O GLOBO - 11/06
Ontem foi um dia histórico para a democracia brasileira, menos pela liberação das biografias não autorizadas, nos colocando no rol dos países desenvolvidos nessa questão cultural fundamental que é a liberdade acadêmica, de ensinar e pesquisar, e mais pela prevalência, no Supremo Tribunal Federal ( STF), do entendimento de que qualquer tipo de censura é terminantemente proibido pela Constituição.
A liberdade de expressão, que estava em xeque, está protegida pela decisão do Supremo, afastando o perigo de que os mesmos artigos 20 e 21 do Código Civil, interpretados como fundamentos para proibir as biografias, também pudessem servir para proibir matérias jornalísticas que supostamente invadam a privacidade de alguém, como já escrevi aqui.
Os artigos em momento algum citam a palavra "biografia". Eles protegem a imagem e a intimidade contra "usos comerciais". A edição de livros estava sendo entendida como um uso comercial, e não há razão para que o jornalismo não o fosse.
A ministra relatora, Cármen Lúcia, baseou seu voto vitorioso no argumento de que a Constituição contém preceitos que garantem a liberdade de expressão, de pensamento, de criação artística e científica, além de proibir a censura. "Censura é forma de cala- boca. Pior, ( forma de) cala Constituição. (...) O que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de um".
Cármen Lúcia afirmou em seu voto que, a pretexto de se manter a intimidade de alguém, não é possível abolir- se o direito à liberdade do outro de se expressar e criar obras literárias, especialmente obras biográficas. "Não é proibindo, recolhendo obra, impedindo-se a divulgação, calando-se o outro e amordaçando-se a História que se cumpre a Constituição".
O advogado da Associação Nacional dos Editores de Livros ( Anel), Gustavo Binenbojm, defendeu o fim da necessidade de autorização prévia, afirmando que o acesso a informações é um direito da sociedade, não cabendo ao personagem o monopólio dessas informações. "Contar ou conhecer a História não é direito do protagonista, é direito da sociedade".
A liberdade de expressão foi a base dos votos dos demais ministros, e Luís Roberto Barroso chegou a afirmar que a liberdade de expressão deve ter tratamento preferencial, por ter sido um preceito já violado em outros momentos da História brasileira. "Porque o passado condena", disse ele, referindo- se aos períodos ditatoriais em que a censura foi implantada no país.
Para Barroso, sem a liberdade de expressão "não existe plenitude dos demais direitos". Rosa Weber foi direto ao ponto: "A autorização prévia constitui uma forma de censura prévia, que é incompatível com nosso Estado democrático de Direito".
Luiz Fux afirmou que a redação do Código Civil errou ao permitir interpretações que levam à restrição da liberdade de expressão. "Não há ponderação possível entre a regra do Código Civil e a constitucional. É necessária proteção intensa à liberdade de expressão".
A preocupação com a invasão ilícita da privacidade de alguém apareceu em vários votos, e o ministro Gilmar Mendes conseguiu alterar o voto da relatora, alegando que ela apontava apenas a reparação econômica como forma de se combater qualquer transgressão ao direito à privacidade, quando, no seu modo de ver, pode haver posteriormente à publicação medidas como retenção de exemplares, entre outras.
Também Dias Toffoli bateu na mesma tecla ressaltando a possibilidade de intervenção judicial em relação "aos abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa". Mas, como ressalvou o ministro Luís Roberto Barroso, somente em casos de ilegalidade na obtenção de informação, ou no caso de mentira dolosa ou deliberada, pode- se buscar posteriormente considerar ilegítima alguma publicação.
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