Dilma Rousseff pode ser nomeada para qualquer cargo público no país, mas não pode ser a presidente da República. Poderia também ter sido, ao contrário, condenada à inabilitação para qualquer cargo público, mas continuar sendo presidente da República.
Esse despautério deveu-se a um acordo implícito entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que acabou dando um bônus à presidente definitivamente afastada, Dilma Rousseff, passando por cima da definição expressa da Constituição — mostrando cabalmente como nossas leis não apenas podem colidir umas com as outras, como basta uma interpretação para que seus sentidos sejam distorcidos em benefício de alguém ou algum grupo.
No caso de Dilma, de imediato, ela pode ser blindada do juiz Sérgio Moro, sendo indicada como secretária de governo estadual. Pode ser o de seu estado, Minas Gerais, pelo petista Fernando Pimentel, ou do Maranhão, com o governador do PCdoB, Flávio Dino. Outro plano pode ser se candidatar nas eleições municipais deste ano ou nas de 2018, caso queira ser deputada federal ou senadora.
Já há quem chame a gambiarra de “pedalada constitucional”. Mas não é apenas Dilma que se beneficia dessa benemerência. Há indícios de que esse acordo entre Renan e Lewandowski pode favorecer também os políticos que respondem a processos — como o próprio Renan, no STF, ou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha —, que buscarão, certamente, isonomia de tratamento.
Não importa que, pela legislação, a cassação de mandatos parlamentares os transformem naturalmente em candidatos inelegíveis. A esta altura, não há mais garantia constitucional, pois interpretações podem mudar até mesmo a Constituição.
Foi o que aconteceu ontem na sessão do Senado que decidiu pelo impedimento da presidente Dilma. Mas, surpreendentemente, não aprovou sua inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, como está expressamente definido no artigo 52 da Constituição de 1988.
Também a Lei do Impeachment, de 1950, define que os crimes de responsabilidade são passíveis de pena de perda de cargo, também com inabilitação para a função pública. Para conseguir a mágica de ultrapassar a Constituição e a legislação em vigor, o Senado usou seu regimento interno, também interpretado de maneira ampliada pelo senador Randolfe Rodrigues, da Rede.
O presidente da sessão, ministro Lewandowski, revelando afinal sua benevolência com a “presidenta”, acatou a interpretação que transformou o documento de pronúncia em uma “proposição”, que é sujeita a destaques de votação. Sendo assim, foi vitoriosa a proposta de separar do texto principal a punição acessória de inabilitação, que acabou sendo recusada.
A agora ex-presidente Dilma Rousseff, se quiser, poderá se candidatar a qualquer cargo público, pois a Lei da Ficha Limpa não se refere ao presidente da República quando trata da inelegibilidade, ao contrário do que faz com governadores, prefeitos, deputados e senadores.
Só cabe restrição de ordem eleitoral fixada pela Ficha Limpa se o presidente da República renunciar. Na Lei 64, que acabou se transformando na Lei da Ficha Limpa, havia a possibilidade de atingir os que tivessem processo transitado em julgado, mas na redação final esse ponto desapareceu, alegadamente porque a Constituição já tratava do assunto.
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