GAZETA DO POVO - PR - 14/03
Câmara quer ouvir Graça Foster sobre denúncias de suborno. Porém haveria muito mais a investigar sobre a estatal
Fiscalizar o Executivo é prerrogativa inerente ao Legislativo. Não se trata de um direito, mas de um dever constitucional. Portanto, não deveria causar nenhum espanto ver o esforço que o Congresso – mais precisamente a Câmara Federal – promove para supostamente remover escombros sob os quais o governo da presidente Dilma Rousseff esconde seus desacertos administrativos, econômicos ou éticos – ou todos juntos.
Por isso, as convocações e convites expedidos nesta semana, de uma só tacada, para que 11 membros do alto escalão do Executivo deponham perante comissões da Câmara poderiam ser vistos até com certa naturalidade, não fossem as evidências de que a motivá-los está não o zelo pela coisa pública, mas o emprego da técnica de criar dificuldades para obter facilidades – para dizer o mínimo, a velha chantagem a que volta e meia se dedicam os partidos e seus líderes. Este parece ser o objetivo da “operação sufoco” de que se vale o “blocão” para obter vantagens que pouco dizem respeito ao verdadeiro interesse público. Não será espantoso se desistirem da missão tão logo seus mesquinhos interesses pessoais por fatias do bolo do poder e suas generosas verbas sejam atendidos.
Longe estamos de afirmar que não mereçam investigação os temas que levarão dez ministros e a presidente da Petrobras diante dos parlamentares – pelo contrário, são questões que já deveriam ter sido objeto de acurada apuração por parte do próprio Executivo e também do Congresso, pois em sua maioria apresentam indícios de graves desvios, de há muito sobejamente conhecidos da opinião pública. Apesar disso, até hoje a sociedade não via sinais de providências corretivas de nenhuma das duas instituições.
Um dos casos mais grotescos é o da Petrobras. Caberá à sua presidente, Graça Foster, explicar ao parlamento denúncias de que funcionários da estatal teriam recebido suborno de uma empresa holandesa – denúncias que levaram também à criação de uma comissão externa, outra traquinagem do “blocão”. Mas os parlamentares miraram baixo. Haveria muito mais a investigar sobre a Petrobras.
Por exemplo, os deputados poderiam tentar descobrir como a empresa – há poucos anos uma das maiores e mais lucrativas do mundo – se tornou a mais endividada do planeta, segundo o Bank of America Merril Lynch, e perdeu R$ 40 bilhões em valor de mercado só em 2013 (a maior queda da Bovespa, em valores absolutos). Além disso, os brasileiros também têm o direito de ver esclarecidos os bastidores do negócio que levou a empresa a comprar por US$ 1,2 bilhão e revender por US$ 180 milhões uma ultrapassada e inadequada refinaria nos Estados Unidos (que anos antes valia meros US$ 45 milhões). Sem falar do fiasco da Refinaria Abreu e Lima, que seria construída em parceria com a venezuelana PDVSA, que nunca colocou um centavo na obra. A Petrobras acabou incorporando a refinaria, cujo custo saltou dos R$ 2 bilhões iniciais para quase R$ 20 bilhões.
Uma das razões da débâcle empresarial da Petrobras parece clara: ela foi incluída na política bolivariana que Lula empregou na administração de alguns setores. Deixou, por exemplo, de atualizar os preços da gasolina visando a segurar artificialmente a inflação, com efeitos lógicos: os lucros se transformaram em prejuízos; os investimentos despencaram; a capacidade operacional diminuiu; o desequilíbrio de caixa obrigou-a recorrer aos mercados, cuja confiança logo despencou, a ponto de, atualmente, a Petrobras valer menos do que seu patrimônio. A todas essas desgraças, soma-se a rumorosa compra superfaturada da refinaria texana de Pasadena. Os petistas temem que a comissão externa e a convocação de Graça arranhem a imagem da estatal no exterior, mas a verdade é que essa imagem já está arranhada há tempos.
Graça não entrou na categoria dos convocados pela Câmara, mas na dos convidados, a quem se dá o privilégio regimental de comparecer ou não. Para o bem do princípio da transparência, espera-se que ela atenda ao convite, mas seria ainda melhor se os deputados não se limitassem às denúncias de suborno que motivaram o convite à presidente da Petrobras.
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