O Estado de S.Paulo - 14/03
Algumas orelhas devem estar ardendo no PSDB. Ao falar em evento pela passagem dos 20 anos do Real, anteontem em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso instou o público a levar às devidas consequências políticas as evidências dos descaminhos do governo Dilma Rousseff, expostas pouco antes pelos economistas que conceberam a estabilização monetária e, depois da eleição do tucano, se empenharam em consolidá-la. "É falsa a ideia de que não há alternativa (à reeleição da petista)", ressaltou Fernando Henrique. O que falta, argumentou, é que se acredite que outro caminho é possível. Combinando desafio e advertência, ensinou: "Tem que ter convicção, sobretudo liderança política. Quando não tem convicção, não passa nada".
Não há, nem no PSDB, muito menos nos demais partidos da frente oposicionista, quem disponha de credenciais comparáveis às dele para dar um choque de ânimo nos desacorçoados correligionários, cujas vozes, quando ativadas, dificilmente conseguem se propagar além dos confinados espaços onde ecoam. Além da carga de autoridade nela embutida, a pregação de Fernando Henrique tem lastro numa realidade que muitos dos seus parecem não enxergar. Dois em cada três eleitores, por exemplo, afirmam querer mudanças no modo como o País é conduzido, e apenas uma minoria deles prefere acreditar que elas virão com mais quatro anos de Dilma. Além disso, há um amplo território aberto à persuasão dos eleitores céticos, os que dizem que, se a eleição fosse hoje, anulariam o voto ou votariam em branco porque não se identificam com nenhum dos nomes oferecidos à sua escolha. Segundo a mais recente sondagem do Datafolha, esse contingente equivale aos 17% de simpatizantes do presidenciável tucano Aécio Neves.
Condições políticas favoráveis para lançar as bases de uma campanha capaz de levar a disputa ao segundo turno - quando então, como sabem os especialistas, começa outro jogo - não escasseiam. A presidente está mergulhada em um confronto com os partidos aliados que cansaram de ser tratados como massa de manobra dos interesses hegemônicos do PT. Não falta quem aposte que a crise se dissipará antes cedo do que tarde pela rendição dos rebelados aos recursos de poder do Planalto, entre os quais a caneta presidencial com a carga cheia. Pode ser. Mas isso também se dizia antes que, em menos de 48 horas, o cordão dos descontentes impusesse a Dilma duas derrotas estonteantes. Uma, a decisão da Câmara, tomada por um aluvião de votos, de investigar suspeitas de recebimento de propina por funcionários da Petrobrás. Outra, decerto sem paralelo nos atritos entre Executivo e Legislativo, a convocação, de uma tacada só, de quatro ministros e o convite a seis outros, além da presidente da estatal, para sabatinas em comissões da Casa.
Para Fernando Henrique, é a pena que Dilma paga por ter rebaixado o presidencialismo de coalizão brasileiro a um regime de cooptação. O relacionamento do Planalto com a base parlamentar, descreveu, "não é marcado por projetos e programas políticos focados no Brasil, mas pela oferta de espaço no governo". Numa visão de mais longo alcance - cujas implicações para a sucessão presidencial a oposição precisa ter claro -, Fernando Henrique situou no cansaço da sociedade, origem das jornadas de junho do ano passado, a causa profunda do motim na Câmara. O ex-presidente não há de ignorar que Dilma dispõe de dois trunfos eleitorais que sustentam o seu amplo favoritismo nas pesquisas - os níveis de emprego e renda. Não é provável que esses indicadores, em que se assenta o apoio da maioria à reeleição, venham a ser destroçados por um cataclismo econômico nos menos de sete meses que separam os brasileiros do encontro com as urnas - com uma Copa do Mundo a meio caminho. Mesmo entre os contentados, porém, prevalece uma incerteza difusa sobre a durabilidade desse quadro, sem falar nas dúvidas sobre a obtenção de novos ganhos de qualidade de vida.
Quando começar a propaganda eleitoral na TV e no rádio, saber-se-á se o candidato tucano terá a convicção e a liderança invocadas por Fernando Henrique para persuadi-los de que há uma alternativa melhor.
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