O ESTADÃO - O8/07
Enquanto a inflação vai cumprindo seu destino de ultrapassar e se manter acima do teto da meta pelo menos até perto do fim de 2014, o ritmo de atividade econômica desce a ladeira. Este é o retrato do segundo trimestre, aquele que, neste ano, talvez venha a revelar melhor o pior dos mundos na economia brasileira. A hipótese conforta pouco porque, mesmo apresentando alguma recuperação sobre a primeira metade do ano, são escassas as possibilidades de uma reversão que leve, no conjunto do ano, a um crescimento acima de 1%.
Um gráfico dinâmico, em que fosse possível desenhar as curvas tendenciais da inflação e da variação do PIB, no momento, mostraria uma boca de jacaré se abrindo. Observado ao longo do tempo, é, na teoria, um desenho improvável em prazo mais longo, salvo no caso de situações de extrema anormalidade. Ritmo de expansão da economia e taxas de inflação não costumam andar na contramão um do outro.
À medida que os indicadores de junho vão sendo conhecidos, mais claro fica que, no segundo trimestre, a economia estacionou ou mesmo deu alguma marcha à ré. De seu lado, a inflação, depois de dissolvido um forte choque na oferta de alimentos, com origem na estiagem prolongada da passagem de 2013 para 2014, apresenta variações mensais menores, ainda que insuficientemente baixas para fazer recuar os índices em 12 meses. São indicações de que a relação entre nível de atividade e inflação, afinal, tem andado como manda o figurino padrão.
Há, claro, casos de estagflação - quando mesmo com baixo crescimento a inflação permanece em elevação. Para que uma estagflação se instale, é necessário que ocorram três situações, isoladas ou combinadas: 1) que os desequilíbrios e distorções na economia sejam graves e estruturais; 2) que aconteça algum choque, mesmo que temporário, e 3) que as expectativas correntes apontem alto grau de deterioração.
Embora um diagnóstico de estagflação para a economia brasileira possa conter até aqui doses de exagero, é possível perceber um pouco de tudo isso na atual conjuntura. Desequilíbrios no setor de energia, por exemplo, em consequência da longa estiagem dos últimos meses e de investimentos insuficientes ou atrasados, têm produzido distorções no funcionamento da economia, sobretudo na indústria. A falta de chuvas, ao exigir o acionamento em larga escala de termelétricas, num sistema de produção de energia dependente de hidrelétricas, tem jogado os preços a um ponto de ruptura, com potencial para desorganizar elos importantes de cadeias produtivas.
Segmentos industriais intensivos em energia têm convivido com um ambiente pedregoso, que combina alta nos custos de produção com esfriamento da demanda - a doméstica e a externa. O resultado é que já existem empresas preferindo reduzir a produção e importar produto final para revender energia no mercado. De uma só tacada, nessas circunstâncias, a economia perde produção - e o governo vê a arrecadação retrair -, o déficit do setor externo avança e a inflação ganha fôlego.
Último baluarte da demanda, o consumo das famílias, mostra mais fraqueza a cada mês. Em parte isso se deve ao endurecimento dos bancos na concessão de financiamentos, mas reflete também um afrouxamento nas taxas de ocupação de mão de obra. Principalmente na indústria, o esforço de retenção de pessoal parece estar no limite. Há uma disseminação, enfim, dos sinais de enfraquecimento do mercado de trabalho.
Quando se olha em perspectiva, a busca do fundo do poço pela economia é o elemento-chave do momento. A inflação, mesmo alta e resistente, perde o protagonismo. Pode ser alimentada por fatores circunstanciais - desvalorização mais rápida da moeda ou descompressão mais acelerada dos preços administrados reprimidos -, mas, no essencial, já reflete o inverno da atividade econômica que se instalou nestes trópicos.
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