O Estado de S.Paulo 11/06
No momento em que o governo federal lança um novo programa de concessões, preocupo-me, como nordestino ligado aos dramas da região de origem, com a preservação do parque industrial eletrointensivo do Nordeste, hoje ameaçado pela intenção das autoridades de não prorrogar os contratos de fornecimento de longo prazo com a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Vi de perto a evolução inicial do assunto durante o governo Geisel, ao iniciar minha carreira de funcionário público. Agora, na contramão da sustentação do parque industrial, o governo parece cogitar, nos termos da malfadada medida provisória (MP) do setor elétrico, a destinação da energia respectiva, dentro do sistema de cotas, para as distribuidoras do sistema elétrico nacional, com vistas à busca da menor tarifa imaginável.
Fabricantes de matérias-primas para a produção de aço inox, cobre, cloro e soda, siderurgia, ferro-liga, essas indústrias geram renda, empregos, tributos e divisas. Consomem um montante quase desprezível de energia (1% do consumo do Brasil), mas de vital importância para a sobrevivência e o desenvolvimento da região. Têm contratos de fornecimento que há décadas dão lucro à Chesf, já que o valor de venda dessa energia supera significativamente o respectivo custo de produção, ou seja, não há que falar em subsídio nessa contratação.
A solução aventada pelo governo praticamente eliminaria o ganho da Chesf, num momento de grande aperto nas contas públicas. A Chesf, que já contribuiu com 90% do seu parque de geração para atender à MP do setor elétrico, teria agora retirado o pouco que lhe resta para atender a essa política, em vez de garantir a operação de seus consumidores cativos. Estes, por sua vez, enfrentariam uma forte subida de custos, praticamente inviabilizando seus negócios, algo difícil de detalhar em artigo.
O País encontra-se num processo de ajuste macroeconômico, com meta de um resultado primário de 1,2% do PIB, o que implica um esforço fiscal de 1,8% do PIB para 2015. Ao contrário do que possa parecer, a renovação dos contratos da Chesf poderia contribuir para a obtenção das metas fiscais. Resumidamente, como a Chesf não faz parte do setor público consolidado, seu resultado não afeta diretamente os resultados fiscais. Mas há impactos indiretos. A renovação dos contratos garante a manutenção do emprego e do produto, com todos os impactos sobre sustentação da demanda agregada, permitindo a geração de impostos e, por tabela, contribuindo para o esforço fiscal.
As empresas que estão em vias de renovar o contrato com a Chesf pagaram, só em tributos federais, excluindo Previdência, cerca de R$ 195 milhões em 2014. Também pagaram outros R$ 365 milhões aos Fiscos estaduais, por causa do recolhimento de ICMS. Se a produção se reduzir em 20%, por hipótese, a perda de arrecadação seria acima de R$ 110 milhões/ano.
Isso sem falar no impacto na folha de pagamentos. As empresas afetadas por uma eventual extinção do contrato geram cerca de 10 mil empregos diretos e por volta de 150 mil postos de trabalho na Região Nordeste. Se considerarmos salários iguais ao salário médio do setor formal dos respectivos Estados e admitirmos que sobre a massa salarial incidem 30% de tributos, gerar-se-ia uma arrecadação de quase R$ 1 bilhão. Havendo dispensa de 20% dos trabalhadores, a redução de tributos será de cerca de R$ 200 milhões.
A eventual decisão de não renovar os contratos deverá, portanto, provocar uma redução das receitas do setor público consolidado de aproximadamente R$ 365 milhões anuais em tributos diretos e indiretos.
Sem prejuízo do resultado fiscal, há de se considerar que a manutenção dos contratos pode ainda garantir expressivos investimentos futuros, da ordem de R$ 20 bilhões, como defende o Ministério de Minas e Energia, ou uma eventual política de distribuição de lucros pela geradora de energia, reforçando o resultado primário do seu principal acionista, a União. Com a palavra, a presidente Dilma.
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