O GLOBO - 14/03
Ao Brasil resta esperar pelo passivo por liderar a proteção de um regime nada democrático e que deve se aproveitar do apoio continental para escalar na violência
Não seria a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) que iria tratar a crise na Venezuela pelos seus aspectos mais importantes, a dos direitos humanos e do respeito às regras democráticas de convivência entre forças políticas divergentes. Como esperado, criou-se uma comissão — surrada maneira de se postergar soluções — para supostamente intermediar o diálogo entre o governo chavista de Nicolás Maduro e os oposicionistas. Apenas um jogo de cena diplomático para Maduro ter tempo de sufocar com mão de ferro as manifestações.
Neste mesmo dia da decisão tomada em Santiago, quarta, mais duas pessoas foram mortas a tiros em conflitos de rua, um deles um capitão da Guarda Nacional Bolivariana, sinal de que a violência pode se generalizar.
Na semana passada, o grupo de apoiadores do regime chavista, de que faz parte o Brasil, conseguira barrar nas Organizações dos Estados Americanos (OEA) qualquer ação mais efetiva em torno da crise, em nome da preservação da soberania na Venezuela.
Outra declaração de apoio a Maduro saiu do Mercosul, em nota bem ao estilo chavista, em que a oposição foi acusada de tentar desestabilizar a “democracia” venezuelana e de incitar a violência.
Nenhuma menção a raízes da crise — inflação sem controle somada ao desabastecimento, tampouco à repressão violenta do governo. Até quarta-feira, já eram 24 mortos, em um mês de tumultos.
A Unasul repetiria o enredo, como não poderia deixar de ser, pois a organização carrega o chavismo no DNA. Mais do que isso, a entidade é fruto de uma fertilização in-vitro do chavismo com o lulopetismo.
Lula e Chávez trabalharam juntos na criação deste fórum, para ser uma espécie de OEA sem os Estados Unidos, o “Império”, e Canadá, a parte “loura com olhos azuis” das Américas. Criada em 2008, em Brasília, a Unasul, dois anos depois, em Campana, perto de Buenos Aires, sugestivamente elegeu o então presidente argentino, Néstor Kirchner, seu primeiro presidente. Néstor e Cristina, sua sucessora, seriam cada vez mais influenciados pelo chavismo. A Unasul é a expressão continental da visão chavista e do lulopetismo de que seria imprescindível se afastar dos Estados Unidos e buscar o eixo diplomático e comercial Sul-Sul. A crise financeira americana, aprofundada a partir de 2009, deve ter dado certeza a Chávez e Lula de que o Ocidente, puxado pelos EUA, entrara em decadência. Aposta errada, como se constata. A ver os desdobramentos históricos deste equívoco estratégico.
Hoje, resta esperar o passivo político-diplomático que deverá herdar o Brasil por liderar um movimento de proteção de um regime nada democrático e que deve usar o biombo da Unasul para escalar na violência.
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