FOLHA DE SP - 03/07
Dilma Rousseff disse que “o erro mais óbvio que cometi foi a aliança que fiz para levar a Presidência neste segundo mandato com uma pessoa que explicitamente, diante do país inteiro, tomou atitudes de traição e usurpação”. A doutora não gosta de reconhecer seus erros, e é possível que essa frase seja mais um pretexto para falar mal de Michel Temer do que uma reflexão sobre sua ruína.
Como está cada vez mais próximo o dia em que Dilma Rousseff passará para a História, restará uma pergunta: como foi que ela chegou a essa situação?
A aliança com o PMDB não foi um erro, foi o acerto que permitiu sua reeleição. Sem Temer na Vice-Presidência, ela não ficaria de pé. Não foi Temer quem fritou Dilma, foram ela e o comissariado petista que tentaram fritar o PMDB.
Logo depois da eleição de 2014, sob os auspícios da presidente, o PT começou a dificultar a vida do PMDB. Fizeram isso de forma pueril. Sabiam que Eduardo Cunha era candidato à presidência da Câmara dos Deputados e acreditaram que poderiam derrotá-lo lançando o petista Arlindo Chinaglia. Eleger um petista em plena Lava-Jato era excesso de autoconfiança. Acreditar que isso seria possível com a ajuda do PSDB foi rematada ingenuidade.
Quando o barco da prepotência petista começou a adernar, Dilma decidiu pedir socorro ao PMDB e convidou Temer para a coordenação política do governo. Ele não precisava aceitar, pois era vice-presidente da República. Em poucas semanas, recompôs a base governista, mas coisas estranhas começaram a acontecer. Temer fazia acordos, os parlamentares cumpriam, e o Planalto renegava as combinações. Em português claro: Temer fez compras usando seu cartão de crédito, e Dilma não pagava as faturas. Ele foi-se embora e, aos poucos, juntou-se às multidões que pediam “Fora, PT” nas ruas. (Elas gritavam “Fora, PT”, mas não pediam “Temer presidente”, esse é o problema que está hoje na cabeça de muita gente.)
O comissariado do PT achou que hegemonia política é coisa que se obtém a partir de um programa de governo. Gastaram os tubos e produziram ruína econômica e isolamento político.
Talvez o maior erro de Dilma tenha sido outro, fingir que não via a manobra silenciosa de Lula tentando substituí-la na chapa da eleição de 2014. E o maior erro de Lula foi não ter sentado diante de Dilma dizendo-lhe com todas as letras que queria a cadeira de volta.
AS COISAS BOAS TAMBÉM ACONTECEM
Por caminhos diferentes, dois repórteres mostraram o absurdo que é a transformação da Força Aérea numa locadora de jatinhos para atender a maganos do governo.
Marina Dias contou que Dilma Rousseff preferiu alugar um jatinho privado para voar de Brasília a Belém. Num Legacy da FAB, ela pagaria R$ 100 mil pelo bilhete de ida e volta. No mercado, conseguiu a mesma coisa por R$ 90 mil.
No início do mês, Vinicius Sassine mostrara que em três anos a FAB não conseguiu atender a 153 pedidos de transporte de órgãos para transplantes. No mesmo período, atendeu a 716 reservas de ministros e dos presidentes do Supremo Tribunal, da Câmara e do Senado. Em geral, essa boca-rica ajuda os hierarcas a fugir de Brasília. (Entre janeiro e setembro de 2015, Eduardo Cunha fez 71 voos.)
A exposição do custo social da mordomia levou o governo a determinar que a FAB mantenha sempre um avião disponível para o transporte de órgãos. Sassine foi conferir o resultado e contou que em apenas três semanas foram transportados oito corações, quatro fígados e dois pâncreas.
PORTA FECHADA
É quase nula a possibilidade de o Ministério Público de Curitiba aceitar uma proposta de colaboração vinda de Eduardo Cunha.
Nem que ele saiba o endereço do ET de Varginha ou tenha a fórmula do elixir da longa vida.
Eduardo Cunha com uma tornozeleira na pérgula de uma piscina seria a desmoralização da Lava-Jato.
SINAL DOS CÉUS
Numa trapaça da fortuna, na mesma semana em que estimulou um projeto que pretende conter abusos de autoridade (ele nega que isso tenha a ver com a Operação Lava-Jato), Renan Calheiros defendeu a legalização da tavolagem, também conhecida como “jogos de azar”, e a Lava-Jato encarcerou o contraventor Carlinhos Cachoeira.
Se tudo isso fosse pouco, o projeto dos abusos de autoridade será discutido numa comissão presidida pelo senador Romero Jucá. Na sua conversa com Sérgio Machado, ele foi profético: “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”.
O governo já mudou.
EUNÍCIO
O cearense Eunício Oliveira será o próximo presidente do Senado.
BOLSA CURITIBA
Pelo menos um freguês da Lava-Jato que vive em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica já desabafou com um amigo que há ocasiões em que pensa em pedir ao juiz Sérgio Moro para hospedá-lo por uns dias na carceragem de Curitiba.
No tempo das vacas gordas, seu casamento já não era um conto de fadas. Agora a prisão domiciliar funciona como um regime fechado de convivência obrigatória com a patroa.
O cidadão argumenta que na carceragem ninguém recrimina o outro por ter delinquido.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, vinha apoiando o governo Temer sem saber por que, mas acredita que matou a charada.
Temer tem um compromisso genérico com a contenção de despesas do governo e outros, específicos, com grupos de pressão interessados em detonar a Bolsa da Viúva.
Homem de palavra, cumpre todos.
NÃO PASSARÃO
Os organizadores de manifestações em defesa de Dilma Rousseff bem que poderiam dispensar o grito de guerra “Não passarão”.
Ele encanta a esquerda, mas não traz sorte. O “No passarán” celebrizou-se durante a Guerra Civil Espanhola, na voz da comunista Dolores Ibarruri, chamada de “La Pasionaria”. As tropas do general Francisco Franco passaram, e sua ditadura durou 36 anos, até 1975.
“La Pasionaria” fugiu para Moscou e morreu em Madri, três meses depois da queda do Muro de Berlim. Desde então, os alemães passam livremente pela porta de Brandemburgo.
RECORDAR É VIVER
Enquanto Dilma e o PT tentam entender quando a vaca companheira foi para o brejo, vale a pena lembrar que há momentos em que um governante toma uma decisão capaz de engrandecê-lo.
Durante o apogeu do Milagre Econômico dos anos 70, poderosos ministros do general Emílio Médici articularam um projeto de prorrogação do seu mandato. Com censura à imprensa, DOI-Codi e a economia crescendo a 10% ao ano, sua popularidade sempre esteve acima da marca dos 60%.
Médici não quis conversa, deixou o governo em 1974 e foi para seu apartamento na Rua Júlio de Castilhos, em Copacabana. Mais tarde, reconheceria que se livrou de uma boa.
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