ESTADÃO - 01/09
Como previsto por todas as videntes, pelas cartomantes, cai a rainha de espadas. Ficam o rei de ouros e de outros naipes. Não muda nada, ou quase nada. A Bolsa não subiu, panelas já não batem, buzinas já não soam. Descartada a presidente, voltam ao maço da política brasileira as 52 cartas de sempre. Curingas presidenciais como Dilma Rousseff e Fernando Collor não chegaram a se misturar nesse baralho. Quem dá as cartas foi e é o PMDB.
Com representatividade limitada, o sistema político partidário brasileiro visa sua perpetuação e autopreservação, acima de tudo. Colocado em xeque – por manifestações em massa como as de junho de 2013, ou por operações policiais como a Lava Jato –, faz o que pode e o que não pode para perseverar. Se a circunstância pede sacrifício, tende a descartar quem não compreende como o jogo é jogado – ou, se compreende, preferiu passar batido.
Dilma passou, ou vai passar. As buscas por seu nome no Google cresceram 747% nesta semana. Foi seu canto do cisne digital, a julgar pelo histórico de pesquisas de nomes de ex-presidentes.
Após o fim de seus mandatos, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e Fernando Collor viraram traços sem apelo para a curiosidade da internet brasileira. Lula ia pelo mesmo caminho, até virar protagonista de novo graças ao grampo de Sérgio Moro. Como foi contra sua vontade, é exceção que confirma a regra.
Percebe-se quão fútil é a mania de Getúlio Vargas que acomete presidentes brasileiros que sonham sair do palácio para entrar na história. Não são discurso, filme nem mesmo suicídio que comandam a narrativa das trajetórias presidenciais. É o conjunto de atos e omissões, a somatória do que fizeram e do que deixaram de fazer. O balanço de pecados e virtudes. É o que sobra.
Do governo Dilma sobra, de imediato, o PMDB de volta à cadeira presidencial. A história de como chegou lá envolve traições e politicagens, por certo, mas essas artimanhas não teriam a repercussão que tiveram se não houvesse as condições necessárias para frutificar. Como no governo Collor, as condições foram dadas pela ruína econômica. Junte-se recessão, impopularidade e autossuficiência presidencial, e o resultado é impeachment.
E PMDB. Crupiê do poder, o partido se especializou em controlar a maioria do Congresso mesmo sem ter as melhores cartas. Bom jogador, faz o jogo com a mão que tem. Conta menos com a sorte do que com a esperteza. Blefa, troca de parceiros, aposta no buraco e até rouba monte se for do jogo. Mas nunca sai da mesa.
Com o PT como par, o PMDB quase dançou sozinho. O partido minguou ainda mais nos municípios, sua fonte de poder. Perdeu prefeituras para o sócio e se viu em perigo existencial. Daí também a convulsão de sua base, principalmente na Câmara dos Deputados, o que deu oportunidade a um Eduardo Cunha. O ex-líder vocalizou essa insatisfação e galvanizou a reação à parceria.
Cunha é personagem central da trama, mas não escreveu o roteiro. O script foi ditado pela disputa da hegemonia municipal entre petistas e peemedebistas. Não por acaso, o PSDB – uma costela do PMDB fugida do quercismo – tornou-se o principal parceiro peemedebista nas eleições municipais deste ano, em substituição ao PT. A nova sociedade é causa, não consequência. Mas tampouco é casamento para a vida eterna. Os noivos têm planos distintos.
A melhor síntese da política brasileira pós-impeachment é o embaralhamento da eleição paulistana. O PMDB herdando parte do que era do PT (via Marta, ex-Suplicy), o PSDB rachando entre alckmistas (que suportam João Doria) e serristas (dão apoio à candidata do PMDB), o petismo pulverizado entre três candidaturas (além de Marta, Fernando Haddad e Luiza Erundina) e um curinga (Celso Russomanno) se beneficiando da confusão.
Ganhe quem ganhe, o PMDB estará no jogo, com o baralho na mão.
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