sexta-feira, maio 09, 2014

Injustiça com as mãos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 09/05 
É assustador. Cidadãos se sentem no direito de fazer justiça com as próprias mãos. Ignoram as instituições do Estado e regridem aos tempos em que imperava a lei do mais forte. Ações da polícia consideradas abusivas recebem resposta violenta - ônibus incendiados com inacreditável frequência. Em São Paulo, a média atinge a inacreditável cifra de um veículo a cada dois dias.

Menores surpreendidos na prática de pequenos delitos, além de levar pancadas da população, são algemados a postes espalhados pela cidade. Pessoas incomodadas com a presença de mendigos ou moradores de rua sentem-se no direito de transformá-los em tochas humanas. Manifestações homofóbicas deixam saldo de cadáveres, mutilados e feridos.

O horror dos horrores aconteceu na semana passada. Não foi em estado remoto nem em comunidade movida por fanatismo religioso. O fato ocorreu na mais importante unidade da Federação brasileira. Fabiane Maria de Jesus, dona de casa de 33 anos, mãe de dois filhos, morava em Guarujá, município que, com uma das mais belas costas do litoral paulista, recebe turistas nacionais e estrangeiros.

Com base em retrato falado de mulher que sequestrava crianças para rituais de magia negra (divulgado na internet), Fabiane sofreu espancamentos até a morte. Homens e mulheres arrastaram-na pela rua, chutaram-na, deram-lhe pancadas na cabeça. Não faltou um ciclista que passou por cima do corpo ferido. Presentes que não participaram diretamente do linchamento fotografaram as cenas com a câmera do celular.

Fabiane era inocente. E se fosse culpada? Em nenhuma hipótese se podem aceitar métodos medievais de punição. O Estado moderno detém o monopólio do uso legítimo da força física dentro do território. Cabe à polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário garantir a sociedade contra a violência. Leis asseguram o direito à ampla defesa de qualquer pessoa seja qual for o crime de que é acusada. Ignorar as conquistas da civilização é voltar aos tempos da barbárie.

É preocupante a escalada do justiçamento no país. Brasileiros agem com a certeza da impunidade. Urge análise das causas da descrença na Justiça. A infinidade de recursos, que leva à tramitação demorada do processo, dá a impressão de que crimes ficam sem punição. Basta ter recursos para pagar bons advogados. O descrédito na efetiva resposta do Estado autoriza a pensar que o linchamento de Fabiane não foi o capítulo final da novela de terror. Outros virão. Impõe-se agir. Agora.

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