sexta-feira, maio 09, 2014

Ambiguidades e a campanha eleitoral - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 09/05

Dilma não colheu "benefícios" das bondades que fez


Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à reeleição, não pretende cometer "sincericídio" durante a campanha, mas já estaria ciente de que 2015 será um ano de ajuste. "A presidente não rasga dinheiro", argumentam colaboradores qualificados e próximos a ela. Traduzindo: ela não é de trato fácil, precisa ser exaustivamente convencida, mas quando colocada diante da dura realidade reage com a razão.

Durante a campanha, portanto, Dilma não tratará de temas espinhosos. Longe do palanque o discurso é mais pé no chão, asseguram fontes oficiais. Ela saberia, por exemplo, que a atual política de valorização do salário mínimo já cumpriu a função e sua continuidade é insustentável. A lei deve ser revista. O mesmo ocorreria com o abono salarial, o seguro desemprego, as pensões por morte e, provavelmente, com a amplitude e o custo das desonerações da folha.

A experiência de três anos de governo mostrou que quando a presidente descentraliza a gestão e deixa os profissionais das respectivas áreas trabalharem, as coisas funcionam bem melhor. Exemplo: a readequação geral que teve que ser feita nas regras das concessões para atrair o setor privado. Teria compreendido, também, que taxa de juros baixa não gera crescimento econômico, mas ainda continuaria descrente da eficácia da política monetária no combate à inflação.

É preciso, primeiro, ganhar a eleição. Só após assegurado o segundo mandato é que o governo deve começar a dizer a que veio. É com esse argumento que economistas oficiais justificam algumas das ambiguidades no discurso da presidente.

Quando anunciou reajuste de 10% no Bolsa Família e a correção de 4,5% da tabela do Imposto de Renda para 2015, em um gesto de agrado às vésperas do dia 1° de maio, Dilma estava mirando os eleitores do PT que as pesquisas indicam que ela está perdendo. Ao contrário do que pareceu, não foi um ato de desmedida generosidade eleitoral. O Bolsa Família estava sem aumento há dois anos e a tabela do IR é corrigida, desde 2007, pela meta de inflação raramente cumprida, subtraindo salário nominal dos trabalhadores.

Quando diz que não vai combater a inflação com desemprego, porém, Dilma não está cometendo um despiste eleitoral. É desejo legítimo da esquerda desde o início dos tempos encontrar uma arma de combate à inflação que não produza recessão. Mais importante do que ter resposta a essa pergunta seria substituí-la por outra, que se refira à maneira mais eficiente de se controlar a inflação com o menor custo possível para as parcelas mais vulneráveis da população, ponderou uma fonte.

Esse dilema deixou de ser tema das nações desenvolvidas desde os anos 70, quando Paul Volcker, como presidente do Fed, elevou os juros às alturas para derrubar uma inflação renitente que vinha sendo tratada à base de política de rendas. E deu início a um dos mais longos ciclos de prosperidade americana.

Quando assumiu, em janeiro de 2011, a presidente Dilma fez uma reunião ministerial onde o titular da Fazenda, Guido Mantega, apresentou os objetivos do novo governo para os quatro anos de mandato.

Nos gráficos e tabelas da apresentação, o ministro indicou que a taxa média de crescimento até 2014 seria de 5,9% ao ano, deixando para trás um crescimento médio de 2,6% da era FHC e de 4% no período Lula. O investimento passaria de 19% do PIB em 2010 para 24% do PIB em 2014. A meta de 4,5% para a inflação em 2011 e 2012 já estava aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e, nos prognósticos do ministro, o IPCA teria variação de 5% no primeiro ano do governo Dilma e cairia para 4,5% já no ano seguinte. A esses objetivos agregava-se, ainda, a redução da taxa de juros real para a casa dos 2% ao ano que Dilma defendia.

Confrontando a realidade com aquele leque de intenções, vê-se que a execução da política econômica ficou muito distante dos objetivos traçados. É fato que uma crise pesada abalou as economias da Zona do Euro em 2011, com consequências danosas para todo o mundo.

No caso do Brasil, aos efeitos da crise mundial e aos desdobramentos da mudança da política monetária americana, com suas idas e vindas, somou-se um mal humor crescente dos investidores internacionais e domésticos, gerado por uma forte desconfiança nos rumos do governo a partir das estripulias contábeis do Tesouro Nacional, das intervenções no setor elétrico e nos preços da Petrobras, da suspeita de que o Banco Central estava proibido de elevar os juros e da impressão de que o governo queria determinar a taxa de câmbio, dentre outras.

Dilma tentou reagir à crescente desconfiança. Chamou empresários e banqueiros para conversar, compareceu perante a elite econômica mundial em Davos, comprometeu-se com a redução da expansão do crédito dos bancos públicos, se conformou com a flutuação da taxa de câmbio e com o aumento dos juros para dois dígitos (de 7,25% para 11% ao ano).

Depois de uma série de gestos de aproximação com o mercado, no entanto, a percepção que ficou para a presidente foi de que ela não colheu qualquer "benefício", nem mesmo dos empresários que tiveram montanhas de dinheiro barato do BNDES. Estão praticamente todos contra sua reeleição.

A área econômica se prepara, agora, para um cenário em que pode haver um ataque especulativo nos juros e no câmbio durante a campanha eleitoral. Não se espera, porém, um movimento parecido com 2002 quando a taxa de câmbio foi a R$ 4,00, os juros subiram para 25% e a inflação disparou. O objetivo, agora, é levar o barco de forma segura até o fim do ano, garantiu uma fonte qualificada.

Em agosto do ano passado, quando os recursos externos começaram a minguar e o câmbio se desvalorizava, o Banco Central deu início a um vigoroso programa de leilões de swaps cambiais que lhe rendeu, até ontem, um lucro de R$ 17 bilhões. Essa é a expressão do que o mercado está perdendo ao apostar contra, aponta a fonte.

Um outro grande drama se apresenta: o risco de racionamento de energia para depois das eleições. É crescente o temor de um tombo na economia em 2015 pela falta de energia.

Na visão do governo, contudo, a realidade continua sendo melhor do que a percepção que os agentes econômicos têm dela.

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