece de que não é apenas uma caixa de ressonância de valores em disputa. Se nos cabe reportar a ação dos que não toleram a democracia, é preciso evidenciar que o regime de liberdades é inegociável e que os critérios com que se avalia a violência de quem luta contra uma tirania não servem para medir a ação dos que protestam num regime democrático.
Dois dias depois da morte de Santiago, o moribundo MST organizou uma arruaça em Brasília e feriu 30 policiais, oito deles com gravidade. A presidente decidiu receber a turba pra conversar.
Eu acuso a "red bloc" Dilma Rousseff de ser omissa, de abrigar a violência e de promover a baderna.
PS - Janio de Freitas especulou sobre a honorabilidade de Jonas Tadeu Nunes, advogado dos assassinos de Santiago, porque já foi defensor de Natalino Guimarães, chefe de milícia. Alguns figurões do direito defenderam os ladrões do mensalão, e ninguém, com razão, duvidou da sua honra. O compromisso do advogado é com o direito de defesa, não com o crime praticado. O colunista referiu-se a mim --"um comentarista que já aparecia na rádio..."-- porque perguntei a Jonas, na Jovem Pan, se grupos de extrema esquerda financiavam arruaceiros. Janio indaga se não poderiam ser de extrema direita. Se ela existisse, se fosse organizada, se tivesse partido, se recebesse verbas do fundo partidário, se tivesse suas "Sininhos" e seus piratas de olhos cerúleos, talvez... Acontece que as antípodas direita e extrema-direita no Brasil são substantivos abstratos, que só existem na mente meio paranoica das esquerdas. Ah, sim: apareceu uma lista de financiadores dos "black blocs". Todos de esquerda. Quod erat demonstrandum.
Dois dias depois da morte de Santiago, o MST feriu 30 policiais. A presidente decidiu receber a turba
O cinegrafista Santiago Andrade está morto. Não vai comparecer à próxima manifestação nem ao almoço de domingo. Quem o subtraiu da vida roubou também o pai, o marido, o amigo e a liberdade de imprensa.
Eu acuso Franklin Martins de ser o chefe de uma milícia oportunista contra a imprensa livre.
Eu acuso o governo federal e as estatais, que financiam páginas e veículos que pregam o ódio ao jornalismo independente, de ser corresponsáveis por essa morte.
Eu acuso o ministro José Eduardo Cardozo de ser, querendo ou não, na prática, um dos incitadores da desordem.
Eu acuso o ministro Gilberto Carvalho de especular com o confronto de todos contra todos.
Eu acuso jornalistas de praticar a sujeição voluntária porque se calam sobre o fato de que são caçados nas ruas pelos ditos "ativistas" e obrigados a trabalhar clandestinamente.
Eu acuso empresas e jornalistas de se render a milicianos das redes sociais e de se preocupar mais com "o que elas vão dizer de nós" do que com o que "nós temos de dizer a elas".
Eu acuso uns e outros de se deixar pautar por dinossauros com um iPad nas patas.
No começo deste mês, Franklin Martins participou de "um debate" com gente que concorda com ele num aparelho sindical a serviço do PT. Malhou a imprensa à vontade, num ambiente em que só o ressentimento superava a burrice. Num dado momento, afirmou: "Há por parte da maioria dos órgãos de comunicação uma oposição reiterada, sistemática, muitas vezes raivosa, contra o governo; [isso] implica que o governo tenha de fazer a disputa política de modo permanente; ou seja, não é de vez em quando; tem de fazer sempre."
Aí está a origem do mal. A afirmação de Martins é mentirosa. Não existe essa imprensa de oposição. É delírio autoritário de quem precisa inventar um fantasma para endurecer o jogo com os "inimigos". Ele será o homem forte da campanha de Dilma à reeleição e voltou a ser a mão que balança o berço na Secom, que distribui a verba de publicidade aos linchadores.
Constrangido por essa patrulha financiada por dinheiro público, que literalmente arma a mão de delinquentes, o jornalismo se intimida, se esconde e se esquece de que não é apenas uma caixa de ressonância de valores em disputa. Se nos cabe reportar a ação dos que não toleram a democracia, é preciso evidenciar que o regime de liberdades é inegociável e que os critérios com que se avalia a violência de quem luta contra uma tirania não servem para medir a ação dos que protestam num regime democrático.
Dois dias depois da morte de Santiago, o moribundo MST organizou uma arruaça em Brasília e feriu 30 policiais, oito deles com gravidade. A presidente decidiu receber a turba pra conversar.
Eu acuso a "red bloc" Dilma Rousseff de ser omissa, de abrigar a violência e de promover a baderna.
PS - Janio de Freitas especulou sobre a honorabilidade de Jonas Tadeu Nunes, advogado dos assassinos de Santiago, porque já foi defensor de Natalino Guimarães, chefe de milícia. Alguns figurões do direito defenderam os ladrões do mensalão, e ninguém, com razão, duvidou da sua honra. O compromisso do advogado é com o direito de defesa, não com o crime praticado. O colunista referiu-se a mim --"um comentarista que já aparecia na rádio..."-- porque perguntei a Jonas, na Jovem Pan, se grupos de extrema esquerda financiavam arruaceiros. Janio indaga se não poderiam ser de extrema direita. Se ela existisse, se fosse organizada, se tivesse partido, se recebesse verbas do fundo partidário, se tivesse suas "Sininhos" e seus piratas de olhos cerúleos, talvez... Acontece que as antípodas direita e extrema-direita no Brasil são substantivos abstratos, que só existem na mente meio paranoica das esquerdas. Ah, sim: apareceu uma lista de financiadores dos "black blocs". Todos de esquerda. Quod erat demonstrandum.
Cães de aluguel - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 14/02
O advogado Jonas Tadeu Nunes não teria nada a ganhar para seus clientes Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, ao dizer que agiam a soldo de partidos e políticos quando assassinaram o cinegrafista Santiago Andrade a golpe de rojão no centro da cidade do Rio de Janeiro.
O fato de, segundo a denúncia, terem recebido R$ 150 para fomentar a violência em manifestações alegadamente de protesto contra ações e inações do poder público não altera em nada a situação dos dois. Continuam como autores materiais de um crime que agora obriga a polícia a investigar se realmente existem mandantes por trás dos executores.
A questão levantada pelo advogado é verossímil. Combina, por exemplo, com o que já haviam dito algumas autoridades no ano passado quando os protestos em prol da melhoria dos serviços públicos degeneraram em grossa pancadaria.
Na ocasião os alertas não foram levados muito a sério, pois pareceu que governadores e prefeitos apenas procuravam atribuir as manifestações a interesses eleitorais de adversários a fim de afastar deles o foco das reclamações.
A partir da prisão e da reação dos dois criminosos, contudo, a suspeita ganhou substância. Note-se que em momento algum nenhum dos dois esclareceu a razão pela qual estavam presentes ao ato convocado para protestar contra o aumento das passagens de ônibus no Rio.
Justificaram que não sabiam o efeito que teria o artefato que manejavam, fizeram alusão à condição de pobres coitados financiados para badernar, mas passam ao largo de qualquer referência a queixas contra a inépcia do Estado em tese provedor.
Tal omissão diz muito a respeito da motivação que os levou ao centro do Rio na tarde daquela nefasta segunda-feira e confere verossimilhança à hipótese de financiamento.
Possibilidade já exposta no momento em que os atos de vandalismo refluíram na proporção direta em que as pesquisas de opinião indicavam que eram condenados pela maioria da população. O recuo orquestrado apontava para o avanço anterior igualmente adestrado.
A polícia, portanto, tem um foco de investigação preciso. A se confirmar o envolvimento de partidos e/ou de políticos no cultivo da selvageria caberá à Justiça identificar e excluir os responsáveis do processo eleitoral.
Por ação marginal às balizas da civilidade e da legalidade.
Penitentes. Com boa vontade podemos aplicar à Câmara dos Deputados o lema segundo o qual errar é humano, mas a persistência no erro configura burrice.
No modelo clássico, um novo julgamento busca dar uma segunda chance ao réu, embora pela legislação brasileira ninguém possa ser julgado duas vezes pelo mesmo crime.
Esta, aliás, será a alegação da defesa do ex-deputado Natan Donadon, que anunciou a intenção de recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a cassação do mandato.
Dificilmente terá sucesso. Primeiro porque o critério no Parlamento é político. Segundo, o julgamento do ano passado foi feito com base no entendimento de que a Câmara teria a última palavra sobre perda de mandatos em casos de condenações criminais, contra o qual se posicionou o STF.
A sessão de terça-feira aprovou a cassação por infração diferente: quebra de decoro em decorrência de Donadon ter votado a favor da manutenção do próprio mandato há seis meses, o que é proibido pelo regimento interno.
Desta vez, a segunda chance não foi dada ao réu, mas aos juízes necessitados de se redimir do vexame anterior.
O advogado Jonas Tadeu Nunes não teria nada a ganhar para seus clientes Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, ao dizer que agiam a soldo de partidos e políticos quando assassinaram o cinegrafista Santiago Andrade a golpe de rojão no centro da cidade do Rio de Janeiro.
O fato de, segundo a denúncia, terem recebido R$ 150 para fomentar a violência em manifestações alegadamente de protesto contra ações e inações do poder público não altera em nada a situação dos dois. Continuam como autores materiais de um crime que agora obriga a polícia a investigar se realmente existem mandantes por trás dos executores.
A questão levantada pelo advogado é verossímil. Combina, por exemplo, com o que já haviam dito algumas autoridades no ano passado quando os protestos em prol da melhoria dos serviços públicos degeneraram em grossa pancadaria.
Na ocasião os alertas não foram levados muito a sério, pois pareceu que governadores e prefeitos apenas procuravam atribuir as manifestações a interesses eleitorais de adversários a fim de afastar deles o foco das reclamações.
A partir da prisão e da reação dos dois criminosos, contudo, a suspeita ganhou substância. Note-se que em momento algum nenhum dos dois esclareceu a razão pela qual estavam presentes ao ato convocado para protestar contra o aumento das passagens de ônibus no Rio.
Justificaram que não sabiam o efeito que teria o artefato que manejavam, fizeram alusão à condição de pobres coitados financiados para badernar, mas passam ao largo de qualquer referência a queixas contra a inépcia do Estado em tese provedor.
Tal omissão diz muito a respeito da motivação que os levou ao centro do Rio na tarde daquela nefasta segunda-feira e confere verossimilhança à hipótese de financiamento.
Possibilidade já exposta no momento em que os atos de vandalismo refluíram na proporção direta em que as pesquisas de opinião indicavam que eram condenados pela maioria da população. O recuo orquestrado apontava para o avanço anterior igualmente adestrado.
A polícia, portanto, tem um foco de investigação preciso. A se confirmar o envolvimento de partidos e/ou de políticos no cultivo da selvageria caberá à Justiça identificar e excluir os responsáveis do processo eleitoral.
Por ação marginal às balizas da civilidade e da legalidade.
Penitentes. Com boa vontade podemos aplicar à Câmara dos Deputados o lema segundo o qual errar é humano, mas a persistência no erro configura burrice.
No modelo clássico, um novo julgamento busca dar uma segunda chance ao réu, embora pela legislação brasileira ninguém possa ser julgado duas vezes pelo mesmo crime.
Esta, aliás, será a alegação da defesa do ex-deputado Natan Donadon, que anunciou a intenção de recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a cassação do mandato.
Dificilmente terá sucesso. Primeiro porque o critério no Parlamento é político. Segundo, o julgamento do ano passado foi feito com base no entendimento de que a Câmara teria a última palavra sobre perda de mandatos em casos de condenações criminais, contra o qual se posicionou o STF.
A sessão de terça-feira aprovou a cassação por infração diferente: quebra de decoro em decorrência de Donadon ter votado a favor da manutenção do próprio mandato há seis meses, o que é proibido pelo regimento interno.
Desta vez, a segunda chance não foi dada ao réu, mas aos juízes necessitados de se redimir do vexame anterior.
Voto sem máscara - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 14/02
É triste a constatação de que com o voto aberto a maioria dos nossos deputados se comporta dentro do figurino da ética pública, e no escuro da cabine do voto secreto libera seus mais baixos instintos, votando corporativamente e com interesses que nada têm de republicanos. Tancredo Neves já dizia que o voto secreto dá uma vontade enorme de trair.
Isso demonstra que ainda temos muito o que exercitar na democracia para chegarmos a um Congresso que realmente represente interesses legítimos da população e de setores da sociedade, sem manobras nem subterfúgios.
Mas, como a luz do sol é o melhor detergente, como disse certa vez o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis, com o voto aberto estamos no caminho certo. Só discordo do voto aberto em situações em que o parlamentar fica sujeito a pressões, como na nomeação de embaixadores e ministros dos tribunais superiores, ou vetos presidenciais.
No mais, o voto aberto deve ser a norma. A regra no Congresso é voto aberto para decisões legislativas, e a exceção era o veto presidencial, que tinha uma razão. Historicamente, só na emenda de 1969 é que se instituiu o voto aberto para o veto, que sempre foi uma garantia da independência da deliberação do parlamentar face à pressão do Executivo.
Pois nessa reforma os parlamentares aceitaram manter o voto aberto para os vetos presidenciais, submetendo-se às pressões do Palácio do Planalto. O voto secreto permanece em outros casos em que não há deliberação legislativa, como a votação que confirma a indicação de autoridades: agências reguladoras, nomeações para os tribunais superiores, embaixadores, procurador-geral da República, que é o titular da ação penal contra os parlamentares.
Nesses casos se faz o voto secreto, entre outras razões, para livrar o parlamentar das peias da própria disciplina partidária. Um partido faz um acordo com governo e enquadra seus filiados, distorcendo a ação parlamentar. Ou então de pressões externas, sobretudo do Executivo. São mecanismos cuja finalidade é o equilíbrio entre as instituições, Executivo, Legislativo e Judiciário.
O fim do voto secreto no caso de cassação de parlamentar é uma medida correta, embora muitos apostem que, paradoxalmente, o ex-deputado Marcio Moreira Alves teria sido cassado se houvesse o voto aberto naquela ocasião, dezembro de 1968.
A decisão da Câmara pela inviolabilidade do mandato parlamentar resultou na edição do AI-5 no dia seguinte à votação. Foi o voto secreto que deu coragem à maioria da Câmara para enfrentar a ditadura. Em tempos de democracia, o voto secreto favorece os conchavos, os interesses subalternos e corporativos.
Tirar o voto secreto dos deputados e senadores corresponde a tirar a máscara dos black blocs. Os parlamentares, à luz do dia, sem poder se esconder no anonimato, todos condenaram o companheiro Natan Donadon, num resultado diametralmente oposto ao que aconteceu na primeira vez em que ele foi a julgamento do plenário, com voto secreto. Naquela ocasião, foi absolvido pelo corporativismo. Os deputados, protegidos pelo voto secreto, agiram como os black blocs mascarados, depredaram as instituições.
Na terça-feira, na votação que pode ter marcado uma nova era para o Congresso, alguns ainda se abstiveram, mas fazem parte de uma minoria resistente aos novos ares, exceto naturalmente aqueles com reais motivos para a ausência.
Assim como os nossos deputados têm agora que mostrar a cara e assumir posições diante da opinião pública, também seria bom que os black blocs, arrancadas suas máscaras, fossem para as ruas protestar contra o que quisessem. De peito aberto, cara limpa, assumindo seus atos. Certamente a violência, e o corporativismo, serão reduzidos.
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