O Estado de S. Paulo - 11/06
O Partido dos Trabalhadores (PT) abre hoje em Salvador seu 5.º Congresso, mergulhado em conflitos e contradições que são o resultado dos 12 anos em que, a partir de avanços sociais importantes ameaçados agora de se perderem, fingiu reinventar o Brasil, na verdade dedicando-se prioritariamente ao desfrute do poder e ao projeto de nele se perpetuar. Até sábado, haverá muita discussão na tribuna e nos bastidores do encontro, mas, ao final, prevalecerá a vontade do mandachuva Lula, com a aprovação de um documento com o sugestivo título de Carta de Salvador. Essa proclamação deverá sinalizar discretamente uma guinada à esquerda, usando as palavras mais para salvar as aparências – como a de que todo o partido apoia o governo – e tentar manter o PT vivo, do que para apontar caminhos para salvar o País do buraco em que o afundou sob o desastrado comando de Dilma Rousseff. Será mais uma peça de retórica.
Na verdade, embora os petistas não se permitam colocar a questão nesses termos, o grande tema com que este 5.º Congresso terá que se haver é o exaurimento de um projeto de poder fundado no delírio populista de político profissional cujo carisma – agora decadente – só não era maior do que o oportunismo com que alavancou sua ascensão política e social. Lula jamais foi um político de esquerda. Sua “metamorfose ambulante”, como ele próprio definiu sua trajetória de sindicalista “autêntico” a cacique de partido, revela um político sagaz, pragmático, sempre pronto a mudar de atitude e de opinião ao sabor das conveniências.
Quando se projetou nacionalmente como líder dos metalúrgicos do ABC paulista, Lula encantou os intelectuais e acadêmicos de esquerda pelo radicalismo com que repudiava a política e os políticos, proclamando lutar exclusivamente pelos direitos trabalhistas dos operários fabris que representava – trabalhadores que, diga-se de passagem, integravam a elite da massa operária no País. Lula se tornou político, mas seu esquema mental permaneceu o mesmo, apenas trocando a ideia de “operários vs. patrões” pela de “povo vs. elite”, ou “nós vs. eles”. Como todo ilusionismo, o esquema lulopetista foi-se tornando, pela repetição, um truque barato.
Agora, no desespero de ver sua nau fazendo água, os petistas preparam-se novamente – porque não sabem fazer diferente – para empurrar o problema com a barriga com uma proclamação tão conciliadora quanto possível, na esperança de que venham dias melhores. Mas o “centralismo democrático” que impera no comando do partido não parece suficiente para impedir que lideranças mais radicais voltem a aflorar com propostas esquerdizantes – afinal, para todos os efeitos, o PT é um partido “de esquerda”. Além da ideia de uma “nova política de alianças” que conta com as simpatias também de Lula, mas é mais difícil de fazer do que de falar, não poderia faltar no elenco de temas capazes de incendiar as discussões no congresso o da “democratização dos meios de comunicação”.
Desde sempre o PT considera os grandes veículos de comunicação – a quintessência das “elites” – os principais culpados por tudo o que não dá certo para ele. A maior parte das lideranças petistas mais radicais não chega a propor abertamente a censura à Imprensa, mas essa intenção transparece claramente numa versão preliminar da Carta de Salvador que trata da questão dos “instrumentos de poder” e será discutida no encontro na capital baiana: “Em contraposição a outras nações latino-americanas sob governos progressistas, o PT e suas administrações deixaram de alterar instituições e instrumentos de poder da velha oligarquia”.
Quer dizer: ao contrário dos “governos progressistas” dos quais os petistas morrem de inveja – Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina –, os governos do PT cometeram o erro imperdoável de não impor restrições de conteúdo – eufemismo para censura – ou de natureza econômica para os veículos de comunicação independentes. Os petistas acham que, além de “alterar instituições e instrumentos de poder”, é preciso que o partido invista em veículos de comunicação de massa próprios, como jornais de circulação gratuita, e em uma TV via internet. O capital necessário se arranja – é o que deve imaginar a companheirada.
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