O Estado de S. Paulo - 11/06
A presidente Dilma Rousseff propôs à União Europeia, a segunda maior potência do mundo rico, um esforço para concluir neste ano um acordo de livre-comércio com o Mercosul. A conclusão das negociações é, mais do que nunca, uma necessidade urgente. Em todo o mundo multiplicaram-se acordos bilaterais, regionais e inter-regionais nos últimos dez anos. Mas o bloco sul-americano ficou à parte, fora dos grandes arranjos e limitado a poucos entendimentos com economias pequenas e menos desenvolvidas que a brasileira. O governo brasileiro, fiel à diplomacia terceiro-mundista implantada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, nunca se mostrou, até recentemente, preocupado com as novas configurações do comércio global. Apesar do risco de marginalização do País e de seus sócios de bloco, as autoridades deram prioridade, até há pouco, à estratégia Sul-Sul, claramente menosprezada pelos governantes de algumas das maiores potências emergentes, como China e Rússia.
A negociação com a União Europeia, iniciada em 1999, nunca saiu da agenda, embora várias vezes tenha sido interrompida e esteja de novo emperrada. Agora, a presidente propõe entregar até julho as ofertas do Mercosul e pede às autoridades da União Europeia uma rápida resposta. Mas a manifestação do outro lado talvez só ocorra depois das férias do verão europeu, em julho e agosto, ponderou a ministra da Agricultura, Katia Abreu. Essa possível demora, no entanto, de nenhum modo é um fator preocupante, se houver, de fato, condições para um entendimento.
O governo brasileiro tem de se preocupar, antes de tudo, com a disposição argentina de compor um conjunto de ofertas à altura de uma negociação ambiciosa. O protecionismo argentino, já considerável antes da crise iniciada em 2008, intensificou-se a partir daí, com grande prejuízo, em primeiro lugar, para o Brasil. Será uma surpresa se o governo da presidente Cristina Kirchner se dispuser seriamente a um esforço para concluir o acordo. “Se eles quiserem ficar para trás, nós estamos prontos”, disse a ministra, referindo-se aos argentinos. Mas nada é tão simples. Os negociadores europeus têm mandato para negociar com o Mercosul, isto é, com o bloco, e mesmo a hipótese de um acordo com prazos diferenciados para os países-membros pode envolver complicações. Além disso, as normas de uma união aduaneira, como é o Mercosul, impedem os sócios de negociar isoladamente acordos de livre-comércio.
Os europeus, segundo disseram fontes de Bruxelas ao Estado, estariam dispostos a discutir com o Brasil, separadamente, formas de intensificação do comércio bilateral. Não poderia ser, naturalmente, um acordo de livre-comércio, mas os dois lados poderiam buscar fórmulas de ampliação das trocas. De toda forma, será uma solução limitada, assim como o acordo de complementação entre Brasil e México.
O casamento com o Mercosul é indissolúvel, mas sempre se pode discutir a relação, disse há poucos dias o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro Neto. No mesmo pronunciamento, no entanto, ele foi um pouco além dessa linguagem macia. Não se deveria aceitar, segundo ele, o Mercosul como um entrave à inserção global do Brasil.
Os ministros do Desenvolvimento e da Agricultura têm destoado da partitura terceiro-mundista (ou Sul-Sul) seguida a partir de 2003. Mesmo a presidente Dilma Rousseff parece, de vez em quando, disposta a mudar a pauta e a rever a política de comércio. Sua real inclinação poderá ficar mais clara em sua visita aos Estados Unidos.
Um primeiro passo para a mudança – se ela estiver, mesmo, disposta a isso – consistirá em pressionar seriamente o governo argentino para a apresentação das ofertas à União Europeia. Mas também será preciso mudar a chave da política interna, romper com o protecionismo e abrir a temporada de busca da produtividade. Parte do empresariado sem dúvida protestará. Mas a busca da competitividade é o complemento natural das políticas de ajuste e de investimento recém-inauguradas – se forem para valer.
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